Portugal: Antecedentes da crise

Ao longo dos últimos 25 anos, Portugal prosperou e se modernizou, experimentando um período de convergência de renda aos níveis médios da União Europeia

Portugal aderiu à União Europeia em 1986, 10 anos após a restauração da democracia. Ao longo dos últimos 25 anos, Portugal prosperou e se modernizou, experimentando um período de convergência de renda aos níveis médios da União Europeia, mas este processo estancou a partir de 2001. Com um PIB de 229 bilhões de euros, o País representa hoje apenas 1,4% da economia da União Europeia.

Entre as principais causas para a desaceleração esteve o amortecimento da demanda interna, principalmente como resultante dos altos níveis de endividamento do setor privado (empresas e famílias) contraído na década de 1990, assim como do menor crescimento da produtividade e da renda pessoal disponível. Desde 2001, a economia experimentou duas recessões técnicas, antes da recessão da Zona do Euro como um todo, e desde então tem havido tentativas mal-sucedidos de recuperação.

Enquanto o crescimento do PIB se elevou em 2006 e 2007, a recuperação não foi particularmente robusta em comparação com as anteriores e este ritmo lento da atividade econômica refletiu tanto fatores cíclicos como problemas de natureza mais estrutural. Isso também pode ser visto no desempenho recente do investimento, que caiu a uma taxa média anual de 2,3% no período 2001-06, corroendo substancialmente a capacidade produtiva.

Os problemas estruturais da economia portuguesa também revelam uma tendência declinante no crescimento das exportações, o que evidencia a dificuldade do País para competir em preço nos mercados de bens de baixo valor agregado, que sofrem a concorrência das nações emergentes da Ásia e outros países menos desenvolvidos. Além disso, países da Europa Oriental e de outras regiões já estão produzindo bens de tecnologia média e superior, de modo que a economia portuguesa enfrentará uma concorrência internacional cada vez mais acirrada a menos que possa implementar reformas destinadas a liberalizar setores-chave (tais como serviços e telecomunicações), aumentar a eficiência produtiva, bem como tornar o seu mercado de trabalho mais flexível.

As pressões inflacionárias não foram controladas durante a maior parte do período 2000-2010, apesar da persistência de um hiato do produto negativo. Como resultado, a inflação portuguesa esteve acima da média da Zona do Euro durante vários anos. No entanto, ela caiu abaixo da média europeia no final de 2007 e permaneceu baixa ao longo de 2008 e início de 2009. O diferencial de inflação tem sido uma preocupação porque o baixo crescimento da produtividade tem levado a aumento nos custos unitários da mão-de-obra e um consequente mau desempenho em termos de competitividade internacional.

A deterioração na produtividade do trabalho é o resultado de baixa aplicação de tecnologias de informação (TI) nas indústrias, bem como de uma taxa decrescente de utilização da mão-de-obra. No entanto, é também, em parte, devido ao inchaço do Governo central – que detém uma proporção muito grande da força de trabalho (10,4% da população empregada) e, portanto, é responsável por elevados gastos – embora reformas destinadas a reduzir o número de servidores públicos e limitar despesas tenham sido implementadas nos últimos dois anos.

Apesar de déficit fiscal ter caído para 2,6% do PIB em 2007 de 3,9% em 2006, e manteve-se inalterado em 2008, subiu para mais de 9,3% do PIB em 2009, como resultado da recessão e das medidas anti-cíclicas do governo para reativar a economia. No entanto, a gravidade da crise fiscal grega levantou preocupações sobre outros países da Zona Euro com finanças públicas fracas. Isto forçou o Governo português anunciar planos para reduzir o déficit fiscal de 7,3% do PIB, em 2010, para 2,8% em 2013, embora muitas das medidas só começarem a ter impacto em 2011. Cerca de 50% da redução prevista do déficit para 2013 será a partir de cortes nas despesas. A folha salarial também cairá devido à redução no emprego público, ao congelamento salarial e aos reajustes de proventos limitados à inflação até 2013. O investimento público também será reduzido para 2,9% do PIB em 2013 contra 4,9% do PIB no ano passado, enquanto o orçamento de defesa também foi cortado.

No entanto, as tentativas anteriores de consolidação fiscal foram abortadas em face da pressão política contrária de grupos de interesse altamente organizados. Devido a isso, a situação fiscal do País se deteriorou levando à crise de confiança nos mercados internacionais de capitais e ao aumento desmesurado dos juros dos títulos portugueses, o que obrigou Portugal a negociar um pacote de ajuda junto à União Europeia e ao FMI em junho de 2011. Apesar dos sacrifícios impostos pelo ajustamento, esta é a oportunidade que os portugueses têm para executar um programa até então sempre adiado de reformas financeira, fiscal e estrutural que façam o País crescer de forma sustentada e competir nos mercados externos.

José Nelson Bessa Maia
Mestre em Economia pela Universidade de Brasília (UnB), ex-assessor especial para assuntos internacionais do Governo do Ceará, economista do Corecon-DF e doutorando em Relações Internacionais na UnB, em artigo publicado no Jornal O Povo.

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