ADEUS, GERINGONÇA! Por Francisco Seixas da Costa

Por Francisco Seixas da Costa

Quando António Costa, naqueles dias tensos de 2015, deu indícios de poder vir a fazer um acordo parlamentar com o Bloco de Esquerda e o PCP (e com essa ficção chamada PEV), deu um passo maior do que muitos estavam à espera. Eu, por exemplo.

Para um país cuja credibilidade perante os credores era então muito frágil, com o exemplo grego a não ajudar à imagem do “sul”, temi que o “espetro” da esquerda radical na soleira do poder em Lisboa pudesse vir a provocar sobre nós uma onda negativa, com efeito nesses mercados que, por muito diabolizados que sejam, existem mesmo e têm de ser tidos em conta.

Trazer a “esquerda da esquerda” para um “programa comum” (o que isto lembra, a quem tem boa memória!), ainda que limitado, era uma aposta bastante arriscada.

Mas António Costa tinha razão: era possível estabelecer uma plataforma que, simultaneamente, garantisse poder vir a utilizar uma margem do crescimento previsível da economia, para recuperar rendimentos perdidos durante os tempos tristes da “troika” e dos seus amigos, e, simultaneamente, cumprir o essencial dos compromissos que o país (porque era o país e não um qualquer governo em especial) tinha com a Europa e com o FMI.

Os eleitorados da “esquerda da esquerda” gostavam da ideia da Geringonça, parte deles ainda traumatizados com as consequências de as suas direções partidárias terem votado, em 2011, ao lado da direita, o derrube de um PEC IV que, viesse a ter o destino que tivesse, era contudo uma esperança que, politicamente, lhes não cabia a eles pôr fim. É que, como imediata consequência, saiu-lhes na má rifa Passos Coelho e a vontade de ir além da dieta da “troika”. A abertura para a Geringonça, do lado dessa esquerda, foi isso mesmo: tudo menos a direita!

A Geringonça foi o que foi. O principal usufrutuário, a grande distância, foram os portugueses, o bem-estar de muitos, em especial de quantos antes tinham sido mais vitimados pela política desumana da direita. Como partido, o PS foi quem mais ganhou com o “negócio”, embora muito menos do que estaria à espera, creio eu. O PCP foi o principal perdedor. O Bloco ficou ela-por-ela.

Agora, para o futuro, cumprido já pelo PS o máximo que poderia fazer sem colocar em causa os seus princípios – e o seu equilíbrio interno, de que Costa continua a ser o único garante -, partimos para um tempo novo: acordos caso-a-caso. É um cenário muito mais complexo para gerir, mas não é de todo impossível de levar a cabo com êxito. Se a conjuntura externa se não degradar, se a direita se não reencontrar em torno de pretextos internos para explorar, as coisas podem caminhar bem, pelo menos até depois das presidenciais, onde se espera que o coração de Marcelo – um “padrasto” da Geringonça – continue a bater no sentido do interesse do país.

A Geringonça, essa, acabou. A situação está agora mais imprevisível, mais perigosa para António Costa. Mas o que é a vida política sem riscos, não é?

Adeus, Geringonça! Vamos ter saudades tuas.

 

Por Francisco Seixas da Costa
Diplomata português, ex-embaixador de Portugal no Brasil.

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