São Paulo – Pobre cidade rica

Em 1975, Paul Singer juntamente com Vinícius Caldeira Brant coordenaram pelo CEBRAP – Centro Brasileiro de Análise e Planejamento, fundado em 69, estudo que resultou em um clássico livro da sociologia urbana intitulado “São Paulo – Crescimento e Pobreza”, patrocinado pela Fundação Ford e Arquidiocese de São Paulo, com vários artigos importantes. A tese do livro dizia que o crescimento econômico não era incompatível com o aumento das desigualdades sociais mas, antes, era capaz de amplificá-las. Isto em pleno regime da ditadura militar, que vivia o final do chamado ‘milagre econômico’, onde o Brasil viu crescer seu PIB em uma média de dois dígitos, entre 68 e 73. Porém, não ajudou a combater a histórica desigualdade econômica nacional, enraizada na casa grande x senzala.

Nota-se claramente que desde os anos 1950 São Paulo, a ‘locomotiva do Brasil’, apresenta uma dinâmica que dá prioridade para obras viárias destinadas ao automóvel e não ao transporte público, coletivo; empurra para a periferia a população mais humilde, criando bairros dormitórios; verticaliza facilmente as áreas com infra-estrutura, cobrando caro cada novo apartamento; faz uma expansão horizontal não planejada da zona urbana; perde o controle das áreas de proteção ambiental; e consequentemente reproduz a desigualdade sócio-territorial. Como escreveu naquele estudo de 1975 o professor Lúcio Kowarick, realiza ‘a lógica da desordem’. Então, posteriormente, com duas décadas de crise econômica, os anos 1980 e 90, as desigualdades somente se acentuaram e, obviamente, precarizaram ainda mais a vida das camadas menos aquinhoadas, deixando a própria cidade, como espaço coletivo de convivência, menos prazeroso de se estar, porque aprofundou as diferenças e não realizou uma integração entre as partes.

Dois elementos visíveis desse período são a decadência do Centro Velho e das regiões vizinhas às linhas férreas, repletos que ficaram de imóveis ociosos e em deterioração, assim como a significativa ampliação da violência urbana e do consumo de drogas baratas e altamente corrosivas como o crack. Assim temos atualmente 96 distritos demandando ações diferentes, carecendo do desenvolvimento de políticas públicas adequadas às dinâmicas das regiões. É um eterno esperar.

Observa-se uma cidade desarticulada, que parece ter andado sem um rumo coerente e atento às necessidades de sua população em geral, resultando num ‘salve-se quem puder’, o que é a mais autêntica cara da selvageria, lembrando Hobbes no século XVII quando da ausência de um poder diretor: ‘o homem é o lobo do homem’, avisava o pensador britânico. Não há a atenção devida para uma complexidade tamanha e os gestores que chegam eleitos já pensam nos seus próprios voos pessoais futuros. Isto contando com um orçamento para 2013 de aproximadamente R$ 42 bi. É a décima urbe do mundo, movimentando R$ 450 bilhões em 2011, quase 10% de toda a riqueza nacional. O terceiro metro quadrado mais caro do país, atrás apenas do Rio de Janeiro e de Brasília, respectivamente, não tendo mais para onde se expandir, estimulando assim a festa da especulação imobiliária de forma crescente pelo mercado. Pobre cidade rica, trampolim de interesses particulares.

Recentemente, no início de outubro, a consultoria APPM – Análise, Pesquisa e Planejamento de Mercado publicou pesquisa que avaliou o quanto os paulistanos estão dispostos a mudar de cidade por causa de um novo emprego. A coleta de dados aconteceu na Grande São Paulo com mil pessoas e faixa etária a partir de 16 anos de idade. O resultado obtido foi 45% dos entrevistados afirmando que mudariam para uma nova cidade e 39% não aceitando topar a mudança. Dos que sairiam, 34% seria para melhorar a qualidade de vida e não simplesmente por maior salário. São Paulo está cansativa, áspera, perdendo aos poucos seu magnetismo. Outro aspecto nesse sentido para se pensar é um interessante serviço da Igreja Católica que mostra também este reflexo da desumanização vivida na cidade. Faz sucesso um atendimento feito por voluntários, de forma sigilosa, para ouvir desabafos dos cidadãos. É o trabalho dos 150 voluntários do Grupo de Apoio do Serviço de Escuta. Atendem gente de todas as classes e religiões. Sufoco financeiro e solidão são os maiores hits dos necessitados de ajuda.

Enfim, quando as pesquisas de opinião pública mostram o trânsito caótico, educação e saúde precárias, enchentes insistentes, déficit habitacional e insegurança crescente, a somatória disto tudo e mais alguns outros itens de descaso do poder público, em meio a uma ideologia de individualismo, competitividade, consumismo, de valores descartáveis, como os vividos atualmente, o resultado é esse desencanto das pessoas, atomizadas, isoladas, apesar de estarem envoltas por uma imensa metrópole, uma multidão de 11 milhões de seres, com excesso de concreto e pouca natureza preservada. Há saídas para tanto problema? Sim, existem. Resta saber se a população vai se inconformar com energia, se mexer de verdade para tanto. A única certeza é que a minoria que vive nababescamente neste lugar não cederá de presente ou caridade nenhum centavo de seus luxos como sempre fez. Terão que ser convencidas disso, portanto. Serão, certamente, capítulos quentes a serem protagonizados pela história de nosso povo. São Paulo 26 de outubro de 2012.

 

Prof. José de Almeida Amaral Júnior
Professor universitário em Ciências Sociais; Economista, pós-graduado em Sociologia e mestre em Políticas de Educação; Colunista do Jornal Mundo Lusíada On Line, do Jornal Cantareira e da Rádio 9 de Julho AM 1600 Khz de São Paulo.

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