Em premiação, presidente elogia Guterres que nunca esqueceu missão da “construção europeia”

Da Redação com Lusa

O Presidente português, Marcelo Rebelo de Sousa, disse hoje que o secretário-geral das Nações Unidas, António Guterres, é “um grande português” e “o melhor homem da sua geração” que “nunca esqueceu a missão primordial da construção europeia”.

Marcelo Rebelo de Sousa falava em Cuacos de Yuste, Espanha, na cerimônia de entrega do Prêmio Europeu Carlos VI a António Guterres, que definiu como “um grande português que nunca esqueceu a missão primordial da construção europeia” e o homem que, já por diversas vezes, considerou, “de longe, o melhor de todos” os da geração a que ambos pertencem.

Numa intervenção de pouco mais de dez minutos, feita em português e castelhano, Marcelo Rebelo de Sousa deu o seu “testemunho pessoal”, sobretudo como amigo e companheiro de António Guterres desde o final da adolescência, para lhe homenagear o percurso europeísta e humanista ao longo da vida e em todos os cargos que ocupou.

“Ele era o melhor de todos nós”, disse o Presidente da República, que elogiou em Guterres, a “força do caráter”, a “capacidade de sonhar, de liderar e de mobilizar”, a “agudeza da inteligência”, a “excelência da carreira acadêmica”, o “brilho da oratória”, a “ilimitada extensão do conhecimento” ou o “cuidado com o pormenor”.

Para Marcelo Rebelo de Sousa, o atual secretário-geral das Nações Unidas e antigo primeiro-ministro de Portugal, era também “o melhor na humanidade” e “na visão geoestratégica”.

“Na geoestratégia macro, das relações entre os povos, mas em particular na geoestratégia micro dos bairros de lata, das crianças da interior do nosso país, dos que não tinham água, não tinham saneamento básico, não tinham acessos à saúde, não tinham escolaridade mínima”, acrescentou.

No dia que se celebra o Dia da Europa e em que Guterres recebeu um prêmio europeu que reconhece percursos que contribuíram para a defesa dos valores e da construção europeia, Marcelo Rebelo de Sousa sublinhou que o secretário-geral da ONU foi um “europeísta sempre e desde sempre”, ainda no final da ditadura em Portugal e depois como político e primeiro-ministro, até chegar às Nações Unidas, já neste século, com um trabalho dedicado aos refugiados e aos “perseguidos por vidas destruídas” e como “testemunha dos altos e baixos, das esperanças e das frustrações dos poderes do mundo”.

“Um mundo cheio de guerras”, lamentou o Presidente da República, que referiu em concreto a guerra “ilegal, injusta, imoral e intolerável” na Ucrânia.

Marcelo Rebelo de Sousa sublinhou que António Guterres é um “europeísta, mas social, ao serviço das pessoas, ao serviço do que foi, é e será a sua razão de viver, construindo a sua felicidade com os outros e pelos outros”.

“A sua Europa, que deve ser a nossa Europa, não é a Europa dos chefes do Estado ou de Governo, dos dirigentes militares ou econômicos, dos chefes da opinião pública e publicada. Não, a sua Europa é a nossa, é, deve ser, só pode ser, a Europa das pessoas de carne e osso, dos esquecidos pelo destino, dos heróis anônimos de cada dia”, afirmou.

António Guterres recebeu neste dia 09 o Prêmio Europeu Carlos V numa cerimônia presidida pelo Rei de Espanha, Felipe VI, e em que esteve também o primeiro-ministro de Portugal, António Costa.

Marcelo Rebelo de Sousa e António Costa estiveram juntos pela primeira vez desde que assumiram publicamente, na semana passada, uma divergência em relação à permanência no Governo do ministro João Galamba.

O Presidente e o primeiro-ministro chegaram a Cuacos de Yuste na segunda-feira ao final da tarde e estiveram juntos num jantar com António Guterres e o Felipe VI, além de outras personalidades.

Na segunda-feira à noite e hoje durante a manhã, Marcelo Rebelo de Sousa e António Costa foram vistos por diversas vezes juntos e a conversar.

No tempo que passaram em Cuacos de Yuste, nenhum dos dois fez declarações à comunicação social, tal com aconteceu com todas as outras personalidades presentes na entrega do Prêmio Europeu Carlos V a António Guterres.

O prêmio é atribuído pela Fundação da Academia Europeia e Ibero-americana de Yuste, que tem como “presidente de honra” o Rei Felipe VI, e já entregou este prémio a outros dois portugueses, o ex-Presidente da República Jorge Sampaio (em 2004) e o ex-primeiro-ministro e antigo presidente da Comissão Europeia José Manuel Durão Barroso (em 2014).

Jacques Delors, Wilfried Martens, Felipe González, Mikhail Gorbachev, Helmut Kohl, Simone Veil, Javier Solana e Angela Merkel foram outras personalidades anteriormente galardoadas com este prêmio.

