A terrinha está na moda, por Carlos Fino

Por Carlos Fino

Há meses que entre os meus amigos brasileiros – do Ceará a Santa Catarina, passando por Brasília – não se fala de outra coisa: são cada vez mais os “brazucas” que estão investindo no imobiliário em Portugal ou até mudando-se de malas e bagagens para viver na terrinha.

Tudo começou de forma discreta, há poucos anos atrás, quando o Brasil entrou em crise e recessão, mas aos poucos a tendência foi-se acentuando cada vez mais, atingindo agora talvez o seu ponto mais alto.

A febre abrange de simples famílias de classe média dos grandes centros urbanos do Brasil flagelados pela violência e pelo crime – em busca de maior qualidade de vida, tranquilidade e segurança para si e para os filhos – a altos executivos de grandes empresas desejosos de desfrutar da estabilidade do euro, garantindo o valor das suas poupanças em património que só tende a valorizar, e inclui ainda altos funcionários do Estado, juízes dos tribunais superiores, diretores de media e jornalistas em fim de carreira à procura das facilidades e isenções tributárias concedidas no país aos aposentados estrangeiros dispostos a investir algum capital.

Os dados oficiais comprovam a magnitude do movimento – o Brasil (com 10%), é já hoje o primeiro país de fora da Europa em volume de investimento estrangeiro no imobiliário português, tendo ultrapassado a China (que passou de 13% para 7%), e vindo logo a seguir à França (25%) e ao Reino Unido (19%).

É até provável que o investimento brasileiro seja maior, mas não esteja totalmente contemplado nas estatísticas, uma vez que parte dele estará a ser concretizado por pessoas que adquiriram recentemente a nacionalidade portuguesa (um movimento crescente possibilitado pela nova lei, que concede, ainda que sob algumas condições, direito de cidadania aos netos de portugueses) ou tenham outra nacionalidade europeia.

Seja como for, uma coisa é certa – no Brasil, a terrinha está na moda. E agora não é só para casais de classe média irem de visita a Fátima pagar uma promessa, comer um pastel de Belém ou fazer compras no Corte Inglês, apenas de passagem rápida, no regresso de uma viagem à Europa.

É bastante mais do que isso – é investimento em imóveis e opção – ainda que temporária, ou dividida entre lá e cá – de novo lugar de residência, em busca de mais sossego e qualidade de vida.

O curioso é que as notícias que aqui dão conta desse movimento quase só refiram, para o explicar, o desequilíbrio das respectivas situações económicas e os atrativos de mercado que o justificam, quase nunca mencionando as afinidades históricas que ligam Portugal e Brasil. No máximo, menciona-se a comunidade da língua como fator que pode pesar na hora de decidir.

Um silêncio que fala

Esse silêncio é significativo e merece ser apontado, na medida em que ele traduz um certo estado de espírito em relação a Portugal, que vem pelo menos desde a independência do Brasil e foi sendo instituído (muitas vezes de forma até inconsciente) de maneira a consolidar, pela diferença e pelo afastamento, a própria identidade nacional.

Ao longo de praticamente um século – da independência à Semana de Arte Moderna de 1922 – diferentes situações de conflito contra o que restava dos interesses comerciais e financeiros portugueses no Brasil ou contra os novos imigrantes lusos que começaram a chegar ao país a partir de finais do século XIX acabaram por acentuar esse estranhamento.

A ponto de hoje, entre o comum dos brasileiros, muitas vezes sequer se relacionar a língua que se fala com o país que somos.

Daí que os media, ao falarem da onda de investimento do Brasil em Portugal o façam aqui de forma aparentemente neutra, limitando-se às “tecnicalities”, como se pouco ou nada houvesse na história que ligasse os dois países e só por acaso neles se falasse a mesma língua…

O desconhecimento, aliás, é mútuo, uma vez que os portugueses conhecem pouco da sua própria história no Brasil e da relação de muitos brasileiros ilustres com Portugal.

A diferença, porém, é muito grande: enquanto do lado português se olha para o Brasil como sendo, de alguma forma, a continuação de Portugal nos trópicos, do lado brasileiro o olhar é muito mais distanciado – como se Portugal fosse para o Brasil um país como qualquer outro, longe do “Portugal, meu avozinho”, de Manuel Bandeira.

A ironia da história é que, com esta onda de investimento em Portugal, muitos brasileiros estão agora a (re)descobrir, in loco, e pelas suas próprias mãos, as raízes comuns que subsistem para além de todas as diferenças que nos separam.

Porque, a verdade é esta: o Brasil é certamente menos português do que os portugueses imaginam, mas sem dúvida mais, muito mais, do que a generalidade dos brasileiros tende a admitir. Por isso, num certo sentido, aqueles que agora chegam à terrinha estão literalmente regressando a casa.

E aí, imagino que num belo fim de tarde – seja nas margens do Tejo ou do Douro, no Mondego, no Alentejo ou no Algarve – como no Fado Tropical de Chico Buarque e Ruy Guerra, tudo se misture:

Guitarras e sanfonas/Jasmins, coqueiros, fontes/Sardinhas, mandioca/ Num suave azulejo/E o rio Amazonas/ Que corre Trás-os-Montes/ E numa pororoca/Deságua no Tejo… Ai, esta terra ainda vai cumprir seu ideal….

 

Por Carlos Fino
Jornalista português, nascido em Lisboa, em 1948. Correspondente da RTP – televisão pública portuguesa – em Moscou, Bruxelas e Washington, destacou-se como correspondente de guerra, em conflitos armados na ex-URSS, Afeganistão, Oriente Médio e Iraque. O primeiro repórter a anunciar, com imagens ao vivo, o bombardeio de Bagdad pelas tropas norte-americanas na Guerra do Golfo (2003). Foi conselheiro de imprensa da Embaixada de Portugal em Brasília (2004/2012). Escreve semanalmente para o Jornal Mundo Lusíada.

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