Inquilinos acusam senhorios de “exploração mafiosa” de vulnerabilidades de imigrantes

Da Redação com Lusa

A Associação de Inquilinos Lisbonense (AIL) disse que há proprietários que “exploram de forma mafiosa” as vulnerabilidades dos imigrantes, enquanto a Associação Lisbonense de Proprietários (ALP) de imóveis alertou que aluguel sem contrato é “algo muito prejudicial” para senhorios.

Para a Associação dos Inquilinos Lisbonenses, há “discriminação” da comunidade imigrante no acesso ao arrendamento, “racismo camuflado” e exploração das vulnerabilidades dos imigrantes da parte de senhorios, “de uma forma mafiosa e desumana”.

Segundo a AIL, os problemas de que padece a comunidade de inquilinos brasileira são transversais aos restantes imigrantes, mas, mesmo assim, a sua situação “não é tão má quanto, por exemplo, a da comunidade africana e asiática”, até “do ponto de vista da discriminação”.

Em declarações à Lusa, Luís Mendes, da AIL, especificou: “O brasileiro, como geralmente não é negro e fala português relativamente bem, neste conjunto dos imigrantes, não sofre tanto”.

No caso dos imigrantes brasileiros, há exploração das suas vulnerabilidades por parte de senhorios, e discriminação, sobretudo de homens e mulheres solteiros, adiantou.

Luís Mendes foi questionado pela Lusa na sequência da entrevista da presidente da Casa do Brasil em Lisboa, em que esta acusa os senhorios de discriminação de imigrantes brasileiros no acesso à habitação, da prática de arrendamentos sem contratos, de pedidos excessivos de cauções e de explorarem as vulnerabilidades dos imigrantes, levando-os a pagar camas em quartos partilhados com desconhecidos ou a ficarem a viver na rua.

A Lusa questionou, igualmente, a Associação Lisbonense de Proprietários, tendo o seu presidente, em resposta por escrito, declarado que aquela entidade nunca teve “qualquer indicação de queixas relativamente a inquilinos brasileiros”.

“Os nossos serviços nunca receberam qualquer queixa e temos muitos casos de contratos de arrendamento celebrados com cidadãos brasileiros”, sublinhou Menezes Leitão.

O responsável da mais antiga associação de proprietários de imóveis garantiu, também, que a “Casa do Brasil nunca” comunicou à ALP “qualquer informação” relativa a discriminação de brasileiros no acesso ao arrendamento e pedidos de um número elevado de rendas antecipadas pelos senhorios, que os imigrantes não podem pagar.

Mas, relativamente ao caso apontado pela presidente da Casa do Brasil na entrevista à Lusa, em que foram pedidas 12 cauções a uma imigrante brasileira, que solicitou empréstimo bancário para as pagar, recorrendo posteriormente a apoio daquela instituição, Menezes Leitão alertou que “é ilegal”.

“Uma antecipação de renda desse montante é ilegal e naturalmente que não pode ser praticada”, afirmou.

Quanto aos arrendamentos sem contrato celebrado, outro aspeto apontado pela presidente da Casa do Brasil como uma prática entre os senhorios relativamente aos imigrantes brasileiros, deixando-os numa situação de vulnerabilidade, o presidente da ALP avisa que pode ser “algo muito prejudicial” para o próprio dono do imóvel.

“Não só essa situação constitui fraude fiscal, como a lei não lhes permite recorrer nesse caso ao Balcão de Arrendamento e atribui ao inquilino um direito ao arrendamento se ficar seis meses no imóvel sem contrato celebrado”, alertou.

“Se algum proprietário entrar nesse esquema será altamente prejudicado”, concluiu.

Sobre a sobreocupação de imóveis por imigrantes, a associação assegurou que não tem conhecimento de casos em que os proprietários tenham feito arrendamento com quartos partilhados.

As situações de “sobreocupação de imóveis” de que teve conhecimento foram por notícias de jornais, casos que se referiam “a contratos celebrados por arrendatários, não por proprietários”, realçou o presidente da associação que representa os senhorios.

Para Luis Mendes, a condição do português “já é muito má” face à situação que hoje se vive no mercado de arrendamento, em que há uma oferta “muito, muito escassa” e, por outro lado, a procura “não para de aumentar”. Agora, imagine-se a situação do imigrante, quando aquela situação “adensa as desigualdades” e “agudiza a crise” do arrendamento, frisou.

“Eles [imigrantes] têm, para além de pagarem as cauções – de pagar adiantado, às vezes, seis meses -, de apresentar um conjunto de documentação, considerada abusiva da nossa parte, muitas vezes também têm que se fazer acompanhar de um fiador, para garantir que numa situação de fragilidade no trabalho podem continuar a pagar a renda. [E, com tudo isto] acabam por ter de partilhar muitas vezes (…) casa uns com os outros”, acrescentou.