A entrega do galardão coincide com o Dia da Europa, uma efeméride celebrada em 09 de maio que assinala a histórica “Declaração Schuman [Robert Schuman, o ministro dos Negócios Estrangeiros de França em 1950]”, considerada como o momento fundador da atual União Europeia.

Arsenais diplomáticos

A cerimónia foi presidida por Sua Majestade o Rei Felipe VI, presidente honorífico da Fundação Academia Europeia e Iberoamericana de Yuste, contando ainda com a presença do Presidente da República, Marcelo rebelo de Sousa, e do primeiro-ministro, António Costa. Foto: Juan Carlos Rojas

Já o secretário-geral das Nações Unidas defendeu hoje que o mundo precisa de “arsenais diplomáticos” para garantir a paz e que a Europa se deve reformar para defender “sem tréguas” todos os direitos e valores fundamentais.

“Nunca, desde a criação da ONU e da União Europeia estes valores se viram tão ameaçados. Por isso, devemos levantar a voz e reafirmar esses valores. E, sobretudo, precisamos de paz”, disse António Guterres, na premiação.

Guterres sublinhou que há hoje violência “em demasiados cantos do planeta”, em guerras como a da Ucrânia, mas também noutras guerras e crises humanitárias que se prolongam, com frequência, “longe de focos” mediáticos.

“A paz nunca se deve subestimar nem dar-se por garantida. Temos de trabalhar por e para ela, todos os dias, sem descanso. Num mundo que se está a despedaçar, devemos sanar as divisões, prevenir as escaladas, ouvir as queixas. Em vez de balas, precisamos de arsenais diplomáticos”, defendeu.

Para o secretário-geral da Organização das Nações Unidas (ONU), é preciso reafirmar o primado da paz “entre os homens”, mas também o “da paz com a natureza”.

Guterres sublinhou que “o caos climático” está “a pôr em perigo a própria sobrevivência da humanidade” e causa fenômenos como incêndios, inundações ou secas que deslocam milhões de pessoas e “exacerbam tensões e inflamam conflitos”, pelo que atuar em defesa do planeta “é atuar pela paz”.

Mas para “a paz ser sustentável tem de se basear no respeito e na proteção dos Direitos Humanos na sua globalidade”, acrescentou, antes de sublinhar que a União Europeia (UE) e as Nações Unidas foram criadas num dos “momentos difíceis” da humanidade, na sequência da II Guerra Mundial, “em torno de valores universais” e que “ambas retiraram milhões de pessoas da pobreza e forjaram a paz em terras agitadas”.

“Agora é o momento de, uma vez mais, estar à altura das circunstâncias. Precisamos de unidade e coragem. Temos de reinventar o multilateralismo. Neste sentido, a Europa deve renovar-se para continuar a estar na vanguarda, mas não deve renunciar à sua identidade”, defendeu.

Para Guterres, “só uma Europa unida consegue enfrentar os enormes desafios do presente e do futuro” e “o mundo precisa de uma Europa forte, que olhe para fora, não de uma Europa fechada em si mesma”.

“Não esqueçamos que a Europa é fronteira e não ilha. Assim, precisamos de uma Europa que defenda sem tréguas os valores universais e os direitos fundamentais para todos, que contribua plenamente para um mundo multipolar, com relações internacionais baseadas na justiça e ajuda aos mais vulneráveis”, defendeu.

O antigo primeiro-ministro português lembrou que a UE tem sido “símbolo da solidariedade e da cooperação internacionais” e considerou que tem hoje “a responsabilidade histórica de reafirmar o significado do multilateralismo e trabalhar em solidariedade com aqueles que aspiram a perseguir o mesmo desenvolvimento e bem-estar”.

“Neste Dia da Europa, reafirmemos os ideais da paz, justiça e cooperação internacional. Defendamos juntos, sem descanso, a dignidade e os direitos humanos, o diálogo e o respeito mútuo. E construamos um mundo mais justo, inclusivo e digno, que não deixe ninguém atrás”, pediu, depois de alertar para a expansão do discurso de ódio, do racismo e da xenofobia.

“É o momento de exigir o direito à vida, à liberdade, à segurança, à liberdade de expressão, ao direito a solicitar asilo”, sublinhou, acrescentando que “também chegou o momento de situar a igualdade no centro”.

“Igualdade entre comunidades, igualdade entre cidadãos, igualdade entre gêneros”, disse Guterres, que realçou que a pandemia de covid-19 evidenciou “escandalosas fraturas existentes” no mundo, alimentadas “por um sistema financeiro internacional profundamente injusto”, com “os países mais pobre estão asfixiados pela dívida, enquanto os mais ricos puderam investir numa forte recuperação econômica”.

Está em causa uma “divisão econômica e social que corre o risco de produzir fraturas políticas”, uma “injustiça que é uma ameaça para a paz” e “uma vez mais, urge reconstruir a confiança, baseada na justiça e na solidariedade”, defendeu.

“Hoje, mais do que nunca, no nosso mundo fraturado, construir pontes é a única opção”, reiterou.

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