Laurentino Gomes: Falta pedido de desculpas de Portugal pela escravidão

Mundo Lusíada com Lusa

O jornalista brasileiro Laurentino Gomes considera que Portugal deveria pedir desculpas formais pela escravidão e tráfico negreiro aos povos africanos, na sequência do que fizeram outros países europeus e antigas colônias como o Brasil ou os Estados Unidos.

“Um pedido de perdão em relação à escravatura seria muito bom seria muito benéfico para Portugal porque seria libertador, seria um passo importante de reconciliação” com a sua própria história, afirmou à Lusa Laurentino Gomes, autor do livro “Escravidão”, agora editado em Portugal.

O livro, editado pela Porto Editora, contém vários episódios sobre a história da escravatura no Brasil, com documentos sobre o tráfico negreiro e as memórias do comércio de pessoas no Atlântico Sul e em Portugal.

“Eu sei que o Presidente Marcelo Rebelo de Sousa, que eu respeito muito, não considera essa hipótese”, acrescentou o historiador.

Lamentando que Portugal não faça também o seu encontro com o passado esclavagista, à semelhança do que fez o Brasil, Gomes recordou que “o Presidente [brasileiro] Luiz Inácio Lula da Silva foi ao Senegal e pediu formalmente desculpas pela escravidão em nome da elite brasileira, na ilha de Gore”, um dos portos de escravos mais simbólicos de África e que já teve cerimônias semelhantes de outros políticos.

Portugal “deveria pedir desculpas” pela escravidão, mas isso “não significa que se deva seguir chicoteando, é apenas uma questão de enfrentar o passado, as dores do passado e reconhecer que houve injustiças grandes”, porque “o perdão é o primeiro passo para a reconciliação”, afirmou o autor, recordando que Lisboa tem hoje um “interesse estratégico” em relação a África que seria favorecido com uma decisão desse tipo.

“Mas eu percebo assim que existe um certo temor em reconhecer as culpas do passado por causa das consequências futuras para Portugal em ter que indenizar os países africanos”, admitiu o autor.

Ao contrário do Brasil, que tem problemas raciais por resolver na sua estrutura social, Laurentino Gomes considerou que a situação em Portugal é menos relevante, também por razões históricas.

“Embora tenha existido escravidão em Portugal e a população negra em Portugal seja importante, não se compara ao Brasil”. Por isso, “a escravidão foi basicamente brasileira e a dor e consequência da escravidão é mais brasileira do que a portuguesa”.

Nesse sentido, o debate histórico sobre a escravatura tem mais relevo no Brasil enquanto, em Portugal, essa discussão tem uma dimensão mais historiográfica.

“Nós temos um clima de acerto de contas, de enfrentamento a respeito da escravidão, porque é uma dor mais nossa do que a portuguesa”, afirmou o autor brasileiro.

Apesar disso, Portugal deve fomentar mais estudos sobre a história da escravatura e levar esse debate à praça pública, porque “nada é mais libertador para um povo do que olhar a sua história de uma forma um pouco mais madura e de uma forma um pouco mais correta: não adianta construir mitos e ilusões porque isso complica muito a jornada em relação ao futuro”, avisou Laurentino Gomes.

A escravatura portuguesa era mais marcada pela miscigenação, por comparação com outros países, como os Estados Unidos da América (EUA), mas isso não significa que existisse menos violência.

Esse passado de “assimilação” étnica e cultural representa “uma riqueza importante, o que não significa que a escravidão no Brasil tem sido melhor do que os Estados Unidos”.

Hoje, no século XXI, “chegou esse momento de fazer essa reflexão” e aceitar o que nós fizemos “no passado”. “Brasil e Portugal foram os dois maiores nos impérios escravista do hemisfério ocidental na história moderna”.

Trilogia

Depois de receber diversos prêmios e vender mais de 2,5 milhões de exemplares no Brasil, em Portugal e nos Estados Unidos com a série 1808, 1822 e 1889, o escritor dedica-se a nova trilogia de livros-reportagem, desta vez sobre a história da escravidão no Brasil.

Resultado de seis anos de pesquisas e observações, que incluíram viagens por doze países e três continentes, o primeiro volume cobre um período de 250 anos, do primeiro leilão de cativos africanos registrado em Portugal, na manhã de 8 de agosto de 1444, até a morte de Zumbi dos Palmares.

Entre os locais visitados pelo autor, esteve Luanda, em Angola; Ajudá, no Benim; Cidade Velha, em Cabo Verde; Liverpool, na Inglaterra; e o cais do Valongo, no Rio de Janeiro.

No segundo volume da trilogia, Da corrida do ouro em Minas Gerais até a chegada da corte de dom João ao Brasil, aborda os cerca de dois milhões de homens e mulheres embarcados à força nos porões dos navios negreiros e transportados para o Brasil. Muitos seriam vendidos em leilões públicos antes de seguir para as senzalas onde, sob a ameaça do chicote, trabalhariam pelo resto de suas vidas.

No final do século XVIII, a América Portuguesa tinha a maior concentração de pessoas de origem africana em todo o continente americano, a obra concentra-se no século XVIII. O período representou o auge do tráfico negreiro no Atlântico, motivado pela descoberta das minas de ouro e diamantes no país e pela disseminação, em outras regiões da América, do cultivo de cana-de-açúcar, arroz, tabaco, algodão e outras lavouras marcadas pelo uso intensivo de mão de obra cativa.

O outro volume, a ser publicado até as vésperas do bicentenário da Independência Brasileira, em 2022, aborda o movimento abolicionista que resultou na Lei Áurea de 13 de maio de 1888, chegando até o legado da escravidão para os brasileiros.

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