Pianistas portugueses encantam público na Sala São Paulo

ESPECIAL ENTREVISTA

Por Eulália Moreno
Para Mundo Lusíada

Bernardo Sassetti, Mario Laginha e Pedro Burmester. Foto: Desirée Furoni

No corredor que dá acesso aos camarins “vip” da Sala São Paulo aguarda-se a chegada dos três melhores pianistas portugueses da atualidade que, dentro de duas horas, subirão ao palco para a terceira apresentação do espetáculo “Três Pianos”, que regressa nos próximos dias 20 e 25 ao Centro Cultural de Belém, em Lisboa, onde estreou em 2005. Lá fora, na praça Julio Prestes, muitos lamentam os ingressos esgotados. “No primeiro dia sobraram alguns lugares, ontem esteve lotado e hoje posso dizer que está super lotado porque tem muita gente aqui que não vai conseguir entrar”, informa o segurança.
O convite ao trio foi feito pela Orquestra Sinfonia do Estado de São Paulo (OSESP) e anunciado na sua revista, com toda a pompa e circunstância, em  artigo assinado pelo musicólogo brasileiro Zuza Homem de Mello que não poupou rasgados elogios aos três, “brilhantes portugueses”, comparando-os na determinação aos “navegadores lusitanos” ao decidirem levar a cabo a empreitada de tocarem em três pianos ao mesmo tempo.
E foi o almoço com esse mesmo Zuza Homem de Mello o responsável pelo atraso de Bernardo Sassetti, Mario Laginha e Pedro Burmester para a entrevista exclusiva com o Mundo Lusíada. Apenas a Globo News fez uma matéria televisiva com eles, transmitida para subscritores de televisão a cabo.
“Nos perdemos, desculpe, nos perdemos na conversa com o Zuza. Acredita que ele nos disse que a música ‘Rosa’ de Pixinguinha que incluímos no nosso roteiro destas apresentações em São Paulo, é o lado B, de ‘Carinhoso’? Por isso é que a música brasileira é a melhor música do mundo, com lados B como estes… Olá, eu sou o Pedro!”.
Pedro Burmester nasceu em 1963 no Porto onde  foi discípulo de Helena Sá e Costa até aos 20 anos quando partiu para os Estados Unidos e foi aluno de Sequeira Costa e Dmitri Paperno. Convidado para tocar em festivais e ao lado das melhores orquestras consagrou-se internacionalmente na França, Itália, Espanha e Alemanha. Tem vários discos gravados com obras de Bach (“se tivesse de eleger o maior compositor de todos os tempos seria Bach”), Beethoven, Schubert, Schumann e Chopin. Foi professor durante 10 anos na Escola Superior de Música e Artes do Espetáculo do Porto e dos “Três Pianos” é o clássico que gosta do jazz.
“Eu sou o Laginha!” Nascido em 1960, pianista e compositor da área do jazz decidiu-se pela carreira depois de ouvir Keith Jarrett. Frequentou o Conservatório, tocou em hotéis até integrar-se no quinteto da cantora Maria João com quem gravou dois discos em 1980 e com a qual apresentou-se recentemente em Brasília. Em 1987 foi considerado pela crítica como o melhor músico de Jazz português. Gravou em 1993 com Pedro Burmester “Duetos” e desde 1999 se apresenta também com Bernardo Sassessti com quem tem dois discos gravados, um deles “Grândolas” de 2004, comemorativo dos 30 anos da Revolução dos Cravos.
Mundo Lusíada: Como surgiu a idéia desse projeto dos “Três Pianos”?
“Nós já estávamos habituados a tocar em duetos, eu com o Pedro ou com o Sassetti, e um dia a nossa produtora, Olga Carneiro, nos perguntou por que não tocávamos em trio o que seria uma novidade no jazz e na música clássica. O pianista é individualista. Cumpre a sua função de forma solitária. Foi um desafio conseguirmos um equilíbrio a três. Primeiro problema que nos surgiu de imediato: onde teremos salas com três pianos de cauda onde possamos nos apresentar?”, conta Mario.
ML: “E para ensaiar”?
“Temos um amigo nosso em Lisboa que tem um armazém de pianos para serem consertados, ele nos deixa ficar por lá, deixa-nos uma data de pianos à disposição”, responde Burmester.
“Olá , eu sou o Bernardo!”. O que chega por último é Bernardo Sassetti, o mais jovem dos três, cuja família foi proprietária da gravadora Sassessti responsável pelo lançamento das chamadas “músicas de intervenção” nos anos que antecederam o 25 de Abril. “Aí veio a Valentim de Carvalho, globalizou e acabou com a gravadora”, diz Bernardo enquanto afasta os longos cabelos do rosto.
Tal e qual Pedro, a sua iniciação nos estudos do piano foi clássica mas aos 17 anos dedicou-se  profissionalmente ao Jazz com o quarteto de Carlos Martins e o Moreiras Jazztet. Participou em inúmeros festivais e apresentou-se por todo o mundo integrado na United Nations Orchestra e no quinteto de Guy Barker com o qual gravou o CD “Into the blue” (Verve), nomeado para os Mercury Awards 95-Ten álbuns of the year. Dedica-se regularmente à música para cinema, tendo realizado vários trabalhos, dentre os quais se destaca a sua participação no filme do realizador Anthony Minguella – “O Talentoso Mr. Ripley” (Paramount/Miramax) e no filme português “Alice”, de Marco Martins.
Os três consideram-se “Irmãos da Música”. “Nos damos bem, gostamos uns dos outros. Para que se faça boa música é fundamental esse prazer de tocarmos juntos. Há egos, porque nesta profissão é impossível não haver, mas sentimo-nos confortáveis com os egos uns dos outros”, diz Pedro.

Dedicatória assinada pelos pianistas portugueses ao Mundo Lusíada.

ML: Como é que chegam à escolha do repertório?
“São ideias que vão surgindo, gostos de cada um… a música é para nós tão necessária quanto o ar que respiramos. Nela está a nossa alma, a nossa portucalidade. Para estas apresentações no Brasil, incluímos alguns compositores brasileiros, nada a ver com Lusofonia pois a música é universal, não tem língua. Incluímos Gismonti, Pixinguinha e Villa-Lobos porque gostamos deles como de Guarnieri, Jobim, Chico Buarque, Gil e os irmãos Caymmi. O meu maior sonho seria fazer uma parceria com Chico mas, se calhar, ele não está virado para isso”, lamenta Bernardo.
“Gosto do que Lenine e Moreno, o filho do Caetano, andam a produzir. A música brasileira nos chega a Portugal com todas as suas formas e cores. Com certeza, bem mais do que a música portuguesa chega ao Brasil. Ouço tudo, adoro tudo”, diz Mario.
É hora de irem até o palco da sala ainda vazia. Os pianos em forma de estrela de três pontas já estão afinados, o técnico de luz Miguel Ramos e o de som Nelson Carvalho fazem os últimos ajustes. Descontraídos, retornam aos camarins para trocarem de roupa: os ternos sóbrios tomam o lugar dos “jeans” e das camisas esportes. Alguns momentos de solidão fazem-se necessários para a concentração.
A Sala São Paulo começa a ser preenchida com rapidez e ao terceiro sinal, os três adentram o palco e tomam os seus lugares. Durante o espetáculo eles farão um rodízio em torno dos três pianos, em solos, em três duos ou no trio completo.
O “Perpetuum Móbile” de Bela Bartók, duas peças da Suíte Souvenirs Opus 28, “Pas de Deux” e “ Hesitation Tango” de Samuel Barber e “Tema para uma Leitura Encenada” de Bernardo Sassetti arrancam calorosos aplausos do público. E é o autor desse tema de uma peça sobre Frei Luis de Souza de Almeida Garrett quem se dirige ao microfone para dizer da grande alegria de estarem pela primeira vez naquela sala tão bonita, sendo tratados de forma tão profissional, e quando fala sobre a primeira peça executada de Bartók, em português, “Movimento Perpétuo” ele próprio não se contém e arranca gargalhadas da platéia ao dizer que “se fosse perpétuo nós estaríamos a tocar até agora”.
“Frevo” de Egberto Gismonti, “Variações Goldberg “de Johann Sebastian Bach e “Vijag” de Alan Hovhaness antecedem o breve intervalo. No retorno “Rosa” composta por Pixinguinha em 1917 arranca suspiros da platéia que resiste para não aplaudir logo nos primeiros acordes e “Bachianas Brasileiras nº 4” de Heitor Villa-Lobos dão o mote para Burmester: “Estamos muito atentos ao que se fêz e faz na música brasileira, genuína e verdadeira. Tocaríamos esta música em qualquer lugar do mundo porque é a melhor música”. “Traz Outro Amigo Também” de José Afonso e “Um Choro Feliz” de Mario Laginha antecedem o grande final com o “Bolero” de Maurice Ravel.
Ao meu lado, Juliana Rohowsky que veio de São José dos Campos (90 km da capital) especialmente para assistir o recital não se cansa de aplaudir e confessa nunca ter assistido a algo tão sublime. A platéia pede “bis” e os três retornam ao palco para interpretarem uma composição de Sassetti, “Prelúdio Baião”.
No andar térreo da Estação Julio Prestes, as pessoas tentam adquirir o Dvd e o Cd dos “Três Pianos”. Esgotados. Começa a formar-se a fila dos autógrafos, Bernardo, Pedro e Mario ocupam os seus lugares para receber os cumprimentos e tirarem as habituais fotos e ouvirem os comentários que vão desde “vocês são maravilhosos” a “estou em êxtase”. Um quarto pianista, brasileiro, André Mehmari, aguarda pacientemente a sua vez de abraçar os colegas portugueses que o recebem com grande alegria. Um dia destes, os Três Pianos, passarão a ser Quatro. Difícil será existir uma sala que comporte tanto talento num mesmo palco.

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