Intencionalmente mal colocado

Confesso, e com sinceridade, que não imaginava ter de vir a gastar o meu tempo e a ocupar as linhas dos meus textos com intervenções do Ministro Miguel Relvas, mas a verdade é que ele desempenha funções públicas, de molde que, em situações extremas, lá tenho que vir a terreiro esclarecer mais algumas erradas tomadas de posição do político laranja.

Hoje, tanto tempo já passado sobre o gizamento das listas de candidatos a deputados à Assembleia da República por Manuela Ferreira Leite, então a liderar o PSD, compreende-se melhor a sua decisão desse tempo de excluir das mesmas, entre outros, Pedro Passos Coelho e Miguel Relvas. E neste aspeto é sempre essencial não esquecer que a montante de Manuela Ferreira Leite se encontraram personalidades muito cimeiras da nossa vida pública e académica, e até em tempos políticos muito diversos e num longuíssimo período histórico.

Ora, nesta segunda-feira, estando no Brasil, Miguel Relvas veio invetivar o PS de António José Seguro, pedindo-lhe que apresente alternativas ao explicado na passada semana pelo Primeiro-Ministro, Pedro Passos Coelho, e que levantou o País, e de um modo quase universal, por via de um coro de críticas e de recriminações as mais diversas.

Embora reconheça tratar-se de um aspeto marginal, mais formal que substantivo, a verdade é que o Governo, neste tema de declarações sobre casos políticos nacionais abordados no estrangeiro, tem membros para todos os gostos, e que vão de Paulo Portas, recatadíssimo, até Miguel Relvas, desabridíssimo.

Infelizmente para Miguel Relvas, e para o Governo que persiste em mantê-lo como seu membro, a invetiva que fez, lá pelo Brasil, ao PS de António José Seguro constituiu-se num problema intencionalmente mal colocado. Por um lado, porque em momentos específicos os dirigentes do PS apresentaram já alternativas às medidas unilateralmente tomadas por esta maioria. E quem diz PS, diz Bloco de Esquerda. Por outro lado, não é ao PS que compete formular alternativas, até porque seriam sempre recusadas, dado que a posição do PSD é ideológica, acabando mesmo por reduzir a nada a apregoada inspiração cristã com que o CDS/PP se costuma apresentar. E, por fim, o PS, se António José Seguro realmente quiser colocar-se do lado das vítimas em que os portugueses se tornaram, perante o descalabro desta governação, tem hoje todas as condições para responder a Miguel Relvas e ao Governo de que faz parte, mas de um modo demolidor e que seja claro para os portugueses.

Miguel Relvas, estranhamente, voltou a ter azar com esta sua intervenção, porque o desastre desta governação, claramente materializado no atabalhoado de ideias apresentadas pelo Primeiro-Ministro, já levou a uma clarificação deveras importante, porque António Nogueira Leite, hoje administrador da Caixa Geral de Depósitos e ex-conselheiro de Pedro Passos Coelho, mostrou, em entrevista a uma rádio, o seu limite na defesa do País: se me obrigarem a pagar mais impostos, palavra de honra que me piro.

No meio disto tudo, está a nossa dita democracia, onde o académico Francisco Louçã, que foi sempre o primeiro e mais premiado nos diversos passos da sua carreira muito brilhante, respondeu àquele seu colega: eu fico, para derrubar o Governo e atirar a Tróyka pela porta fora.

Sem que as palavras que vou escrever tenham o valor literal que pode parecer, há nestes dois gestos muito do que diferencia a deserção da resistência: o primeiro, guia-se pelo primado do dinheiro, esteja lá o País como estiver; o segundo, coloca os valores e os ideais pátrios acima do mais. O primeiro, quando olha, vê as Finanças e a Economia; o segundo, vê sempre a terra onde nasceu, com o seu povo e com a sua História de quase nove séculos. O primeiro, suporta-se no valor passageiro da riqueza e do bem-estar; o segundo, no que é perene e está para lá do secundário. Como se percebe facilmente, eu teria sempre de me colocar ao lado de Louçã e nunca de Leite. Há entre os dois um abismo que qualidade pátria. Uma qualidade que, por via de erros de fundo, rareia cada dia mais entre nós.

 

Por Hélio Bernardo Lopes

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