Mas, para o responsável da AIL, o maior problema para os imigrantes em geral é que há senhorios que exploram as suas fragilidades, do ponto de vista da autorização de residência e da nacionalidade, “às vezes de uma forma mafiosa, altamente especulativa e muito desumana”.

Questionado sobre o que quis dizer com intenção mafiosa, o responsável da AIL afirmou que “há uma intenção quase criminosa [dos senhorios], porque o aumento da renda não respeita a lei, muitas vezes é uma situação informal, não há contrato, é um arrendamento ilegal, portanto não há descontos para a Segurança Social”.

O que também permite que não exista nenhum tipo de regulação e as rendas podem aumentar “de uma forma completamente obscena”, acrescentou.

Queixa crime

A brasileira Paola Perotto, 29 anos, imigrante brasileira há um ano em Portugal, assegura que vai apresentar “queixa-crime” contra a anterior senhoria por não lhe devolver a caução do aluguel de um quarto, sem contrato.

Em declarações à Lusa, na rua onde fica o café onde trabalha e de onde leva para casa 670 euros de salário limpo ao fim do mês, bem no coração do Bairro Alto, em Lisboa, a jovem relatou as experiências vividas na procura de casa para arrendar e contou o dinheiro perdido, além do que se prepara para gastar em prol do que considera “o certo de se fazer”.

“Perdi os 300 euros até agora [de caução não devolvida pela antiga senhoria]. E se eu for dar seguimento à queixa-crime, aí eu tenho que ter mais um gasto com advogado. Mas acho que é o certo de se fazer”, afirmou.

Alguns meses depois de chegar a Portugal, Paolla Beatriz Perotto separou-se do companheiro com quem vivia e enfrentou a necessidade de avançar sozinha para a procura de casa e numa corrida contra o tempo, desafio que diz ter sido bem mais difícil do que arranjar emprego, quando chegou como imigrante.

“Foi fácil arranjar emprego, porque já conhecia pessoas do Brasil que também viviam em Lisboa”, explicou.

Já a casa, ou quarto, procurou-os em sites e redes sociais e viu de tudo nos anúncios.

“Tem quartos (..) com várias camas no mesmo quarto num valor assim muito alto. Você vai dividir o quarto com pessoas desconhecidas e ainda vai pagar 400 euros de renda. É um absurdo”, referiu.

No seu caso, conseguiu, em dez dias, “um quarto único dentro de uma casa” de família que não conhecia, nos Anjos, em Lisboa, que “até é uma boa zona”.

“O valor é isso, 400 euros, ainda mais o pedido de caução e etc e contas, que também não é lá a melhor coisa, tendo em vista o salário mínimo daqui, mas é o que, enfim, a gente encontra. Eu ganho 760, mais os descontos de contrato dá 670 euros”, contabilizou.

Os 270 euros com que ficava não lhe davam para uma vida tranquila. Por isso, arranjou “trabalhos extras”.

Na altura em que alugou o quarto, a senhoria pediu-lhe duas rendas antecipadas para um quarto sem contrato, mas, como Paolla disse que não tinha, baixou para uma renda antecipada e negociaram que mesmo essa seria paga faseadamente.

Um mês e meio depois, a jovem conseguiu um lugar melhor para viver: “Um pouquinho mais barato, para dividir com uma amiga, que seria mais viável para mim. E avisei ela [antiga senhoria] uns dias” antes, contou.

O problema começou aí: “ela falou já de cara que não tinha o dinheiro para me devolver e que se eu conhecesse alguém precisando de um quarto, podia indicar para ir morar lá e aí já combinar direto com uma pessoa para eu receber o valor da caução”.

A senhoria acabou por lhe propor devolver a caução de forma parcelada também, enquanto não encontrasse ninguém para o quarto, o que Paolla aceitou e considerou até justo.

Porém, saiu do quarto no último dia de agosto, enviou mensagem, insistiu, mas, quando finalmente a senhoria respondeu, foi para dizer que “não ia fazer a devolução da caução”, porque era responsabilidade de Paolla encontrar alguém para alugar o quarto, o que esta achou “um absurdo”.

Paolla tem a noção que não vai ser fácil recuperar o dinheiro, porque o quarto foi arrendado sem contrato, mas pediu apoio jurídico à Casa do Brasil, na esperança de que se faça justiça.

“Não tem exatamente uma lei ou alguma coisa que ampare essa situação”, admitiu, explicando que o procedimento que lhe foi recomendado passa pela apresentação de uma queixa-crime na polícia, tendo a senhoria um prazo para devolver a caução ou tentar uma negociação.

“Se ela não responder, não quiser, ainda assim, aí a gente dá sequência, jurídica, né? Aí, a queixa-crime vai para processo”, disse.

No apartamento onde agora vive com a amiga, Paolla sente-se mais feliz: “É mais um pouco de espaço, de liberdade”. Ainda assim, as duas amigas fizeram da sala um quarto “para conseguir colocar mais uma pessoa”, porque estava difícil suportar a renda.

Deixe uma resposta

%d blogueiros gostam disto: