Mundo Lusíada com Lusa
No Parlamento, o Presidente português defendeu a escolha pela democracia, mesmo que imperfeita, contra a ditadura, argumentando que são democracias as sociedades mais fortes e lembrando que antes do 25 de Abril não havia um hemiciclo de escolha popular.
“Tenhamos a humildade e a inteligência de preferir sempre a democracia, mesmo imperfeita, à ditadura”, afirmou Marcelo Rebelo de Sousa, na sessão solene comemorativa do 50.º aniversário do 25 de Abril na Assembleia da República.
O chefe de Estado considerou que muitos avanços conseguidos nestas cinco décadas estão a “precisar do impulso de novas gerações, ideias e pessoas”, antes que o 25 de Abril “fique ou acabe por ir ficando saudosismo, nostalgia, mais passado do que futuro”.
“O que fazer, como fazer? Tomar aquilo que de mais forte, mais duradouro, mais redentor, mais promissor tem Abril, e com isso ir recriando Portugal. Esse valor único, singular, que nunca morreu, nunca se apagou, nunca se enfraqueceu: chama-se liberdade, democracia e vontade do povo. Então reconheçamos essa força vital da democracia”, apelou.
Marcelo Rebelo de Sousa argumentou que “são democracias, mesmo inacabadas, as sociedades mais fortes e criativas do mundo, como são as humanamente melhores, como são as ambientalmente mais avançadas, como são as mais livres, mais plurais, mais abertas, menos repressivas, menos persecutórias, menos intolerantes, menos avessas à diferença”.
As democracias são “mais abertas a todos, mesmo a todos, incluindo aqueles que contestam, no todo ou em parte, essa democracia”, acrescentou.
“Ninguém quer trocar uma democracia menos perfeita por uma ditadura, ainda que sedutora ou escondida por detrás de tiques iliberais. Nós em Portugal não queremos. Queremos é maior qualidade econômica, social e cultural, para dar força a melhor qualidade política”, reforçou.
Protagonistas
O Presidente da República defendeu que nada na História contemporânea se compara ao 25 de Abril de 1974, pelas mudanças que implicou, num discurso em que lembrou os protagonistas da democracia portuguesa nas últimas cinco décadas.
“Por isso, é injusto comparar o incomparável, e esquecer os custos globais daquilo que vivemos, e até os custos da revolução, que só existiu porque a ditadura não soube ou não quis fazer uma transição, ao contrário da vizinha Espanha”, considerou.
Na sua intervenção, que durou perto de meia hora, o chefe de Estado evocou, embora sem os nomear, Ramalho Eanes, Mário Soares, Francisco Sá Carneiro, Álvaro Cunhal, Freitas do Amaral e Cavaco Silva, entre outros, ao falar dos antecedentes da Revolução dos Cravos e da estabilização do regime democrático.
Cada nome evocado suscitou aplausos distintos, ora mais à direita ora mais à esquerda, na Sala das Sessões, em que estavam presentes, numa das galerias, os antigos chefes de Estado António Ramalho Eanes e Aníbal Cavaco Silva.
“Muitos e muitos outros como eles batalharam e tantas vezes venceram. E outros batalharam e perderam, pouco ou muito. E alguns se desiludiram, no 25 de Abril, outros no 28 de setembro, outros no 11 de março, outros no verão quente, outros no crucial 25 de novembro, que acabou por definir o desfecho da revolução”, e ainda “outros ao longo dos últimos 50 anos”, referiu.
Neste ponto da sua intervenção, Marcelo Rebelo de Sousa realçou que o 25 de Novembro de 1975 “a justo título, tal como a Constituinte e a Constituição, desde sempre foi pensado para integrar as celebrações de Abril, que só terminarão em 2026”.
“Assim a História, faz-se e refaz-se amiúde mais de baixos do que de altos”, observou.
Em seguida, o Presidente da República questionou: “E esses altos e baixos terão comparação com qualquer outro movimento político militar, social, na nossa história contemporânea, na história dos nossos parceiros europeus mais antigos ou dos nossos parceiros europeus mais recentes?”
“Não, não tem comparação. O 25 de Abril implicou ao mesmo tempo fim de um império de cinco séculos, fim de uma ditadura de cinco décadas, integração econômica e política na hoje União Europeia e quatro mudanças de regime econômico”, defendeu.
Segundo Marcelo Rebelo de Sousa, “nenhuma outra revolução ou golpe militar foram comparáveis” na História contemporânea, porque “nenhum outro império europeu moderno enfrentou todos estes desafios ao mesmo tempo em menos de 30 ou 40 anos”.
“Nenhum dos nossos parceiros de Leste tivera impérios extraeuropeus nem vivera descolonização, com democratização, com integração europeia e quatro mudanças de regime econômico como nós. Por isso, é injusto comparar o incomparável”, defendeu.
Vítimas
Já o presidente da Assembleia da República salientou hoje a coragem dos militares que fizeram a revolução de 25 de Abril, num discurso em que também lembrou as últimas vítimas mortais causadas pela polícia política do anterior regime.
Na sessão solene comemorativa, antes da intervenção final a cargo do Presidente, José Pedro Aguiar-Branco considerou que “um dos grandes mitos” do dia da revolução “é o slogan, tantas vezes repetido, de um dia sem sangue”.
“Senhoras e senhores deputados, há pelo menos quatro famílias que discordam desta ideia. Naquele dia houve gente que estava no sítio errado à hora errada, gente que saiu de casa para apoiar a revolução, gente que já não voltou a casa”, disse, recebendo depois palmas, sobretudo de deputados do PS e do PSD.
Segundo o presidente do parlamento, “foram as últimas vítimas da polícia política do regime e é tempo de dizer os seus nomes nesta sala: Fernando Giesteira, Fernando Barreiros dos Reis, João Arruda e José Barneto”.
“Não basta dizer os seus nomes, é preciso expressar gratidão. Esta semana tomei a iniciativa de convidar as famílias para, pela primeira vez, estarem nesta sessão solene. O convite foi para que vissem com os próprios olhos o que o sacrifício dos seus conquistou. A ver-nos e a ouvir-nos. E aqui está, a família de Fernando Barreiros dos Reis”, referiu. Palavras que levaram todos os deputados a aplaudirem.
Neste seu primeiro discurso, numa sessão solene do 25 de Abril, enquanto presidente da Assembleia da República, José Pedro Aguiar-Branco realçou a coragem dos militares que derrubaram o regime do Estado Novo.
“Se o 25 de abril tivesse falhado os únicos que não teriam um amanhã seriam esses homens. E sabiam-no. Todos eles o sabiam. E mesmo assim fizeram-no. E a maior parte deles voltou a fazê-lo no dia 25 de novembro” de 1975, apontou, aqui numa alusão ao fim do Processo Revolucionário em Curso (PREC).
O antigo ministro da Defesa sustentou depois que, no 25 de Abril de 1974, no caso dos militares, “era mais fácil não sair à rua, ter um pretexto ou inventar uma desculpa, era mais fácil optar pela neutralidade ou permanecer a meio do caminho”.
“Nenhum deles seria julgado por ficar. Todos seriam julgados por fazer. Esta é a definição de coragem – e coragem física, concreta, real. Porque os discursos, como este, fazem-se de palavras, de simpáticas intenções. Mas a história faz-se de coragem e ações”, acrescentou.