Café: Os melhores segredos do mundo estão em Portugal

Da Redação
Com Lusa

Se o universo do café tivesse coração, estaria num campo agrícola encravado entre prédios, nos arredores de Lisboa, e não nas vastidões africanas ou americanas onde é produzido.

“Não há outro lugar no mundo onde se faça um trabalho como este”, garante o engenheiro agrônomo Vítor Várzea, 55 anos, um dos principais cientistas da dezena de pesquisadores que mantém e desenvolve um projeto iniciado há pouco mais de meio século – o Centro de Investigação das Ferrugens do Cafeeiro (CIFC), em Oeiras.

Num país onde não se produzem os grãos com que se faz a bebida mais consumida no mundo, depois da água, acabou por se desenvolver o conhecimento científico que impediu a repetição de catástrofes como a que ocorreu no final do século XIX no Sri Lanka, quando a ferrugem do cafeeiro destruiu por completo a principal produção agrícola do país, levando-o à falência.

Plantas de centenas de diferentes espécies, tamanhos e colorações distribuem-se pelo complexo de estufas com uma área equivalente a três quartos de um campo de futebol, que reproduz o calor e o ar carregado de humidade indispensável ao sucesso dos cafeeiros.

Mas para ver o efeito prático do trabalho realizado naquele canto da Estação Agronômica Nacional, é necessário ir à Ásia ou à América do Sul.

Na China e na Tailândia, a maioria dos cafezais nasceram de sementes produzidas no CIFC e, no Brasil, foi até dado o nome “Oeiras” a uma variedade de café em homenagem ao centro de investigação português, conta Vítor Várzea durante a visita guiada às instalações do centro, integrado no Instituto de Investigação Científica e Tropical.

“Mais de 90% do café produzido no mundo por espécies resistentes à ferrugem resultaram de sementes produzidas aqui”, assegura o engenheiro que foi, por acaso, fazer o estágio final do curso de agronomia no Centro, há 28 anos, e por lá ficou a trabalhar.

Como no ditado segundo o qual há males que vêm por bem, foi essa doença, causada por um fungo alaranjado, por vezes fatal para os cafeeiros, que deu a fama mundial que o CIFC apresenta na atualidade.

História

Em 1951, o pesquisador agrônomo António Branquinho de Oliveira, parente do ditador Oliveira Salazar, foi enviado a S. Tomé e Príncipe para ajudar a combater a doença que atingia os cacaueiros do arquipélago, mas voltaria de lá com uma série de plantas de café com umas manchas parecidas com ferrugem que começou por investigar no tempo que lhe restava do trabalho habitual.

Quatro anos depois, numa altura em que a doença começava a ganhar proporções e a ameaçar os maiores produtores mundiais de café, na América do Sul, os Estados Unidos decidiram procurar solução para o problema e mandataram dois investigadores para o fazer.

A dupla de norte-americanos – um deles, Frederic Wellman, nascido quando os pais viviam em Angola – acabaram em Oeiras, por razões que Vítor Várzea diz não constarem nos relatos da época, e a concluir que a estrutura que se propunham criar já existia nos arredores de Lisboa.

Um acordo entre os dois países firmado logo na altura permitiu construir o complexo que prevalece no vale, junto à ribeira de Oeiras, à exceção do edifício de serviços de apoio e laboratório, inaugurado em 1991.

Poucos anos depois já saíam do CIFC, para os países produtores, sementes de plantas resistentes à ferrugem, poupando os agricultores e o ambiente aos custos dos pesticidas usados quando a praga se instala para que as colheitas não se percam.

Na Colômbia, aconteceu mesmo que, quando a doença chegou, já havia cafezais resistentes ao fungo, resultantes de sementes enviadas de Portugal, uma atitude preventiva que Vítor Várzea reputa de “inédita”.

A história do CIFC é constituída por vários episódios curiosos, começando logo pela verba que permitiu a sua construção, proveniente do Plano Marshall com que os Estados Unidos financiaram a reconstrução da Europa depois da II Grande Guerra Mundial.

Ainda antes, já a Índia, de relações cortadas com Lisboa devido ao conflito sobre as colônias portuguesas naquele subcontinente, era para Lisboa que mandava os cafeeiros infectados com ferrugem, através dos Estados Unidos e da Etiópia.

Outro conflito terá estado na gênese do centro, esse resultante de uma mistura de diferendos políticos agravados pelo parentesco. Branquinho Oliveira era opositor ao regime do primo Salazar, pelo que estava impedido, apesar de ser professor catedrático, de lecionar na universidade, razão pela qual o ditador o terá “deportado” para a estação de investigação de Oeiras.

O gesto de perseguição acabaria por ter o resultado conhecido: o “coração” do café persiste e recomenda-se na quinta de Oeiras.

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