Jochen Volz e as trocas internacionais (Brasil-Portugal) na arte da Pinacoteca

Por Ingrid Morais

Jochen Volz  é Diretor Geral da Pinacoteca de São Paulo. Foi curador do Pavilhão do Brasil na 53a Biennale di Venezia em 2017 e curador da 32a Bienal de São Paulo em 2016. Foi Diretor de Programação da Serpentine Galleries em Londres (2012 a 2015), Diretor Artístico do Instituto Inhotim, Minas Gerais (2005 a 2012) e curador do Portikus, em Frankfurt, Alemanha (2001 a 2004).

Foi co-curador da mostra internacional da 53ª Bienal de Veneza (2009) e da 1ª Aichi Triennial, em Nagoya, Japão (2010) e curador convidado da 27a Bienal de São Paulo (2006), entre outras colaborações em exposições em escala internacional. Possui mestrado em História da Arte, Comunicação e Pedagogia pela Humboldt Universidade de Berlin (1998).

Mundo Lusíada: A Pinacoteca tem um compromisso com a história brasileira, mas também prioriza as trocas internacionais. Como a programação vem tratando a forte relação entre Brasil e Portugal?

Jochen Volz: Ela é presente pelo histórico da Pinacoteca, obviamente. Vários artistas brasileiros foram como viajantes para a Europa e se formaram em Portugal. E vários artistas portugueses também vieram como viajantes ao Brasil. Há uma relação muito forte e temos trabalhado isso em alguns casos. A relação da língua facilita diálogos e destaco a exposição “Desobediências Poéticas” da Grada Kilomba que realizamos em 2019, uma grande filósofa, escritora, poeta e artista visual de origem portuguesa. Foi possível trazer essa discussão pra cá também pela proximidade idiomática.

ML: Hoje comemoramos o Dia Internacional da Mulher e a programação da Pinacoteca parece destacar relevantes pautas sobre gênero. De que forma o senhor vê o papel da mulher dentro do cenário cultural?

JV: Essa é uma boa pergunta. É bom refletir a partir da data de hoje, mas temos feito durante os últimos anos um esforço para repensar a presença de artistas mulheres no acervo e na programação. Em 2015 tivemos uma importante exposição que olhava principalmente para artistas mulheres da virada do século XIX – início do século XX e que estão em nosso acervo. Embora contemple uma porcentagem relativamente pequena, estamos trabalhando sistematicamente em nossa programação e em novas aquisições a fim de corrigir esse desequilíbrio. A programação deste ano será dedicada à diversidade das artistas mulheres: negras, indígenas, de múltiplas nacionalidades.
Abrimos o novo equipamento, a Pinacoteca Contemporânea, com “Quase coloquial”, a primeira grande mostra da artista sul-coreana Haegue Yang.  Ao final de junho traremos para um individual na Pinacoteca a argentina Marta Minujín, uma das artistas mais importantes dos século XX e XXI. Para a  Pinacoteca Contemporânea traremos uma das mais interessantes artistas chinesas, Cao Fei –  que tem uma produção incrível, uma das vanguardas de produção digital e de audiovisual. Abriremos uma mostra da Regina Parra, outra da saudosa Maria Leontina, importante artista do movimento moderno do século XX no Brasil. Teremos muitas novidades na programação dedicadas às artistas mulheres. O importante é que não para aí. Temos questões de reflexões dentro da instituição. Hoje aproximadamente 2/3 da equipe de coordenação da Pinacoteca é ocupada por mulheres, o que nos possibilita pensar outras histórias que não foram contadas.

ML: Em 4 de março, tivemos a inauguração da Pina Contemporânea, um museu pensado para os nossos dias, favorecendo a arte contemporânea. Na sua opinião, é possível falarmos em uma arte estritamente brasileira em tempos de globalização? E o que tivemos de mais moderno nas artes na última década?

JV: Nos dedicamos a pesquisar, colecionar, divulgar e refletir sobre a arte brasileira em diálogo com as culturas do mundo. É muito difícil dizer que há uma produção genuinamente brasileira porque os artistas viajam, leem, acompanham nas redes sociais a produção de outros artistas dentro e fora do país. Acho que tem questões da produção brasileira que são muito fortes e recorrentes. Aqui temos muitos artistas interessados em derrubar essas separações entre o popular e o acadêmico e que se tornam ainda mais interessantes quando situadas em um diálogo internacional.

