Entrevista: “O melhor é esperar para ver” sobre a saída do Brasil do pacto migratório

Da Redação
Com Lusa

O Brasil tem assumido um papel importante na crise migratória venezuelana e anunciou a intenção de sair do recém-adotado pacto global das migrações, mas o diretor-geral da Organização Internacional das Migrações acredita que “o melhor é esperar para ver”.

“Está anunciado, não está concretizado, o melhor é esperar para ver”, afirma António Vitorino, numa entrevista à Lusa, a propósito da intenção manifestada pelo novo Presidente brasileiro, Jair Bolsonaro, de revogar o apoio do Brasil ao documento, que foi ratificado por 152 países no passado mês de dezembro.

Caso se concretize, será o primeiro país da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP) a rejeitar o documento.

O diretor-geral da Organização Internacional das Migrações (OIM) destaca que a organização vai continuar empenhada em trabalhar com as autoridades de Brasília.

O Brasil “tem tido um papel muito importante em relação à situação dos deslocados oriundos da Venezuela, especialmente no Estado de Roraima (norte)”, refere, precisando que o país agora liderado por Bolsonaro conseguiu aplicar “um plano integrado muito eficaz de recepção e de integração” dos migrantes e refugiados venezuelanos, plano esse que surgiu depois de terem existido situações de tensão e de conflito em algumas zonas de fronteira.

“Independentemente da posição do Brasil sobre o pacto, por parte da OIM continuamos muito empenhados em colaborar com as autoridades brasileiras na aplicação do plano que está definido para o acolhimento dos deslocados oriundos da Venezuela nas regiões limítrofes brasileiras. Para isso não precisamos do pacto”, diz António Vitorino.

Os números mais recentes, avançados pelo Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (ACNUR), apontam que pelo menos três milhões de pessoas fugiram da crise econômica e política que afeta a Venezuela (país que conta com uma importante comunidade portuguesa), a maior parte das quais desde 2015.

Só em Roraima, um dos Estados mais pequenos do Brasil, nos últimos três anos já foram feitos mais de 75 mil pedidos de asilo ou de residência temporária.

Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), existem 30,9 mil venezuelanos no Brasil, dos quais 99% em Roraima. Desse total, aproximadamente 10 mil cruzaram a fronteira apenas nos primeiros seis meses de 2018.

O Brasil foi um dos últimos países a manifestar oposição ao pacto global das migrações, um texto que já tinha sido alvo de rejeição por parte de mais de uma dezena de outros países, incluindo dos Estados Unidos e de alguns membros da União Europeia (UE).

“Pode haver ainda mais um ou dois que adotem essa atitude. Mas (…) muita dessa argumentação para não estar no pacto tem menos a ver com a política de imigração no seu sentido mais amplo e tem muito mais a ver com dinâmicas de política interna, de conquista de poder, com uma certa deriva nacionalista que existe num conjunto de países”, refere o responsável.

Para António Vitorino, o cenário desejável seria que todos os países fossem subscritores do pacto promovido pelas Nações Unidas, mas o diretor-geral da OIM faz questão de realçar um aspeto que, na sua opinião, prevalece: “Muito do que está no pacto já está a ser aplicado por muitos países, inclusive por aqueles que não aderiram ao pacto”.

“O que o pacto faz é trazer uma plataforma de cooperação política para esse efeito”, afirma o responsável, acrescentando que, no quadro da OIM, a organização trabalha e irá trabalhar com todos os Estados-membros, “estejam ou não no pacto”.

E reforça: “Muitas vezes fazem-me a pergunta, dizendo: ‘mas qual é a importância disto [do pacto]’, uma vez que não é um tratado. Mas a verdade é que não é preciso ou não basta ser um tratado. É um quadro de cooperação política que juntou países de origem, de trânsito e de destino”.

A propósito de uma das grandes crises que está a marcar a atualidade, o êxodo de milhares de migrantes centro-americanos em direção à fronteira dos Estados Unidos, e da possível influência do pacto global nesta situação, António Vitorino realça a iniciativa, já caracterizada como uma espécie de ‘Plano Marshall’ (programa de recuperação econômica) para a América Central, que está a unir México, Honduras, El Salvador e Guatemala.

“É um excelente exemplo de começar a aplicar o pacto. A OIM está presente nessa mesa de diálogo. (…) O nosso contributo é identificar quais são as prioridades de uma política integrada de desenvolvimento para a região, que permita fazer face às causas do fenômeno migratório”, refere, salientando que esta iniciativa vai ao encontro da “necessidade de uma visão integrada, holística, do fenômeno que está na origem das migrações”.

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