Velhos tempos

Há já muitos anos, no meu tempo de estudante liceal – bons velhos tempos –, ouvia-se com frequência esta definição brincalhona para o conceito de acontecimento: é uma sucessão de sucessos que se sucedem sucessivamente sem cessar. Uma definição que assenta, como luva na mão, no que se tem vindo a passar ao redor do caso Domingos Duarte Lima.
Indubitavelmente, Domingos Duarte Lima, no sentido que se compreende, tudo tem feito no sentido de pontenciar a ideia hoje generalizadamente instalada no seio da nossa comunidade. Dizendo-se inocente desde o início deste folhetim, Domingos Duarte Lima pouco ou nada fez no sentido de ajudar a esclarecer, a partir do seu ponto de vista, o que às autoridades brasileiras se colocou. E tal caminho, em minha opinião, funcionou, inquestionavelmente, contra si.
Tive já a oportunidade de mostrar o meu ponto de vista sobre a estratégia a seguir neste caso, e que seria a de operar uma objetiva colaboração com as autoridades brasileiras, apresentando-se às mesmas e defendendo aí a sua inocência. A sua projeção pública em Portugal, as suas amizades ao nível da nossa classe política, e os seus conhecimentos pessoais muito amplos, seriam sempre para si fatores deveras importantes para a defesa da sua enunciada inocência. Ele não é um português vulgar, mais ou menos isolado e desconhecido.
A ideia, nestes últimos dias veiculada, de vir o caso a ser julgado em Portugal, constitui, em minha opinião, uma completa aberração jurídica, acabando mesmo por se vir a tornar impossível e a dar em nada por impossibilidades processuais objetivas. Para se ver que é esta a realidade, imagine o leitor que havia já obtido o grau de mestre em certo domínio e que concluía a sua tese de doutoramento, a ser defendida junto de certa universidade, depois de já ter sido aí aceite.
Por grande azar, o leitor adoecia e via-se obrigado a tratamento prolongado por dois anos. Já com razoável mobilidade, o leitor mandava que a tese fosse entregue numa outra universidade, junto da cidade onde estava em tratamento, onde a mesma viria a ser defendida, em seu nome, por uma outra personalidade.
Pois, este é o cenário correspondente ao julgamento de Domingos Duarte Lima em Portugal, com base na investigação realizada no Brasil, aí validada aos diversos níveis legais, mas a ser depois julgada por gente portuguesa, em Portugal, e que nada tinha, em termos de sensibilidade, que ver com o ordenamento jurídico brasileiro e com a essencial sensibilidade jurídica. Seria incomensuravelmente pior que o julgamento de um chinês, usando tradutor.
Além do mais, podem agora colocar-se estas questões: sendo tal então possível, porque não conduzem as autoridades brasileiras à prisão o tristemente célebre padre Frederico? E porque não procedem as autoridades portugueses deste modo com o nosso concidadão, Renato Seabra? De resto, como se percebe bem pelo que se viu com o caso de Pinochet, a diplomacia pode muitíssimo bem passar por sobre a Justiça, para tal bastando a conveniência de Estado.
Um dado é certo, dada a natureza das coisas: se Domingos Duarte Lima vier a ser julgado em Portugal, será muito próxima da unidade a probabilidade de não vir a ser condenado. Desde logo, por tudo quanto atrás referi, e depois porque a História da III República dá fortíssimas garantias a esta conclusão por indução experimental: personalidades com grande poder, seja ele do tipo que for, invariavelmente, não são condenadas. Dizem os magistrados que é culpa da legislação, embora eu discorde desta explicação simplória. Precisamente o que há dias nos foi transmitido por esse último estudo sobre o que pensam os portugueses da Justiça de Portugal, e que foi noticiado num diário nacional, precisamente no dia do encerramento do 9º Congresso dos Juízes, que decorreu na Região Autónoma dos Açores.
Por tudo isto, eu continuo a pensar que a melhor defesa de Domingos Duarte Lima seria a feita no tribunal próprio, ou seja, no Brasil, onde, em minha opinião, sempre acabaria por estar presente a nossa ação diplomática e política. Seria, ainda, o melhor caminho para a sua defesa. Como não é pensável que as nossas autoridades não consigam encontrá-lo, a fim de notificá-lo do estádio do processo que corre no Brasil, ele acabará por vir a ser julgado à revelia. E nunca colaborando com a Justiça do Brasil, mormente pela sua ausência, nunca o futuro lhe será agradável.
Por fim, uma nota: no sítio da INTERPOL, não se encontra ainda o tal pedido internacional de captura com alerta vermelho. Diz-se agora que tal pedido terá de ser feito pelo… Supremo Tribunal Federal, em Brasília. Bom, a questão passa, então, a ser esta: quantos anos ainda? E não é verdade que muitos dos politicamente anti-Sócrates sempre nos referiram que as decisões em primeira instância seriam as mais puras e independentes? E no caso brasileiro? Qual é o grau de franqueamento dos juízes do Supremo Tribunal Federal, em Brasília?
Enfim, uma verdadeira trapalhada, que, como sempre pensei, acompanhado pelo ponto de vista, para si mesmo, do Bastonário da Ordem dos Advogados, teria grande probabilidade de ser resolvido com êxito a favor de Domingos Duarte Lima, aceitando a sua posição de que se encontra inocente. Assim, bom, é mais uma terrível trapalhada que vai atingir o Sistema de Justiça de Portugal. Uma trapalhada em que, quase com toda a certeza, todos perderão. É, no fundo, a borracheira do Direito Português em movimento.

Hélio Bernardo Lopes
De Portugal

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