A difícil tarefa de promover a defesa da concorrência

Os acionistas da Brasil Foods, empresa fruto da associação de Sadia e Perdigão, viram recentemente o valor de suas ações oscilar mais do que o usual. Isso se deveu à tramitação da fusão no Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade). Em junho de 2011, o relator do processo sugeriu que se reprovasse a fusão anunciada em maio de 2009, fato que provocou queda superior a 10% no preço das ações. Em julho, vencido o parecer do relator, a fusão foi aprovada, com condicionantes, e o preço das ações subiu quase 10%.

Além da alta volatilidade, impressiona o fato da fusão ter tido seu julgamento final 2 anos e 1 mês após as empresas terem submetido o acordo à apreciação do Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrência (SBDC). Dada a deteriorada imagem da burocracia estatal, seria natural atribuir essa demora à lentidão dos órgãos competentes. A responsabilidade, entretanto, deve recair sobre o atual arcabouço regulatório do SBDC, cujo principal diplomalegal é a Lei 8.884/1994.

Uma tentativa de redesenho do SBDC encontra-se em estágio avançado no Congresso. Trata-se do PL 3.937/2004, que está na Câmara para apreciação das emendas apresentadas pelo Senado. A proposição procura aperfeiçoar o processo de exame, atacando problemas como o excessivo número de órgãos do SBDC, a redundância nas atividades, o excessivo número de operações analisadas e a questão da notificação prévia.

O projeto também altera a estrutura do Cade, capacitando-o por meio da criação do Departamento de Estudos Econômicos e do cargo de Economista-Chefe. Essas modificações são essenciais para, entre outros, estabelecer o dispositivo de análise prévia. Nesse modelo, a celeridade no exame é essencial, evitando-se que o Cade se torne uma barreira a negócios usuais e benéficos ao consumidor. De acordo com o PL, o controle dos atos de concentração será prévio e realizado em até 240 dias, com possibilidade de prorrogação por 90 dias em casos excepcionais.

Ainda que a legislação atual não impeça que os negócios sejamavaliados previamente, permite-se que sejam encaminhados até 15 dias após sua consumação, sem previsão de controle prévio, prática que acaba prevalecendo. Nesse caso, as empresas assinam o Ato de Preservação da Reversibilidade da Operação (APRO), com a finalidade de se evitar o fato consumado e permitir que a operação seja desfeita sem grandes custos. Em geral, o APRO procura preservar a independência de gestão, mantendo-se o ambiente concorrencial existente antes da fusão.

Pode-se dizer que o procedimento adotado no Brasil é raro. Muito embora oAPRO tente resguardar o consumidor de práticas anticompetitivas, há certo desconforto em relação ao dispositivo, considerando-se tratar inclusive de instrumento de eficácia duvidosa. Nesse aspecto, as melhores práticas internacionais demonstram a conveniência do controle prévio de concentrações, ampliando as alternativas para a solução de problemas concorrenciais. É também possível dizer que o dispositivo cria incentivos para que empresas atendam tempestivamente os esclarecimentos pedidos pelas autoridades.

Voltando ao caso da Brasil Foods, a existência de notificação prévia evitaria uma série de embaraços. Vale lembrar que a viabilização da fusão se deu também com recursos públicos, uma vez que a BNDESPAR adquiriu 2,55% do capital da nova empresa, perfazendo centenas de milhões de reais. Caso prevalecesse o parecer do relator no Cade, seria de se questionar a perda gerada ao erário. Há, ainda, outras questões. Deve haver envolvimento do governo sem que se conheçam as consequências nocivas à sociedade? Em que grau a análise a posteriori é influenciada pela participação do governo? De toda forma, para que o interesse público seja privilegiado é preciso, sobretudo, que se garanta a independência na atuação do Cade, o que pode ser reforçado pelo instituto da análise prévia.

Frederico Pechir Gomes é economista.
Vinicius Brandi é professor de Finanças do Ibmec-DF.

Deixe uma resposta

%d blogueiros gostam disto: