Especial 200 anos: E ao Império chamou-se Reino Unido de Portugal, Brasil e Algarves

ESPECIAL 200 ANOS – PARTE VII

Por Eulália Moreno

Especial para Mundo Lusíada

Laurentino Gomes, autor do livro “1808”

“Os dois mundos que se encontraram no Rio de Janeiro em 1808 tinham vantagens e carências que se complementavam. De um lado, havia uma Corte que se julgava no direito divino de mandar, governar, distribuir favores e privilégios, com a desvantagem de não ter dinheiro. De outro, uma colônia que já era mais rica do que a metrópole, mas ainda não tinha educação, refinamento ou qualquer traço de nobreza. Três séculos após o Descobrimento, o Brasil era uma terra de oportunidades imensas, típica das novas fronteiras americanas, onde fortunas eram construídas do nada e da noite para o dia”.

 

 

 

“Retrato Eqüestre de Dom João VI”, Óleo atribuído a Domingos Antonio Sequeira, Museu Imperial de Petrópolis, RJ, Brasil

 

Dom João acenava e sorria. Nas suas lembranças ficavam as ameaças de Napoleão, as pressões dos ingleses, as suas desgraças domésticas. Talvez pela primeira vez, dom João sentiu-se forte e soberano.

No Novo Mundo distanciado do estado de ebulição em que havia muito tempo se encontrava a Europa, poderia de fato governar, o que lhe fora praticamente impossível fazer desde que assumira a Regência do reino, com o impedimento da Rainha Dona Maria I, sua mãe, acometida de loucura em 1791 e por ele substituída a 10 de Fevereiro de 1792, embora oficialmente a regência só lhe tenha sido entregue a 16 de Julho de 1799.

E a cidade de São Sebastião do Rio de Janeiro, com os seus pouco mais de 50 mil habitantes, fervilhava. As homenagens dos súditos não ficavam apenas pelas mesuras e palavras. Ofereciam casas para abrigar a comitiva do Príncipe Regente, contribuíam com dinheiro, alimentos e escravos.

Nesses primeiros dias, o Príncipe Regente, Dona Carlota Joaquina e os filhos se hospedaram no Paço Real e a rainha dona Maria I no Convento dos Carmelitas que se ligava ao Paço Real por uma passarela improvisada.

No mês seguinte, o traficante de escravos Elias Antonio Lopes, para demonstrar o seu apreço à Corte Portuguesa, ofereceu ao Príncipe a Quinta da Boa Vista, em São Cristovão, para cujo solar Dom João foi residir na companhia dos filhos e que foi incorporada aos bens da Coroa, sendo hoje o Museu Nacional. Dona Carlota Joaquina, de quem vivia separado, instalou-se numa chácara na praia de Botafogo.

Ainda não haviam terminado as festas pela sua chegada, e Dom João já se preparava para governar escolhendo um Ministério cujas figuras principais eram Dom Rodrigo de Sousa Coutinho (futuro Conde de Linhares), Dom João Rodrigues de Sá e Melo (Conde de Anadia) e Dom Fernando de Portugal e Castro (depois Marquês de Aguiar). Os órgãos administrativos foram reconstituídos, seguindo o modelo de Lisboa e entraram logo em funcionamento.

Um mês depois de sua chegada, Dom João revogou o antigo decreto de sua mãe que impedia a existência de indústrias. Também liberou o plantio, até então proibido, de oliveiras e amoreiras e permitiu a comercialização do trigo do Estado do Rio Grande do Sul, que antes servia apenas para consumo local. Iniciava-se, assim, o desenvolvimento da Colônia. Enquanto isso, em Portugal o povo levanta-se contra o domínio francês e auxiliado pelas tropas inglesas e espanholas, derrota os homens de Napoleão. A proclamação de 15 de setembro de 1808 afirmava aos habitantes de Lisboa que o país havia sido resgatado ao invasor e que “a bandeira nacional flutua em toda parte do Reino”. A proclamação terminava dando vivas ao Príncipe Regente.

Desconhecendo o que se passava em Portugal Dom João decidiu enviar uma expedição para ocupar a Guiana que é vencida e ocupada a 12 de janeiro de 1809. Dom João ficou radiante com essa vitória. Sentiu-se vingado pela humilhação que Napoleão lhe tinha imposto.

Se ao Príncipe faltavam preparo e idéias, isso sobrava ao inventivo Conde de Linhares, sempre pronto a sugerir novos empreendimentos. Uma escola de cirurgia tinha sido fundada na Bahia e outra no Rio de Janeiro, que ganhou ainda um curso de economia, o Jardim Botânico, o Observatório Astronômico, um pequeno museu mineralógico e a Biblioteca Pública. Além disso a tipografia régia começara a funcionar, imprimindo livros científicos, de literatura e um jornal “A Gazeta do Rio de Janeiro”. Para aparelhar as Forças Armadas de maneira eficaz, criou-se uma fábrica de pólvora, a Academia da Marinha e a Academia Militar.

Organizou-se também um órgão centralizador das finanças, o Banco do Brasil, fundado em 12 de Outubro de 1808. O Brasil transformava-se de maneira completa. Entretanto, nem tudo saía de maneira satisfatória. Não acostumado aos hábitos da terra, o Príncipe cometia erros que desgostavam a população.

Havia, por exemplo, a requisição de casas no Rio de Janeiro para abrigar o pessoal da Corte. A princípio os moradores locais sentiam-se honrados em ceder as suas residências, mas depois acharam que as requisições constantes, que só cessaram por completo em 1818, eram uma espoliação injusta. Sobre as casas desapropriadas, Dom João mandava colocar as letras PR (Príncipe Real), querendo com isso homenagear o proprietário. Mas o povo, ressentido, traduzia a inscrição como “Ponha-se na Rua”, ou “ Prédio Roubado”. Críticas mais sérias vinham de Londres onde era editado o “Correio Braziliense”, jornal de Hipólito José da Costa. “Não se cuidou de uma inspeção de estradas, de uma redação de mapas, do exame de navegação dos rios. O Governo arranjou-se exatamente pelo Almanaque de Lisboa, sem nenhuma atenção ao país em que se estabelecia”.

Vários problemas de caráter econômico começaram a surgir. Se muitos dos cargos criados eram apenas “cabides de emprego”, a realidade é que custavam muito caro. E uma das questões a serem resolvidas era, exatamente, a de como conseguir dinheiro para enfrentar as despesas da Corte, o pagamento do funcionalismo e as concessões às indústrias e ao comércio. A arrecadação de impostos na Colônia era ainda precária, variando, muitas vezes, de acordo com as determinações das autoridades locais de cada província.

Completada a chegança da Corte Real portuguesa teve início a chamada “inversão brasileira”. O Brasil, de simples Colônia, passou a ser a sede da monarquia portuguesa. O Vice-Reino ganhou tanta importância que se veria traduzida, em termos políticos, com a sua ascensão através do decreto de 16 de Dezembro de 1815, à categoria de Reino-Unido aos de Portugal e Algarves. 

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