Presidente pede meios para que Portugal não baixe nos índices de combate à corrupção

Da Redação
Com Lusa

O Presidente português, Marcelo Rebelo de Sousa, pediu nesta quinta-feira um esforço coletivo com leis e meios de investigação para que Portugal não volte a baixar nos índices comparativos de combate à corrupção.

“O que for necessário fazer em termos de lei deve ser feito, e quanto mais depressa melhor”, declarou o chefe de Estado, em resposta a questões dos jornalistas, na sede da Ordem dos Médicos, em Lisboa, no final da cerimônia de entrega do Prêmio Bial de Medicina Clínica 2020.

Marcelo Rebelo de Sousa considerou, entanto, que não bastam leis, também é preciso haver “meios de investigação, recursos para aplicar as leis”, porque “há ótimas leis que depois provam mal ou provam pouco por dificuldade de aplicação”.

“Temos de fazer um esforço coletivo, todos nós, para que Portugal não baixe como baixou este ano no ‘ranking’ das sociedades e dos Estados em matéria de combate à corrupção. Não é bom, é um mau sinal em termos de qualidade da democracia”, defendeu.

Questionado sobre as iniciativas legislativas já apresentadas ou que estão a ser preparadas pelos partidos e pelo Governo para reforçar o combate à corrupção, o Presidente da República não quis comentar, para já, nenhuma medida em concreto: “Vamos esperar para conhecer todos os diplomas”.

“Haverá certamente nos próximos dias oportunidade para que eu volte a este tema e para que se volte a esse tema, conhecidas as propostas e os projetos do Governo e dos partidos”, acrescentou.

Marcelo Rebelo de Sousa disse ver “com bons olhos tudo o que seja feito dentro de uma estratégia global de combate à corrupção”.

“Vejo eu e veem os portugueses. E esse será um tema que ocupará os trabalhos da Assembleia da República”, referiu, assinalando que “o Presidente da República receberá as leis que forem aprovadas”.

Estratégia

Neste dia 29, o Governo apresentou as linhas de ação da Estratégia Nacional Anticorrupção nas vertentes de prevenção e da repressão, e deu conta de forma genérica de alguns diplomas que vai apresentar à Assembleia da República.

O Governo prevê uma harmonização dos prazos de prescrição de 15 anos para crimes de corrupção e outros econômico-financeiros cometidos por funcionários e detentores de cargos políticos, a quebra dos pactos de silêncio entre as partes através da possibilidade da dispensa ou atenuação da pena, em determinadas condições, por via de um melhoramento do mecanismo que já hoje existe e ainda a suspensão provisória do processo a quem denuncie o crime e colabore na descoberta da verdade.

O executivo tem ainda previsto reduzir os tempos entre a prática dos fatos criminosos e o processo, tendo a ministra da Justiça, Francisca Van Dunem, admitido, em conferência de imprensa após o Conselho de Ministros, que nos chamados megaprocessos “os resultados não coincidem muitas vezes com aquilo que são as expectativas”, sublinhando ainda que, sempre que possível, a autoridade judiciária deve dividir o processo.

Sobre a não inclusão da criminalização do enriquecimento injustificado na Estratégia, a ministra considerou que essa matéria faz parte do pacto de transparência e que qualquer alteração à lei já existente é da responsabilidade do parlamento.

Na vertente da prevenção, vai ser criado um Regime Geral de Prevenção da Corrupção para os setores público e privado, um Regime de Proteção dos Denunciantes, com a transposição da diretiva europeia, e a criação da Entidade de Prevenção da Corrupção.

Durante a conferência de imprensa, Francisca Van Dunem anunciou que o diploma prevê a criação de uma entidade independente que fará o acompanhamento da estratégia anticorrupção, quer na vertente preventiva, quer na vertente repressiva.

Esta entidade, explicou a ministra, que terá um conselho estratégico e de acompanhamento, entre outras funções, será formada por representantes da Ordem dos Advogados, da Procuradoria-Geral da República (PGR) e do Tribunal de Contas, e como abrange também atividades do setor privado incluirá alguns elementos ligados à indústria ou ao comércio que serão cooptados pelos restantes membros.

A entidade em causa terá ainda o contributo de “alguém de reconhecido mérito” ligado à problemática do fenômeno da corrupção.

A proposta apresentada integra, segundo a ministra, uma diretiva que “protege os denunciantes” de crimes de corrupção e que evita “atos de retaliação” contra os que colaborem com a justiça na descoberta dos atos corruptivos.

Esta estratégia, observou, visa “quebra os pactos de silêncio que envolvem os dois agentes que praticam” o ato corruptivo, motivo pelo qual o Governo apresenta na proposta de lei à Assembleia da República a possibilidade da “dispensa da pena, melhorando o mecanismo já existente hoje”, por forma a “simplificar o regime” já em vigor nesta matéria.

Francisca Van Dunem enfatizou que as medidas propostas em matéria de direito premial, nomeadamente sobre dispensa da pena e acordos entre arguido, Ministério Público e juiz em fase de julgamento (sobre a aplicação da medida mínima e máxima da medida da pena) não se confunde com o instituto da “delação premiada” que vigora em outros países, como o Brasil.

O diploma integra também uma diretiva europeia que permitirá o “acesso direto a informação e contas bancárias por parte das autoridades judiciárias e de alguns órgãos de polícia criminal”, em crimes econômico-financeiros de maior gravidade no âmbito da corrupção, o que remete para um catálogo de crimes a designar.

Francisca Van Dunem negou que algumas das medidas agora aprovadas pelo Governo tivessem sido adotadas por “pressão” da recente decisão instrutória do processo Operação Marquês, observando que a discussão pública da Estratégia Nacional de Combate à Corrupção terminou em 18 de março passado.

A ministra manifestou a sua convicção de que a proposta do Governo terá “amplo consenso” no parlamento, uma vez que se trata de “matéria transversal” e que configura “medidas equilibradas e razoáveis”, que “podem ter eficácia”.

O diploma do Governo prevê ainda canais privilegiados de denúncia para crimes de corrupção, assegurando a “proteção dos denunciantes”, mas insistiu que este modelo não é o da “delação premiada”.

Quanto à dispensa da pena, avançou que haverá dois modelos: o da dispensa obrigatória e o da dispensa facultativa, sendo que o primeiro ocorre quando a denúncia é feita logo no início da investigação (inquérito) e haja a devolução da dádiva resultante do ato corruptivo.

Na dispensa de pena obrigatória, o papel do juiz resume-se a avaliar se estão preenchidos os pressupostos para a aplicação deste instituto jurídico de combate à corrupção.

No caso da dispensa de pena facultativa esta só se aplica a quem praticou corrupção para ato lícito, sendo afastada a hipótese para quem praticou corrupção para ato ilícito. Para a sua aplicação, é ainda preciso que o agente não só confesse o ato, mas também que colabore na descoberta da verdade, podendo isso acontecer quer na fase de inquérito, quer na fase de instrução.

Em fase de julgamento, está prevista a possibilidade de aplicação de “acordos” caso o agente/arguido confesse os factos, admitindo aqui o tribunal a possibilidade de “haver uma conversa” entre arguido, MP e juiz “não sobre a pena [condenatória] a aplicar, mas sobre o limite máximo e limite mínimo da pena a aplicar” pelo tribunal de julgamento.

Porém, para que tal aconteça, é necessário que haja a “confissão integral e sem reservas” dos fatos corruptivos por parte do agente que queira beneficiar do acordo que lhe é favorável em fase de julgamento.

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