Elementos dos bombeiros participam nos trabalhos de drenagem da pedreira que sofreu deslizamento de terras na segunda-feira, Borba, Évora, 21 de novembro de 2018. As autoridades procuram ainda um número indeterminado de vítimas, cujas viaturas em que seguiam terão sido arrastadas para o interior da pedreira. NUNO VEIGA / LUSA
Mundo Lusíada
Com Lusa
Um dirigente nacional da Federação Portuguesa dos Sindicatos da Construção, Cerâmica e Vidro (FEVICCOM) considerou que a “tragédia” ocorrida em Borba, Évora, evidencia a “inércia” das entidades com “poderes de fiscalização” na área das pedreiras.
“Esta tragédia traz à evidência um conjunto de inquietações e uma inércia dos serviços de fiscalização, de quem tem poderes de fiscalização nesta matéria”, afirmou à agência Lusa Nuno Gonçalves, dirigente nacional da FEVICCOM.
O sindicalista indicou que são “várias as entidades fiscalizadoras” em causa, “nomeadamente a ASAE [Autoridade de Segurança Alimentar e Econômica], a inspeção-geral da Agricultura, do Mar, do Ambiente e do Ordenamento do Território (IGAMAOT) e a ACT [Autoridade para as Condições do Trabalho]”.
O que ocorreu em Borba, no distrito de Évora, frisou, é “uma tragédia” no âmbito da qual existem “responsabilidades por parte das entidades licenciadoras”.
Estas entidades, mesmo atendendo à “legislação do ano em que se iniciou a exploração daquelas pedreiras” atingidas pelo deslizamento de terra e do colapso da estrada, ou seja, “anterior à lei de 1990”, poderiam ter obrigado “a tomar medidas de salvaguarda da segurança de trabalhadores e de terceiros”, argumentou.
Excesso de água
O diretor do departamento de Geociências da Universidade de Évora considerou que o excesso de água e o tipo de solo estariam na origem do deslizamento de terras e colapso de uma estrada para pedreiras em Borba.
Luís Lopes, geólogo e responsável do departamento de Geociências da Universidade de Évora (UÉ), observou que por baixo da estrada existia “o material que resulta da dissolução do mármore, um solo residual, que é o barro ou terra rossa”.
“Esse material tem capacidade de absorver água, mas quando tem água demais acaba por se tornar num líquido e essa condição deve ter sido fulcral para desencadear o colapso e, a partir daí, foi tudo atrás”, afirmou.
O especialista realçou que os estudos para “se saber o que estava” por debaixo da estrada “nunca foram feitos”, mas apontou aquela possibilidade “devido à quantidade de terra que caiu para as pedreiras e que pode ser vista nas imagens das televisões”.
Luís Lopes integrou uma equipe da UÉ que efetuou um relatório técnico sobre a estabilidade da parede da pedreira que se encontrava em atividade, das duas onde ocorreu o deslizamento de terras, o qual foi realizado em 2008 e atualizado em 2015, a pedido da empresa proprietária.
“São duas pedreiras que são contíguas”, em que “existe um degrau ao meio” a separá-las e cujos proprietários são diferentes, assinalou.
Esse relatório foi feito para se ter a percepção de “eventuais quedas de blocos da parede para dentro da pedreira” e concluiu que eram necessárias “medidas de sustentação”.
O geólogo e diretor do departamento de Geociências da UÉ ressalvou que o trabalho não se debruçou sobre as condições de circulação na estrada, indicando que, para isso, “teriam de ser feitos outros ensaios, que não foram pedidos nem foram feitos”.
Sobre o acidente ocorrido na segunda-feira à tarde, o especialista afirmou que ficou “um pouco surpreendido”, mas reconheceu que sempre que passava naquela estrada tinha “a percepção que aquilo não estava bem”.
“Não é caso único. Já nos anos 80 [do século XX], houve uma queda [numa pedreira] junto ao cemitério de Estremoz e, na altura, também foi noticiada. Ou seja, eventos como este têm ocorrido e não são propriamente uma novidade”, frisou.
O professor da UÉ indicou que as pedreiras onde ocorreu o acidente têm “mais de 60 anos” e que, quando foram criadas, “não havia lei para as enquadrar”, considerando que “não se pode julgar agora a localização da estrada e das pedreiras”.
“Os tempos eram outros e exploravam-se um ou dois pisos e não se ia além de 10 metros de profundidade, não se via risco nisso, mas, com o tempo, as coisas evoluíram e dessa exploração superficial agora temos uma cavidade com 90 metros de um lado e uns 80 do outro e o risco veio”, sustentou.