O mimimi da geração floco de neve

Por Ronaldo Andrade

Nunca gostei dessa coisa de comparação de gerações. Lembro-me que na infância, quando algum tiozinho (ou tiozão) dizia, orgulhoso e nostálgico, como a geração dele era melhor que a atual – no caso, a minha – olhava torto para o sujeito. Exaltando os feitos e, obviamente, omitindo ou negando os defeitos, também eu, no alto da minha infância / adolescência, já começava a falar das qualidades (as que lembrava) da minha “turma”.
Pois bem: agora que também sou um tiozinho (ou tiozão), chegando à meia-idade, vou morder a língua sobre o escrito anteriormente e soltar o veneno: sim, a geração ‘floco de neve’ (pessoas que atingiram a fase adulta no início dos anos 2010, com elevado senso de unicidade e fragilidade), acostumou-se a tudo reclamar, a tudo problematizar, sendo suscetível a qualquer tipo de crítica.
Tudo dói, tudo ofende, tudo é preconceito. Discute-se muito sobre sentimentos, o que não é ruim, mas nem tanto sobre ideias, pensamentos.
Obviamente que não são todos, da mesma forma que há tiozões e tiazonas de várias “categorias”. É prudente salientar sobre os perigos da generalização ou a necessidade de rótulos.
O neurocientista francês Michel Desmurget, em seu livro ‘A fábrica de cretinos digitais’, afirma que a juventude de hoje é a primeira geração da história com um QI mais baixo que a anterior, e que os dispositivos tecnológicos afetam o desenvolvimento de crianças e jovens, em aspectos como a linguagem e concentração.
Diminuição da qualidade e quantidade do relacionamento com familiares e redução do tempo em outras atividades que enriquecem o conhecimento (leitura e música, por exemplo) são alguns dos fatores identificados que explicam esse quadro.
É igualmente necessário, para entender melhor o cenário atual, analisar o papel dos pais na criação dos filhos. E igualmente enfatizar a inteligência tecnológica que essa juventude possui.
Há, porém, no meu entendimento, um risco maior nessa situação: a grande dificuldade dessas pessoas para enfrentar as frustrações, tentando empurrar a sujeira para debaixo do tapete, se descolando da realidade, ou criando uma própria (quantas realidades existem?).
Não dá para esconder por muito tempo, uma hora temos de retirar a poeira, ou pior, sairá por conta própria, devido ao acúmulo. Não serão lacrações e vitimizações nas redes sociais ou em programas televisivos que impedirão que isso aconteça.
Esse comportamento não estimula o desenvolvimento da Inteligência Emocional e a resiliência necessária para enfrentar os percalços da vida, que cedo ou tarde aparecerão, possibilitando o surgimento de quadros de ansiedade e depressão.
“Enzos” e “Valentinas” inundam as redes sociais com monólogos e lamúrias coletivas. Acham que o mundo e a sociedade lhes devem as coisas; querem – exigem! – que seus desejos sejam atendidos.
É louvável lutar pelos nossos direitos, mas nem tudo é nosso direito. Sem esquecer, é claro, dos deveres – nossos.
Não há, entretanto, garantia alguma que vamos conquistar todos os objetivos, ou transformar em realidade nossas expectativas.
De fato, isso não irá acontecer, nem tudo que queremos iremos conseguir.
Acostumem-se. Bem-vindos ao mundo real.
No linguajar da modinha, aceite que dói menos.
Mas acredite: sei que cada um sabe onde o calo aperta, por isso escrevo por mim e não posso dizer por você, não nos conhecemos: sem menosprezo às dores alheias (da mesma forma que não gostaria que desdenhasse das minhas), mas há, sim, dores maiores que outras.
Porém, não sou assim tão insensível: ressalte-se que a pandemia gigantesca pela qual estamos passando, algo inédito em um século, é fator que corrobora para o aumento da fragilidade emocional. Afinal, ninguém é de ferro.
Não posso afirmar que a geração atual vai nos agradecer ou se seremos merecedores de palavras de agradecimento, mas de minha parte sou grato às gerações passadas, com todas qualidades e defeitos, pelos ensinamentos transmitidos. Sem vocês, não teríamos chegado onde chegamos – igualmente, com todas nossas virtudes e falhas.

Por Ronaldo Andrade

Jornalista, fotógrafo. Correspondente do Jornal Mundo Lusíada na Baixada Santista desde 2007. Servidor público. Pós-graduado em Política e Relações Internacionais (Fundação Escola e Sociologia de São Paulo / SP) e em Gestão Pública Municipal (Universidade Federal Fluminense / RJ).

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