Mais 807 mortes do que o esperado no primeiro mês de desconfinamento em Portugal

Mundo Lusíada
Com Lusa

Nas primeiras seis semanas do desconfinamento morreram em Portugal mais 807 pessoas do que seria esperado nesse período, 41% das quais por outras causas naturais que não a covid-19, revela um estudo da Escola Nacional de Saúde Pública (ENSP).

Segundo o estudo “Mortalidade colateral durante o desconfinamento covid-19”, do Barómetro Covid-19, morreram em Portugal, entre 03 de maio e 13 de junho, 11.124 pessoas, mais 807 (+8%) do que os 10.317 óbitos que seriam de esperar nesse período, considerando a mortalidade nos últimos seis anos.

“Na última semana, os óbitos desceram para o valor que seria de esperar para esta época do ano”, refere a ENSP, que observou um pico de mortalidade entre os dias 24 e 31 de maio.

Para os investigadores, “a hipótese de que este aumento de mortalidade possa estar associado a casos de doença aguda grave que não procuraram os serviços de saúde atempadamente, ou que não foram adequadamente atendidos pelos mesmos, parece pouco provável”.

Isto porque, nessa altura, “os serviços de urgência, incluindo as unidades de cuidados intensivos, estavam bem abaixo do nível de saturação e já se verificavam alguns sinais de retoma da atividade assistencial (consultas, exames, cirurgias)”.

Os investigadores apontam que possivelmente este aumento de mortalidade pode estar associado “a casos de doença crônica grave cujo diagnóstico e tratamento possam ter sido adiados devido à pandemia de covid-19, porque os doentes evitaram procurar os serviços, ou porque as listas de espera adiaram os diagnósticos e tratamentos para além do prazo em que poderiam ter sido efetivos”.

Segundo o estudo, 195 (2%) dos 11.124 óbitos a mais são considerados excesso de mortalidade, porque ultrapassam o limite da média de óbitos nos últimos seis anos mais dois desvios padrão (DP).

Durante esse período, verificaram-se 474 mortes (4%) por infeção pelo novo coronavírus SARS-Cov-2, que provoca a covid-19, e 10.650 (96%) por outras causas naturais.

“Se não tivesse havido as mortes por covid-19, ter-se-iam verificado 333 (3%) óbitos acima do que seria de esperar, com base na média dos últimos seis anos”, sublinham.

No entanto, “este valor não pode ser considerado como excesso de mortalidade, porque não atinge o limite da média dos últimos seis anos mais dois desvios padrão, ou seja, está dentro dos limites da variabilidade anual dos óbitos em Portugal”.

O excesso de mortalidade só se verifica quando se contabilizam os 474 óbitos por covid-19, explicam, afirmando, em comunicado, que gostariam “de saber mais sobre as causas desses óbitos, mas os dados disponibilizados pelo Ministério da Saúde não permitem fazer análises por grupos diagnósticos mais detalhados”.

“A hipótese de que um grande número destes óbitos possa ter sido causado pela covid-19, mas não terem sido classificados como tal, é pouco provável”, afirmam os investigadores, justificando que durante este período vigorou, em Portugal, “uma política de testagem muito ampla, incluindo testes a pessoas que morreram em casa e a aceitação de um diagnóstico clínico de covid-19 relativamente abrangente, mesmo sem confirmação laboratorial”.

Para os investigadores, “é difícil” explicar o pico de mortalidade que se registou na última semana de maio, com um regresso à normalidade na semana seguinte.

“Durante o mês de maio, os serviços de saúde foram regressando progressivamente à normalidade, com as sucessivas ondas de desconfinamento. É possível que, pelo fim de maio, já tivessem recuperado a sua capacidade de controlo da doença crónica de utentes mais frágeis, prevenindo eventuais descompensações das suas doenças de base”, sublinham.

A ENSP afirma que este aumento de mortalidade é confirmado por outros modelos de análise, nomeadamente o modelo ARIMA que analisa a mortalidade global, por causas naturais e não naturais.

Com este modelo estima-se que, entre 03 de maio e 13 junho, houve mais 518 (+4,3%) mortes do que aquelas previstos pelo modelo.

Portugal contabiliza pelo menos 1.524 mortos associados à covid-19 em 38.089 casos confirmados de infecção, segundo o último boletim da Direção-Geral da Saúde (DGS).

Pandemia controlada

O bastonário da Ordem dos Médicos, Miguel Guimarães, sublinhou que a pandemia da covid-19 “está controlada, mas não acabou”, apelando para que ninguém facilite e defendendo medidas “mais fortes” para aviões e aeroportos.

“Esta pandemia está controlada, mas não acabou. Não podemos facilitar. Quando facilitamos os surtos acontecem. Temos de manter as medidas preconizadas pela Direção-Geral da Saúde e temos o problema dos aviões, o que daria para falar muito tempo. São um problema que se calhar vamos ter de controlar com medidas acessórias”, referiu Miguel Guimarães.

O bastonário da Ordem dos Médicos disse que “nos aeroportos claramente vão ter de ser implementadas medidas mais fortes” e lembrou que “se nos aviões não há distanciamento social”, terão de ser encontradas “outras regras”.

“As companhias aéreas são empresas que colocam a segurança ao mais alto nível e podem encontrar alternativas para aumentar a segurança. As pessoas que estudam isto vão ter de encontrar medidas e vão ter de se fazer inquéritos epidemiológicos, podem-se fazer testes e regras grandes num avião. Num voo intercontinental não se pode dar de comer às pessoas todas de uma vez”, exemplificou.

Questionado se considera que Portugal está preparado para uma segunda vaga do surto pelo novo coronavírus, Miguel Guimarães foi direto na resposta afirmativa, falou no reforço dos hospitais, no conhecimento “maior que o mundo vai tendo sobre a doença”, e no Dia do Médico recordou o “grande desafio” que está a constituir esta pandemia, elogiando, aplaudindo e agradecendo aos profissionais de saúde.

“A Ordem dos Médicos na reunião do conselho nacional aprovou uma homenagem grande que vamos fazer a todos os médicos que irá ficar para a história, pedirmos uma escultura como homenagem a todos os médicos portugueses”, revelou.

Miguel Guimarães falava aos jornalistas no Porto, à saída de uma visita aos Hospital de São João, unidade hospitalar que recebeu a 02 de março o primeiro caso de covid-19 em Portugal e na qual, de acordo com dados transmitidos hoje pela Ordem dos Médicos, “à altura do pico” chegaram internados 200 doentes ao mesmo tempo, 80 doentes críticos, cerca de 60 em cuidados intensivos e 20 em cuidados intermédios.

“Seguramente este é o hospital que mais testes fez nas suas instalações e o que teve mais doentes. Tratou 2.030 doentes, seguiu em ambulatório 1.700 doentes, teve 1.040 internados e 130 em cuidados intensivos. O Hospital São João representa hoje todos os hospitais portugueses e os médicos que cá trabalham representam todos os médicos portugueses. Hoje quero-lhes agradecer o trabalho magnifico que fizeram e a capacidade de liderança que existiu”, disse Miguel Guimarães num Dia do Médico diferente depois de terem sido canceladas as comemorações agendadas para Lisboa e Porto.

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