Especial 200 Anos: Eis o lugar onde se construirá um império

A chegança da Corte Portuguesa no Brasil – Parte III

Por Eulália MorenoPara Mundo Lusíada

Manifesto do Governo Inglês sobre a partida de Dom João

Êste grande Príncipe, o mais rico do Universo, para abandonar a aliança francesa e unir-se à nossa, quis deixar a Pátria em que nasceu, seus tesouros e bens, e é o primeiro soberano que atravessa mares além dos trópicos e vai ser o mais opulento do globo. O Rei jura, jura o parlamento, jura a Nação, em como defenderão e vingarão esse Príncipe dos seus inimigos, e sacrificarão toda a sua força naval e indústria nacional, para defender esse heróico Príncipe.

HISTÓRIA >> Dom João VI com o Texto da Abertura dos Portos”. / Óleo de A. Baeta, Associação Comercial , Salvador, Bahia, Brasil

O último barco zarpou. Houve um pequeno burburinho no porto e depois mais nada. A calma, uma calma mortal caiu sobre a cidade vazia. Os que ficaram permaneciam nas suas casas, dando conta dos seus afazeres habituais, esperando, em silêncio. Os mais assustados confundiam os trovões longínquos com a artilharia de Junot. Poucas horas depois, na madrugada do dia 30, a calma se quebrava ao ruído de botas militares, o silêncio se desfazia ao som de vozes estrangeiras.

Junot chegara, Portugal estava sob o domínio da França. Do porto, ainda se podiam ver ao longe algumas velas que procuravam o mar alto, em meio à chuva que voltara a cair.A saída da Corte portuguesa de Lisboa significava, antes de tudo, uma grande vitória política e diplomática para a Inglaterra. A esquadra mal partira e já os ingleses tentavam obter de Dom João o monopólio do comércio brasileiro. Portugal conquistado pela França, os ingleses ocupando a Ilha da Madeira e pretendendo obter privilégios no Brasil. Dom João, o despreparado Príncipe, não se sentia tão “heróico” como era referido no Manifesto do Governo Inglês. Ao contrário, via o Império português desabar ao seu redor.

Os primeiros dias da viagem da família real portuguesa revelaram o quanto a pressa do embarque havia prejudicado a organização da esquadra. Os víveres eram insuficientes e de má qualidade, as bagagens estavam espalhadas pelos diversos navios sem qualquer critério, os alojamentos para os passageiros eram poucos.

Mal alcançara o alto-mar, a esquadra fora surpreendida por violenta tempestade que durou quatro dias. Os navios dispersaram-se, só conseguindo reunir-se novamente a 5 de Dezembro. Três dias após a reorganização da frota, porém outra vez as vagas levantaram-se, sopradas por fortes ventos do sul e, mais uma vez os navios perderam-se uns dos outros. A muito custo a formação se fez em ordem, e a 11 de Dezembro foi avistada a Ilha da Madeira. Parte da esquadra segue para o Rio de Janeiro mas Dom João decide ir para Salvador, Bahia. Por falta de ventos, as naus levam dez dias para percorrer trinta léguas, distância que, em situação normal, seria vencida em dez horas.

Finalmente, a 22 de Janeiro de 1808, 54 dias após haver partido do Tejo, a esquadra aportava em Salvador, Bahia, a cidade que até 1763 tinha sido a capital da colônia. Ali a família real deveria refazer-se do cansaço da longa e tormentosa viagem, a fim de poder seguir para o Rio de Janeiro.

João Saldanha da Gama, o Conde da Ponte, governador da Bahia, provavelmente desconhecia qual cidade havia o Príncipe Regente escolhido para sede do seu governo. Preparava-se, no entanto, para receber e hospedar a família real, mesmo que a sua estada na Bahia fosse temporária. Esvaziou o Palácio dos Governadores e a Casa da Relação, além de muitas outras residências que julgou capazes de abrigar os membros da comitiva. Quando, naquela manhã de 22 de Janeiro, foram avistados os primeiros navios da esquadra, a população de Salvador ocupou as colinas e as praias próximas ao porto para assistir à chegada da família real. O Conde da Ponte e os altos funcionários do governo da capitania foram para bordo do “Príncipe Real”. Às quatro da tarde a esquadra estava fundeada.

Dom João permaneceu durante ainda um dia a bordo consumido com os seus problemas e aflições, enquanto em terra a população baiana, surpresa e alegre, preparava a recepção ao Príncipe.

Às cinco horas da tarde do dia 23, quando a cidade se considerou preparada para a grande honra de receber a sua Rainha e o seu Príncipe Regente, a comitiva real desembarcou. O povo, após a grande expectativa desde que haviam chegado as notícias da viagem da corte para o Brasil, deu vazão a sua alegria e assombro por ver ali, na colônia, tão importantes personagens. Também Dom João, Dona Maria I e os seus seguidores pareceram recuperar uma alegria havia muito esquecida. A própria Rainha demente pareceu recobrar por instantes a razão e comoveu-se com as manifestações daqueles súditos de terras tão distantes.

O desembarque foi feito com grande solenidade. As tropas formaram, contendo o povo e apresentando armas, desde o cais até o Palácio do Governador. Na Catedral, o cortejo se deteve, os aplausos se aquietaram em sinal de respeito. Era o primeiro ato do Príncipe Regente em terras brasileiras. Diante de Dom José da Santa Escolástica, Arcebispo da Bahia, Dom João ajoelhou-se e rezou.

Durante três dias e três noites houve cerimônias, e todos aqueles que possuíam algum cargo de importância foram render o seu respeito aos hóspedes reais. Dom João multiplicava-se nas audiências públicas, procurando obter, de todas as pessoas que recebia, informações sobre a colônia, seu governo e seus governantes.

Dois dias depois de pisar a terra brasileira, o Príncipe Regente formou novo Ministério. Com o porto de Lisboa ocupado pelos franceses e o comércio do reino paralisado, Dom João aceitando as opiniões liberais de José da Silva Lisboa, mais tarde Visconde de Cairu, assina uma Carta Régia em que tomava importante decisão: a abertura dos portos brasileiros às nações amigas. Terminava a época do monopólio. Com a Corte em suas terras, aceitando a colaboração de brasileiros e com liberdade para exercer o comércio, o Brasil, dentro dos quadros do sistema absolutista, tornava-se, praticamente, independente.

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