Frente a Frente com: Carlos Páscoa e Paulo Pisco

Por Eulália Moreno
Para Mundo Lusíada

Carlos Páscoa, deputado eleito pelo Círculo Fora da Europa e Paulo Pisco, deputado eleito pelo Círculo da Europa.

Cumprindo uma extensa agenda de trabalhos estiveram recentemente no Brasil dois deputados eleitos pela Emigração: Carlos Páscoa do PSD pelo Círculo Fora da Europa e Paulo Pisco do PS pelo Círculo da Europa. As respostas dadas ao Mundo Lusíada neste primeiro Frente a Frente traduzem um pouco do trabalho e preocupações dos dois parlamentares de partidos opostos com as nossas Comunidades e a certeza de ambos de que Portugal espera muito de nós.

Mundo Lusíada: A representatividade parlamentar da nossa Emigração que conta com 2 Deputados eleitos pelo Círculo da Europa e mais 2 eleitos pelo Círculo Fora da Europa é considerada por muitos como  insuficiente. Qual a probabilidade deesse número ser aumentado, qual o critério para a escolha desses mesmos candidatos e como combater o abstencionismo?

Carlos Páscoa: Na minha opinião é praticamente nula porque na realidade o que se discute no momento é a eventual redução de 230 para 180 Deputados na Assembleia da República e nesse quadro não vejo espaço político para aumentarmos o número de Deputados. Outro ponto muito importante que também tende a dificultar um eventual pleito de aumento do número de Deputados é o baixo número de recenseados e principalmente de votantes. Quanto a esta matéria, no entanto, defendo a existência de três Círculos Eleitorais (Europa-Palops e Restante do Mundo) cada qual com dois Deputados. O critério de meu partido tem sido de indicar para cabeça de lista um Ex -Secretário de Estado das Comunidades, para segundo um candidato oriundo das Comunidades indicado pela principal Seção fora de Portugal e os suplentes oriundos de áreas representativas das Comunidades Madeirenses e Açorianas. Para combater o abstencionismo é preciso incentivar os emigrantes a votar e este é, sem dúvida, o maior desafio que todos os envolvidos com as Comunidades têm. Em primeiro lugar deveríamos ter um órgão de Comunicação Social voltado para as Comunidades dando visibilidade às atividades de políticos e membros de Governo em tudo que seja voltado para as Comunidades. A RTPI nada divulga e nem se interessa por esses assuntos, em segundo lugar teremos que ter um maior comprometimento dos funcionários consulares com o recenseamento, em terceiro lugar deveríamos ter políticas de esclarecimento do papel de Portugal em relação às Comunidades e de qual o papel efetivo das próprias Comunidades, hoje acabou o tempo do político com o cheque no bolso para agradar esta ou aquela Associação Hoje é tempo de lutar por direitos, por serviços eficientes, por aproximação às autoridades do país de acolhimento, por uma maior cooperação entre agentes políticos de Portugal e locais e por uma maior mobilização de luso-descendentes na política desses países. Para aumentar o número de votantes, as pessoas precisam acreditar que estão votando para algo que vale a pena.

Paulo Pisco: Não obstante a defesa que os deputados das Comunidades têm feito do aumento do número de deputados pelos círculos eleitorais da Europa e de Fora da Europa, não se tem notado uma grande abertura por parte dos partidos. Acho que devia haver pelo menos mais dois deputados por cada um destes círculos eleitorais.Os candidatos são escolhidos depois de ouvidas as secções das Comunidades. Isto sem prejuízo da prerrogativa que tem o Secretário-Geral do partido de indicar um terço da composição da lista, o que em muitos casos se traduz na escolha dos cabeças-de-lista. A única forma de combater o abstencionismo é envolvendo todos os que diretamente ou indiretamente estão associados ao mundo das comunidades: Deputados, consulados, conselho das comunidades, movimento associativo, imprensa das comunidades. Julgo que o movimento associativo poderia ser mais dinâmico neste domínio, sobretudo porque é nas associações que se concentram mais portugueses que precisam ser sensibilizados para a participação eleitoral.

M.L: Qual é a sua relação de trabalho, enquanto deputado pelo seu Círculo, com os Conselheiros da Comunidade Portuguesa?

C.P: A relação com os Conselheiros das Comunidades tem que ser permanente e de troca de experiências e informações. Os Conselheiros são os grandes conhecedores dos problemas das Comunidades, na realidade o Conselho das Comunidades Portuguesas (CCP) foi criado como órgão consultivo da Secretaria de Estado das Comunidades Portuguesas, mas na prática é também dos representantes das Comunidades na Assembleia da República. O CCP precisa estar em permanente aperfeiçoamento de forma a poder atender aos seus objetivos cada vez com mais profundidade.

P.P: É uma relação de cooperação. Os conselheiros podem sempre desempenhar um papel importante de intermediários na relação com as nossas comunidades, com as instituições a nível local, regional e nacional e com as autoridadesem Portugal. Oque eu esperaria do Conselho das Comunidades é que pudessem ser mais ativos no terreno no apoio aos portugueses.

M.L: Quais os grandes problemas que afligem as nossas Comunidades no seu respectivo Círculo Eleitoral? Para cada problema, qual a solução que o senhor vislumbra?

C.P: Nas Comunidades portuguesas o grande objetivo a atingir é uma boa prestação de Serviços Consulares. Pessoalmente defendo uma mudança na forma de se encarar a prestação de serviços nos Consulados, em minha opinião este sistema de termos um Consulado, normalmente num prédio mal localizado para a maioria dos utentes e mal concebido em termos de arquitetura para o fim a que se destina, não atende aos interesses das Comunidades. Essa ideia de que devemos ter um Cônsul que tudo pode (mas que na maioria das vezes nada resolve) e de um número de funcionários mal humorados e em muitos casos despreparados para o serviço, não se justifica mais nos dias de hoje. A primeira ideia que precisamos mudar é essa coisa de que as pessoas precisam ir ao Consulado tratar de seus documentos, na realidade, com todos os meios eletrónicos que temos hoje disponíveis, é o Consulado que tem que ir até às pessoas e por aí esvaziar o próprio Consulado. Sou um entusiasta das Permanências Consulares, são a solução para levar os serviços para fora do Consulado, sou um defensor de se aumentar a rede de Cônsules Honorários para a prática de vários atos que podem ser praticados fora do Consulado (mas atenção, defendo Cônsules Honorários que efetivamente tenham disponibilidade e capacidade para trabalhar, dispenso os Cônsules Honorários que só se interessam pelo título, que nada fazem, esses devem ser exonerados). Quanto ao ensino da Língua Portuguesa, temos que investir nesse tópico pois aliciar os luso-descendentes é fundamental e a língua é o melhor instrumento. O melhor caminho para expandir o ensino da Língua é o de firmar acordos com os países de acolhimento e entendo que uma parceria com o Brasil nessa matéria só poderá trazer bons resultados. Quanto às Associações, temos dois tipos: as de matriz regional que hoje sobrevivem (mal) como restaurantes de fins de semana, essas tendem a desaparecer rapidamente pois não apresentam formas de sustentabilidade, as que apresentam uma matriz cultural, desportiva, ou mesmo que tenham matriz nacional, essas sobreviverão mas desde que incluam os luso-descendentes. Qualquer Associação para se manter nos dias de hoje, tem que ser financeiramente viável, não pode ficar à espera que Portugal venha com um subsídio porque isso acabou. Finalmente os programas Asic e Asec são importantíssimos e deverão ser revistos tão logo o aperto orçamental o permita, pois são instrumentos de sobrevivência para portugueses que sem eles não têm meios de sustento.

P.P: O ensino da Língua e a afirmação cultural de Portugal devem ser absolutamente prioritários e não estar sujeito a estas políticas mesquinhas do Governo PSD-CDS que está a desinvestir brutalmente na Língua e na Cultura Portuguesa. O mesmo está a acontecer com o atendimento consular. Nunca se viu um depauperamento tão grande de funcionários, que em muitos casos estão exaustos e desmotivados, perante a indiferença do Governo. E o encerramento de consulados na Europa foi uma afronta para as comunidades. Não se poupou nada e prejudicaram-se centenas de milhares de portugueses. O movimento associativo, em muitos casos, continua incapaz de se renovar, sem se vislumbrar uma estratégia para o revitalizar, para criar um associativismo mais virados para a gente nova e para outras atividades. O ASIC e o ASEC sofreram um corte brutal nas verbas disponíveis, e têm de haver também uma dimensão social nas políticas para as comunidades.

Mas o que é mais confrangedor, é que este Governo PSD-CDS disse que as políticas para as comunidades seriam o eixo central das políticas do Ministério dos Negócios Estrangeiros e a única coisa que se tem visto são medidas meramente destrutivas. Portanto, enganou os portugueses. Mais confrangedor ainda, é não haver de facto uma estratégia sólida, firme, coerente para fazer a ligação com as comunidades. Fala-se muito dos portugueses residentes no exterior, mas depois a Secretaria de Estado está mais desvitalizada que um dente com cárie. E isto é lamentável.

M.L.: Vários juristas, dentre eles Margarida Salema e Miguel Reis são críticos obstinados às “ maquinetas” que o secretário de Estado das Comunidades Portuguesas apresenta como solução para os nossos concidadãos residentes em regiões distantes de postos consulares fixos? Já há  informações sobre os resultados desse modernismo que se encontra em fase de testes?

C.P: Como já citei anteriormente, sou um entusiasta das Permanências Consulares pois na essência estamos a levar os serviços consulares até ao cidadão. Pela informação que tenho, os testes realizados na Europa foram muitos positivos e em breve o sistema será implantado no Brasil que sem dúvida, será o País que mais se beneficiará.

P.P: Não há ainda resultados, mas eles serão sempre relativamente mitigados, mesmo que resolvam alguns problemas burocráticos a algumas pessoas. Mas rejeito totalmente a retórica propagandística sobre a função das máquinas, sobretudo, porque nunca poderão substituir os postos que foram encerrados nem prestar um trabalho de proximidade e de apoio à comunidade que é fundamental para a vida e afirmação das nossas comunidades. Um posto consular é muito mais do que a resolução de problemas burocráticos. E há muita propaganda sobre os efeitos das máquinas, mas a verdade é que os consulados estão sem funcionários para atender nos postos, quanto mais para se poderem deslocar a outras partes e dar outro tipo de apoio de que a comunidade tantas vezes precisa, como por exemplo na sua relação com as autoridades locais, nos apoios às iniciativas do movimento associativo ou no apoio de natureza social.

M.L: Recentemente o senhor esteve em visita de trabalho  a várias cidades brasileiras no âmbito do Dia de Portugal, de Camões e das Comunidades Portuguesas contactando com as suas bases partidárias, consulados, associações e Comunidade de uma maneira geral. Poderia fazer um  balanço disso?

C.P: As visitas que faço têm sempre três objetivos presentes: ser um elo de ligação entre Portugal e as Comunidades, obter informações da realidade de cada Comunidade para poder atuar no sentido de se ultrapassarem as suas necessidades específicas e ser um elo de ligação entre autoridades portuguesas e autoridades dos locais de acolhimento no sentido de envolve-las nas soluções dos problemas das Comunidades quando isso é possível. Em termos partidários o PSD está instalado e funcionandoem vários Estadosdo Brasil e espero que dentro de pouco tempo também no Rio Grande do Sul, isso permitirá uma maior compreensão dos problemas das Comunidades desse Estado que são muitas.  A inspeção que ocorreu recentemente no Rio de Janeiro com a presença até da Polícia Judiciária, teve a ver com denúncias envolvendo atos menos lícitos naquele Consulado. Ocorreu a inspeção e o processo seguirá seu curso. Entendo que enquanto Deputado não devo pronunciar-me sobre o assunto enquanto não tiver um relatório sobre o resultado da investigação. Quanto ao Consulado de São Paulo, entendo que deverá sempre ser objeto de ajustamentos e melhoramentos, no entanto, temos que reconhecer que houve uma evolução muito positiva no atendimento consular nos últimos anos. Recentemente assumiram seus postos um novo Cônsul e um novo Delegado da Aicep e em ambos deposito muita esperança e confiança de que teremosem São Pauloum centro de excelência para a prestação de serviços à Comunidade e uma efetiva e vitoriosa diplomacia económica.Quanto à participação dos jovens foi muito reduzida, acho esse um dos principais desafios que temos pela frente. Os movimentos anunciados ainda não despertaram no luso-descendente o desejo de participar da vida das Comunidades. Teremos a partir de 7 de Setembro e até 10 de Junho de 2012 o Ano de Portugal no Brasil e do Brasil em Portugal e estou muito esperançoso que o programa seja enfático em mostrar aos jovens Luso-descendentes um Portugal que não conhecem e acrescentando-se a isso mais incentivos para a área desportiva, cultural e política,  certamente poderá ser o início para aliciarmos esses jovens para que venham a assumir as suas responsabilidades na manutenção das coisas de Portugalem suas Comunidades.

P.P: Temos secções que são uma âncora importante para a nossa atividade política. Por isso apenas fomos às cidades onde temos secções, porque assim se torna mais fácil organizar os programas. O Partido Socialista pretende intensificar o seu apoio às estruturas fora da Europa, que, efetivamente, não têm merecido grande atenção, sobretudo também porque não temos nenhum eleito por este círculo eleitoral, o que dificulta as coisas. Estou convencido que o senhor Cônsul-geralem São Pauloestá consciente de alguns dos problemas de funcionamento do consulado e até de situações menos dentro da conformidade legal. E acho que fará tudo para que elas se resolvam. Se existem casos de mau atendimento, é claro que isso é inadmissível e os utentes têm de ser tratados com diligência, e urbanidade e celeridade. Se o Consulado não têm funcionários suficientes, gerando tanta receita, então é o Governo que está a ser cego e incompetente e têm de resolver a situação.Temos de fazer tudo para aproximar as comunidades de Portugal por estas vias institucionais que são os partidos políticos, estruturas diplomáticas e consulares e outras organizações das comunidades. Só assim esses valores que existem em grande quantidade e de grande qualidade poderão ter a projeção que merecem. O movimento associativo deve ter capacidade renovadora, deve ser criativo, estar atento às conjunturas e contextos, ter capacidade para desenvolver outras atividades para além das tradicionais e ter uma utilização maior no sentido de fortalecer a coesão da comunidade, da sua organização e capacidade de reivindicação.

M.L: Nestes tempos de desalento em que medida, nós fora de Portugal, poderemos colaborar para a melhoria  econômica e social de Portugal?

C.P: Portugal atravessa neste momento uma forte crise económica e financeira, em grande parte devido à implementação de um fortíssimo programa de ajuste visando o controle orçamental. Ter finanças equilibradas é básico para termos um crescimento económico duradouro e sustentável, acredito que a partir de 2013 as coisas começarão a melhorar. A melhor mensagem que posso deixar para os nossos amigos da diáspora é a de que devem continuar a acreditarem nosso Paíspois ele ressurgirá mais forte desta crise, aliás como demonstra nossa história. Todos nós tínhamos a sensação de que em Portugal se gastava o que não tínhamos e isto tem um limite, por isso, temos que sofrer este ajuste, no entanto, com trabalho e com determinação, rapidamente chegaremos a bom porto. As nossas Comunidades podem ajudar e muito, continuando a investir em Portugal, a visitar Portugal e a dar preferência de consumo a produtos oriundos de Portugal.

P.P:Que nunca percam o orgulho no nosso país. Que nunca virem as costas a Portugal e nunca deixem de defender o nosso país, particularmente organizando-se melhor nos países onde estão para sermos mais coesos e mais fortes. Portugal é uma nação grande, com uma grande e longa história e valores humanistas que nos orgulham. Só com esta atitude os portugueses que estão fora do país e os seus ascendentes em várias gerações poderão ter o reconhecimento que merecem.

1 Comment

  1. O PSD sempre fez muito mais pela emigração. No entanto, nessa legislatura ainda não houve por parte do partido e do Governo a apresentação de projetos de leis para concretizar as ideias trazidas durante as eleições.
    Já o PS ainda precisa evoluir muito, nomeadamente no círculo de fora da europa, cuja atuação é praticamente inexistente.

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