A Guerra dos Roses e o Pão de Açúcar

Na história do jornalismo econômico recente não me lembro de acontecimentos tão marcantes no campo das personalidades envolvidas dentro de uma transação bilionária. Normalmente espera-se nestas situações discrição e comedimento das partes envolvidas. Sobretudo quando homens de negócio respeitados internacionalmente estão envolvidos. Atualmente grande parte das discussões na mídia se dá em torno da questão do financiamento a ser bancado pelo BNDES de até 4 bilhões de reais. Daria para construir uns cinco estádios de futebol para a Copa de 2014. Outros tem se focado nas questões políticas transversas, como porque um banco social se preocupa tanto com a internacionalização das mega empresas brasileiras. Outros focam as questões da livre concorrência o CADE e, outras mazelas que a grande concentração do negócio poderá implicar.

Enquanto discutem-se estas questões prefiro lançar um olhar para a engenharia financeira do negócio. Com grande competência identificou-se o problema, foram qualificadas as formas para obtenção dos recursos. Local e internacionalmente falando. Parte não menos importante foi à equalização dos interesses com o grupo de controle do Carrefour na Europa. Igualmente procurou-se adiar a aposentadoria do grande articulador da operação, Abílio Diniz. Para a maioria dos observadores está nestes fatos a grande questão não absorvida pelo sócio francês do brasileiro. Com base em acordo de acionistas e não competição, assinado em 2005, o grupo Casino prepara-se para assumir o controle do Grupo Pão de Açúcar já no próximo ano. Sabe-se igualmente que este grupo vem buscando uma alternativa para a compra por partes de seu grande concorrente europeu. Caso o plano brasileiro aconteça esta possibilidade tem de ser arquivada e ao invés de domínio sobre o concorrente o grupo Casino teria de comportar-se em uma civilizada coexistência.

A Guerra dos Roses filme de grande sucesso, lançado em 1989, retratava a situação de um casal que decide separar. O filme trabalha as questões emocionais de uma relação que se desfaz. Qualquer situação é motivo para acusações. Tudo alimenta o cenário de traição e vingança. Os filhos como resultado afetivo, emocional do relacionamento vão para segundo plano. O patrimônio em si encerra uma simbologia de poder na relação. A posse do patrimônio induz a uma luta física mortal entre o casal. Nesta nova versão os atores são Jean-Charles Naouri versus Abílio Diniz. Ambos com gênio forte e um histórico de desentendimentos com os sócios.

Jean-Charles Naouri, nascido na Argélia não nasceu neste negócio. Teve uma educação formal refinada com passagem por Harvard (EUA). Trabalhou como chefe de gabinete do Ministério das Finanças durante o governo socialista de François Mitterrand. Desenvolveu um fundo de investimentos para administrar empresas com problemas de capital. Nestas circunstâncias chegou em 1997 ao Casino  onde acabou tornando-se seu maior acionista. Sua empresa hoje possui hoje um faturamento anual de R$ 66 bilhões, 11.663 lojas no mundo, das quais 9.461 na França e 380 em diferentes países fora o Brasil.

Abílio Diniz é uma pessoa do ramo. Nasceu neste negócio com o pai. Formou-se na FGV em São Paulo. Especializou-se na compra de concorrentes, sendo suas aquisições mais recentes, o Ponto Frio, Casas Bahia e Assai. O seu negócio fatura R$ 32 bilhões por ano através de 1.822 pontos de venda. Ao longo do tempo provou-se um vencedor e só fez seu grupo varejista crescer. O Casino é seu sócio desde 1999, tendo posteriormente negociado o controle da empresa com o grupo francês. Reside nesta decisão do passado seu maior obstáculo para concretizar esta operação nos dias atuais.

Assim que as primeiras notícias desta operação foram divulgadas no Brasil, acusações de descumprimento dos  acordos assinados e até a alegação de um golpe de estado corporativo, ocuparam as manchetes por conta do sócio francês que contratou um escritório de advocacia local, através do qual procura delimitar o seu território. Mostrou sua força econômica ordenando a compra de um bilhão de dólares em ações do grupo. Passou a deter 43,1% docapital do grupo, enquanto Abílio dispõe de 21%. A compra deste lote obstaculiza o modelo de negócio como foi concebido e aceito pelo governo. Por esta atitude poderá vir a ter problemas com a CVM no futuro.

A atitude beligerante teve o mérito de causar certo distanciamento do governo em relação a sua possível participação nesta operação. As questões judiciais envolvidas poderão levar meses ou anos para serem resolvidas. O transbordamento do desentendimento para esfera pública traz reflexos negativos de imagem da instituição além de insegurança aos seus 200.000 colaboradores, milhares de acionistas e fornecedores. Qualquer que for a decisão final uma das duas personalidades aqui mencionadas sairá mortalmente ferida. Portanto o grupo atual ou futuro nunca mais será o mesmo.

O desfecho do caso ainda é bastante incerto. Entretanto os fatos que deram origem a esta operação estão postos e customizados. Sobretudo a questão de origem dos fundos para viabilizar o negócio. O problema precisa de uma solução. Portanto se não funcionar com estes atores poderão ser convidados outros grupos econômicos brasileiros da área de móveis, eletro, eletrônicos e do varejo ou atacado de alimentação. Existe pelo menos seis grandes grupos que preenchem estas condições e que já estão se movimentando para entrar no segundo tempo deste negócio. Esta nova perspectiva seria muito boa para a competição deste importante setor. Internacionalizaria um novo grupo no varejo, reduziria em parte a pressão política e concorrencial do caso. O novo futuro líder de mercado já passaria a pressionar fortemente o grupo Casino em sua nova gestão já no próximo ano.

Vamos aguardar os novos fatos e torcer para que os Roses ainda possam ter um desfecho feliz, de integração, entendimento e cooperação, bem diferente do reservado para os atores principais do filme. Caso não seja possível o Brasil poderá comemorar a criação de um novo grupo nacional na área com capacidade para competir interna e externamente e o governo estaria apoiando algo inusitado e bom para os brasileiros.

Carlos Stempniewski
Mestre pela FGV, administrador, consultor e professor das Faculdades Integradas Rio Branco

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