Portugal é “porta de trânsito” de “quantidades absurdas de cocaína” produzida na América Latina

Da Redação
Com Lusa

O diretor da Unidade Nacional de Combate ao Tráfico de Estupefacientes da PJ alertou que Portugal “continua a ser uma porta de trânsito de quantidades significativas de cocaína produzida na América Latina”, mercê da posição geográfica.

Artur Vaz falava aos jornalistas à margem da sessão de abertura do Seminário sobre Tráfico de Estupefacientes Transfronteiriços – Projeto Caravela, que decorre na sede da Polícia Judiciária (PJ), em Lisboa, com a presença da Procuradora-geral da República, Lucília Gago, do diretor nacional da PJ, Luís Neves, e do diretor do departamento de combate à droga da Polícia Federal do Brasil, Elvis Secco, entre outros.

Segundo Artur Vaz, Portugal, em virtude da posição geográfica e da existência de “especiais relações” com países da América Latina, designadamente o Brasil, leva a que as organizações criminosas internacionais “parasitem muitas das estruturas de transporte” de grandes quantidades de cocaína entre os dois continentes através das fronteiras marítima e aérea portuguesas.

Confrontado com o fato de o Brasil ser um importante ponto de passagem de muita da cocaína que transita por Portugal, para chegar a outros países europeus, Elvis Secco observou que o Brasil tem mais de 16 mil quilômetros de fronteira com os três países produtores de cocaína – Bolívia, Peru e Colômbia -, fazendo ainda fronteira com o Paraguai, que é hoje o principal produtor de marijuana/maconha.

“A nossa realidade é muito complicada. Há quantidades absurdas de cocaína produzida nesses países. Estamos a falar de milhares de toneladas. Grande parte, 50% a 60%, passa por território brasileiro” com destino à Europa e à África do Sul.

O diretor da Polícia Federal brasileira referiu que a cocaína encaminhada por via marítima para a Europa e para a África do Sul traz lucros enormes às organizações criminosas, em resultado da diferença “absurda” de preço entre um quilograma de cocaína num país produtor e num país da Europa.

Para o diretor nacional da PJ, Luís Neves, o tráfico de droga (nomeadamente cocaína) e subsequente consumo é “preocupante a vários níveis”, não só enquanto atividade criminosa, mas também “preocupante pelos lucros que gera” e pela forma como “distorce a economia” e fomenta e facilita outros crimes, incluindo a lavagem de dinheiro e a corrupção do aparelho e estruturas do Estado.

Por outro lado – salientou – o tráfico e consumo de cocaína e de outras drogas cria um “problema de saúde pública”, ao mesmo tempo que “consome aos Estados parte substancial dos seus orçamentos”.

A utilização dos lucros do narcotráfico no apoio financeiro e logístico do terrorismo foi outro dos aspetos referidos pelo diretor nacional da PJ.

Luís Neves apontou o oceano Atlântico e África como zonas privilegiadas de transporte e trânsito da cocaína traficada pelos grandes narcotraficantes e assinalou a importância da cooperação policial direta com o Brasil e com outras instâncias internacionais (Europol, Interpol, MAOC) num combate que tem que ser feito de “forma global”.

Na sua intervenção na cerimônia, Lucília Gago, vincou que o `modus operandi” do narcotráfico internacional obriga a que “existam uma partilha de informações entre os países envolvidos” de forma “precoce, rápida, oportuna e eficaz”, apontando ainda para o perigo do tráfico de droga poder financiar o terrorismo.

O seminário realiza-se numa altura em que as polícias de Portugal e de Espanha fizeram recentemente importantes apreensões de cocaína em solo português e em águas da Galiza, respetivamente. A uma milha ao largo do porto de Aldán, Galiza, as autoridades espanholas estavam nesta manhã a retirar 3.000 quilogramas de cocaína a bordo de um submarino.

Mercado 

O mercado de droga na União Europeia (UE) vale 30 mil milhões de euros, a maioria relativos à canábis (39%) e à cocaína (31%), revela um relatório hoje divulgado, que alerta para o aumento do crime organizado e do terrorismo.

O relatório sobre os mercados de droga na UE, de 2019, publicado pelo Observatório Europeu da Droga e da Toxicodependência (EMCDDA, sigla em inglês) e pelo serviço europeu de polícia Europol, dá conta que “os europeus gastam anualmente, pelo menos, 30 mil milhões de euros em droga, a nível retalhista, o que faz do mercado de droga uma importante fonte de rendimento para os grupos de criminalidade organizada” na União.

Deste montante, 11,6 mil milhões de euros por ano são gastos com canábis, seguindo-se a cocaína (9,1 mil milhões de euros), a heroína (7,4 mil milhões de euros) e anfetaminas e ecstasy (500 milhões de euros).

Além destas, o relatório destaca a existência de 55 novas substâncias psicoativas, num total de 731 já monitorizadas na UE, mas cujo impacto econômico é desconhecido.

Segundo o documento, os países da UE que, entre 2017 e 2018, tinham maior dimensão no mercado da droga europeu eram o Reino Unido (mais de 25 milhões de euros), Alemanha (quase 20 milhões de euros) e Holanda (10 milhões de euros).

Estes países estão “noutra escala” quando comparados com os restantes Estados-membros, com receitas muito mais baixas.

Portugal fica a meio da tabela dos 28 Estados-membros, ocupando o 15.º lugar.

O relatório assinala que, “além do impacto econômico, das mortes relacionadas com drogas e de outros danos à saúde pública, existem outras consequências dos mercados de droga, tais como ligações com atividades criminosas e terrorismo, impacto negativo na economia legal, violência nas comunidades, danos no meio ambiente e ainda a questão cada vez mais importante de como o mercado de drogas pode alimentar a corrupção e prejudicar a governança” na UE.

A título de exemplo, o documento refere que, em 2017, mais de um terço dos 5.000 grupos de crime organizado identificados na UE estavam diretamente envolvidos no mercado da droga.

Já quanto ao número de utilizadores, o documento precisa que 25 milhões de europeus entre 15 os 64 anos consumiram canábis no ano passado, enquanto cerca de quatro milhões utilizaram cocaína.

A estes somam-se 1,3 milhões de “consumidores problemáticos” de heroína, bem como 1,7 milhões de consumidores que experimentaram anfetaminas ou metanfetaminas em 2018 e outros 2,6 milhões que experimentaram ecstasy.

De acordo com o documento, esta situação reflete “os altos níveis de produção [destas substâncias] em todo o mundo e na UE”, que estão “em níveis historicamente altos”.

Na apresentação do documento, em Bruxelas, o comissário europeu para a Assuntos Internos, Migração e Cidadania, Dimitris Avramopoulos salientou que “as drogas não só estão relacionadas com a saúde, como também com a segurança”.

“Este relatório dá-nos uma perspectiva preocupante do mercado das drogas da UE, […] realçando desde logo uma dramática subida de substâncias sintéticas a aparecer no mercado”, acrescentou o responsável.

Também a diretora da Europol, Catherine De Bolle, observou que o mercado de droga na UE “está numa dimensão sem precedentes”. “Não fazemos nem confiscamos o suficiente”, adiantou, pedindo mais medidas contra este mercado em evolução, nomeadamente tecnológica.

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