Da Redação com Lusa
A onda de calor no interior do Alentejo, ainda que sem temperaturas máximas históricas, é a mais longa na região, segundo o professor e pesquisador Rui Salgado.
“Em Évora já tivemos temperaturas mais altas mas nunca deverá ter havido temperaturas tão altas, seguidas, no interior alentejano”, disse o professor da Universidade de Évora, físico da atmosfera e investigador do Instituto de Ciências da Terra (ICT), da Universidade.
O ICT explicou em comunicado que as temperaturas elevadas dos últimos dias se devem à presença de um anticiclone a nordeste dos Açores, estendendo-se em crista até à Grã-Bretanha/Golfo da Biscaia, que “induziu um fluxo de leste que transportou ar seco e muito quente”.
Flávio Couto, investigador do ICT, citado no comunicado, explicou que a persistência de temperaturas altas se deve também a uma depressão próxima de Portugal continental, que “inibe a circulação típica de verão associada ao anticiclone dos Açores e favorece os ventos de sudeste/este para o Alentejo na baixa atmosfera.”
Por isso, adianta, espera-se que o interior do Alentejo continue a braços com a onda de calor até à próxima sexta-feira, uma “situação atípica”.
Rui Salgado, embora salientando que Évora nunca deverá ter registado uma semana de temperaturas acima dos 40.ºC, e com noites tropicais (acima de 20.ºC), disse que eventos extremos como o atual são naturais e podem acontecer sem que estejam relacionados com as alterações climáticas.
O que difere, acrescentou, é que, devido ao aquecimento global, que provoca as alterações climáticas, a probabilidade de acontecerem extremos climáticos é agora muito maior.
A persistência de temperaturas altas que se registra agora provavelmente “nunca aconteceu no século XX”, disse o responsável, assinalando que com as alterações climáticas este tipo de eventos “será mais frequente”, e nada impede que possa voltar a acontecer este ano.
No comunicado, a Universidade alerta também para a perigosidade da onda de calor para a saúde das pessoas, que tem contornos semelhantes à onda de calor de 2003, que causou um pico de mortalidade em Portugal Continental.
Maria João Costa, também investigadora no ICT alerta no comunicado para a possível circulação de poeiras do norte de África, e aconselha a população a permanecer sempre que possível no interior das habitações.
Agravamento das condições
A Autoridade Nacional de Emergência e Proteção Civil (ANEPC) alertou hoje para o agravamento das condições meteorológicas para os próximos dias e para o risco de reativação de incêndios, apelando à “tolerância zero para o uso de fogo”.
“É preciso olhar para esta situação e ter a consciência que a situação é grave do ponto de vista meteorológico. Qualquer ignição dá origem a uma grande ignição. Essa probabilidade é muito elevada e nós não queremos isso e contamos com todos para evitar que hajam incêndios e mantermos Portugal seguro durante esta condição meteorológica adversa”, alertou o comandante nacional de Emergência e Proteção Civil, André Fernandes, durante um balanço da situação operacional, feito ao final da tarde em Carnaxide, no concelho de Oeiras (Lisboa).
Insistindo que se trata de “uma situação extrema” e “uma situação meteorológica nunca experienciada” em Portugal, André Fernandes salientou que “o uso do fogo tem de ser de tolerância zero”.
O responsável da ANEPC referiu também que, para fazer face a esta situação meteorológica adversa, estão a ser reforçados os meios operacionais nos locais mais problemáticos em termos de incêndios.
“Neste momento todos os meios envolvidos estão a fazer a defesa das habitações e a auxiliar a retirada das pessoas. Esperamos que durante a noite o vento diminua e seja possível a estabilização destes incêndios”, disse.
Contudo, André Fernandes alertou para o perigo de existirem algumas reativações de incêndios, dadas as condições meteorológicas e a dimensão da área do incêndio, como aconteceu hoje à tarde no caso do incêndio de Ourém, na localidade da Cumeada, que teve início na quinta-feira.
“Tem tudo a ver com a área afetada, que é uma área enorme, são mais de dois mil hectares. São perímetros que variam entre os 21 quilômetros e os 30 quilómetros. Em algumas áreas as máquinas de rastro não conseguem entrar, devido ao tipo de solo, e é difícil fazer o rescaldo”, explicou.
O incêndio que teve início na quinta-feira na localidade de Cumeada era aquele que, ao início da noite de hoje, estava a mobilizar mais meios de combate.
Pelas 21:45, segundo o ‘site’ na ANEPC, o fogo mobilizava 409 operacionais, apoiados por 125 meios terrestres.
Ainda de acordo com os números avançados por André Fernandes, o incêndio que teve início na Cumeada já provocou danos em 11 habitações, três anexos e uma oficina e obrigou à retirada de cerca de 300 pessoas da freguesia de Freixianda.
Foram igualmente retiradas pessoas das localidades de Quebrada de Baixo, Casal Pinheiro e Santa Teresa, embora o número total esteja ainda a ser contabilizado.
O incêndio que começou na sexta-feira, na localidade de Vale de Pia, concelho de Pombal, distrito de Leiria, também continua ativo e, pelas 21:45, era combatido por 273 operacionais, apoiados por 83 meios terrestres.
Segundo o balanço feito pela ANEPC, este incêndio danificou quatro habitações e uma ‘roulotte’.
Já hoje, às 12:06, deflagrou outro fogo no concelho de Ourém, na localidade de Cumieira. No terreno, a combater as chamas, estavam, igualmente pelas 21:45, 344 bombeiros, com 95 veículos.
Este incêndio causou, até ao momento, danos em duas habitações e em quatro anexos.
Um minuto mais tarde, às 12:07, foi dado o alerta para um fogo que teve início na localidade de Caranguejeira, no concelho de Leiria, e que estava, pelas 21:45, a mobilizar 369 operacionais e 108 veículos terrestres.
Este incêndio já levou a Câmara de Leiria a pedir à população entre as localidades de Figueiras e Mata dos Milagres para se deslocar para o pavilhão dos Pousos ou para o Estádio Municipal e obrigou ao corte da Autoestrada 1 em ambos sentidos, entre Pombal e Fátima, assim como ao encerramento do Itinerário Complementar (IC) 2, em Leiria, e do IC8, entre Pombal e Ansião.
André Fernandes referiu que devido ao “agravamento da situação operacional” foram acionados, “de imediato”, meios de reforço para o distrito de Leiria e de Santarém, num total de 729, que se vão juntar aos que já estão em combate.
Ainda de acordo com André Fernandes, desde quinta-feira e até hoje, os incêndios provocaram 31 feridos ligeiros e um ferido grave, sendo que ao todo foram assistidos 50 operacionais.
Portugal continental entrou às 00:00 de segunda-feira em situação de contingência, que deverá terminar às 23:59 de sexta-feira, mas que poderá ser prolongada caso seja necessário.
A declaração da situação de contingência foi decidida devido às previsões meteorológicas para os próximos dias, que apontam para o agravamento do risco de incêndio, com temperaturas que podem ultrapassar os 45º em algumas partes do país, segundo disse, no sábado, o ministro da Administração Interna, José Luís Carneiro.