Em visita ao Brasil, Rei de etnia angolana passa por Rio, Bahia, São Paulo e Santa Catarina

Da Redação com agencias

Esteve em visita ao Brasil o rei Tchongolola Tchongonga-Ekuikui VI, o 37º soberano do reino subnacional do Bailundo, localizado na região central de Angola. O reino foi criado por volta de 1700 e já teve status de independente. Atualmente, não é reconhecido como um estado, apesar de o rei ter influência sobre a comunidade tradicional local.

No último dia 7, a Pequena África, região portuária do Rio de Janeiro repleta de traços da chegada e da herança de africanos escravizados durante a colonização portuguesa, foi cenário da visita do líder Ekuikui VI.

A visita à região onde fica o Cais do Valongo – porto pelo qual se estima que tenham chegado ao Brasil cerca de um milhão de africanos escravizados, grande parte deles de onde hoje é Angola – é um marco simbólico da primeira viagem do rei ao país. De acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), 56% da população do país se considera negra – denominação que inclui pretos e pardos.

“É a razão de estarmos aqui. Temos muito trabalho aqui no Rio de Janeiro. Visitar os nossos irmãos e reduzir um bocado da saudade que o oceano, ao longo de muito tempo, não permitiu”, disse.

Apesar de o português ser o idioma oficial em Angola, Ekuikui VI fez questão de conversar com jornalistas em umbundu, a segunda língua mais falada no país africano. O embaixador do reino, Castelo Ekuikui, atuou como intérprete.

Ancestralidade
O líder tradicional angolano explicou que a visita é uma forma de cumprir um desejo de ancestrais. “Desde sempre os nossos ancestrais sonharam visitar o Brasil para uma visita aos seus filhos que foram retirados da África de uma maneira muito brutal”, explicou.

Ekuikui VI ressaltou que a viagem é também para explicar que os negros escravizados trazidos para o Brasil “não são filhos de escravos, são filhos de reis e rainhas da África”.

Outro objetivo da passagem pelo Brasil é “constatar o que foi preservado de hábitos e costumes da África, de Angola e do nosso reino. Hoje, o Brasil é uma grande nação porque, na verdade, os africanos escravizados fizeram muito trabalho, e os seus descendentes continuam a trabalhar”, disse o rei do Bailundo, que lembrou que o Brasil foi o primeiro país a reconhecer a independência angolana, em 1975, após séculos de controle português.

Resistência e herança
Referência em assuntos ligados à identidade e resistência da população negra, o babalaô Ivanir dos Santos se encontrou com Ekuikui VI em um evento no Museu da História e da Cultura Afro-Brasileira (Muhcab).

“Para nossa dignidade, nossas resistências, nossa comemoração, [essa visita] é muito significativa. O maior herói nacional negro é Zumbi dos Palmares, [ele] é de origem bantu. O rei é de um tronco bantu”, disse à Agência Brasil, referindo-se ao tronco linguístico relacionado a diversas etnias africanas.

“É uma boa sinalização para se pensar o Brasil com mais diversidade, com mais respeito”, afirmou o sacerdote, que citou influências africanas na cidade. “A marca da cultura do Rio de Janeiro é dessa cultura africana, seja o samba, a capoeira, o jongo ou o delicioso angu”, especificou.

Pequena África
Além do Muhcab e do Cais do Valongo, a região da Pequena África reúne pontos com a marca da ancestralidade africana. Um deles é o Cemitério dos Pretos Novos, onde eram despejados corpos de escravizados que morriam durante a travessia do Oceano Atlântico ou logo que chegavam ao novo continente.

Outro lugar de referência é a Pedra do Sal, onde existe uma comunidade quilombola. Os primeiros terreiros de candomblé da cidade foram fundados nas imediações da Pedra do Sal.

A visita ao Rio, que inclui conhecer o Complexo de Favelas da Maré, na zona norte, e o Quilombo do Camorim, na zona oeste, foi promovida pela empresa de comunicação DiversaCom em parceria com o centro de estudos UNIperiferias. No fim de outubro, a comitiva esteve em São Paulo e Santa Catarina, além da Bahia.

São Paulo

No último dia 10, o prefeito de São Bernardo do Campo, Orlando Morando, recebeu na Chácara Silvestre – gabinete do Executivo Municipal –, a visita do Rei Tchogolola Tchongonga Ekuikui VI, quando conheceu a história do casarão, residência de verão da família de Wallace Simonsen, um dos líderes do movimento de emancipação de São Bernardo e o primeiro prefeito da cidade, entre 1945 e 1947.

Um dos principais objetivos da visita do soberano angolano à São Bernardo foi conhecer como o município tem desenvolvido ao longo dos anos políticas públicas de combate ao racismo. “O racismo ainda divide o povo brasileiro e é louvável que os administradores públicos tenham boas práticas em suas cidades. Digo sempre que é uma luta que deve ser travada com sabedoria. Que os fazedores das leis tragam propostas concretas sobre o tema para reparar algo que vem de vários séculos”, analisou o Rei  Ekuikui VI.

Morando ressaltou que a visita do Rei angolano é um marco histórico para São Bernardo e que serve de reflexão neste mês em que é celebrada a Consciência Negra. “A vinda da Sua Majestade é de suma importância para se reparar a dívida que o Brasil tem com Angola, porque mais de 60% dos escravos, à época, vieram de Angola e, em especial, da sua etnia”.

Segundo a imprensa, o rei esteve ainda no Mosteiro de São Bento, visitou o barracão da Escola de Samba Independente Tricolor, e o Centro Cultural Chico Science, na zona Sul da capital paulista, numa visita a convite do Centro Cultural Casa de Angola em São Paulo.

UFSC

O rei angolano participou de uma série de atividades na Universidade Federal de Santa Catarina em 31 de outubro. A visita fez parte do evento 48 anos de Independência de Angola – quais caminhos e perspectivas seguir?, que prossegue até dezembro com seminários, atividades esportivas e celebrações que abordam questões culturais, linguísticas e históricas relacionadas a Angola, na universidade.

A visita começou pelo Núcleo de Estudos de Identidades e Relações Interétnicas (Nuer). Depois, no Instituto Kadila, foi oferecido um café com comidas típicas do Brasil, salgados e doces. Em seguida, Ekuikui VI concedeu uma entrevista coletiva de mais de uma hora, na qual falou sobre política e laços de Angola com o Brasil.

Por fim, o rei participou da abertura do evento sobre a independência de Angola no Auditório do Centro de Filosofia e Ciências Humanas (CFH), onde foi aclamado pelo público. O auditório ultrapassou sua capacidade máxima, e várias pessoas acompanharam o evento pelo lado de fora, em um telão.

Para receber o monarca, foi necessário seguir alguns protocolos. Era proibido tocá-lo, além de ser preciso um guia do gênero masculino para acompanha-lo pela universidade.

O rei Ekuikui VI esteve em Santa Catarina até 2 de novembro, participou de eventos culturais e encontros com representantes do movimento negro e organizações da sociedade civil para debater iniciativas de promoção da cultura africana no Brasil. A visita também busca contribuir para estudos sobre a cultura africana, que está presente de várias formas na sociedade brasileira, por meio de ritmos, tradições e cultura angolana, segundo UFSC.

O Reino do Bailundo foi Estado pré-colonial africano dos povos Ovimbundos e surgiu no Planalto Central de Angola em meados de 1700. A região possuía autoridade tanto política quanto econômica, abrangendo as províncias do Huambo, Benguela, Kwanza Sul, Bié e uma parte da Huíla.

Foto UFSC

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