Por exemplo, quando realizarmos uma mostra de diversos artistas com obras do próprio acervo em diálogo com a produção de uma sul coreana que utiliza objetos do cotidiano e os transfere para dentro do espaço da arte, da galeria, fazendo essa apropriação ou deslocamento de algo que tem uma vida no nosso dia a dia: varal de roupa, persiana… e transformando em escultura. Isso Cao Fei  faz com uma linguagem muito própria, mas são operações, estratégias, que tem diálogos fortes na produção brasileira. Para nós é interessante inclusive sugerir outras possibilidades de pensar e novas formas de formalização.

As caixinhas não são mais tão interessantes. A ideia de dizer  “-esse artista tem uma formação acadêmica”, “-esse é popular” ou “-isto é arte de rua” e “-aquilo é arte de museu” já não pega mais. Tudo isso graças ao esforço coletivo de muitas pessoas, dos artistas, das instituições e da reflexão crítica, pois essa ideia de classificar não acrescenta, pelo contrário, ela nos tira possibilidades de diálogos. É o que aconteceu no cenário institucional, na prática de muitos artistas e no próprio mercado. Hoje vemos a crescente presença de grupos que antigamente foram marginalizados: artistas negros, indígenas, mulheres… A própria autoria também mudou. Essa ideia mais romântica de “artista gênio” que a partir do ateliê produz sozinho, assina e só é original quando é desse artista. As coisas tem uma produção mais complexa. Percebemos que artistas trabalhavam coletivamente, numa situação de ateliê ou em colaboração com outras pessoas por muito tempo e que uma obra de arte não será menos valiosa porque foi pintada com a colaboração de assistentes. Nesse sentido inauguramos no sábado a exposição de Chico da Silva. Uma figura fantástica, autodidata que no Ceará, em Fortaleza, começou a pintar nos muros da cidade e de repente foi descoberto por um artista viajante, depois parou, criou um ateliê e de repente tinha muita gente fazendo Chico da Silva. Quando se comenta “–ah, mas ele trabalhou com outros…”, pois então vamos falar dos outros também. Essa exposição que fizemos não desqualifica o seu trabalho por ter sido realizado em colaboração com outros, mas sim, mostra como alguém transformou a produção local surgindo a partir daí uma pequena economia. Poder falar disso é uma coisa que há 15 anos era impensado.

ML: Como o senhor acha que influenciou a sociedade e a cultura ocupando a posição de Diretor Geral da Pinacoteca?

JV: O mais importante que fazemos trabalhando com arte é estarmos próximos dos artistas. Os artistas levantam questões na produção muitas vezes antes de todo mundo perceber. Eles colocam questões em pauta que talvez a sociedade nem enxergou ainda. É um privilégio estar perto dessa produção, dessa reflexão, e até mesmo do ateliê. Através dessa convivência e na função de diretor é possível pautar algumas questões dentro da instituição. O papel que precisamos fazer o tempo inteiro na instituição é o de pensar “que tipo de museu nós queremos e desejamos ser”.

Se somos um museu de arte brasileira, temos que refletir qual história da arte brasileira desejamos contar e assim, mostrar nossas lacunas, as falhas, um passado muito europeu, masculino e acadêmico. Refletir e a partir disso, tomar lições para mudanças. Desejamos ser além de um container de uma coleção, queremos promover discussões e trazermos acessibilidade a todos, promovendo outros contatos para públicos que talvez nunca estiveram em museus, que nunca se entenderam como verdadeiros usuários. Na Pina Contemporânea criamos uma tipologia de museu que te permite passear no Parque da Luz, e talvez ver uma grande abertura e sem perceber, estar no meio do museu. Um dos meus papeis no caso foi junto com uma equipe desenvolver um programa para o novo prédio que permite que pessoas, inclusive involuntariamente, entrem no museu. Esse contato é o nosso papel de transformar a sociedade. A gente precisa de arte e cultura, obviamente, para se reconhecer, para entender que país é esse, qual é a nossa cultura e quais futuros a gente deseja imaginar.

Entrevista realizada em 8 de março de 2023.
Ingrid Morais é Comunicadora e Advogada especialista em Entretenimento e Mídia.

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