Sistema português é um dos mais caros do mundo e Estado falhou na gestão da floresta, diz especialista

Mundo Lusíada
Com Lusa

O presidente da unidade de missão sobre os incêndios defendeu numa tese de doutoramento que o Estado falhou na gestão da floresta e na escolha das políticas, ao apostar tudo no combate aos fogos.

“O Estado, ou não se apercebeu das dinâmicas de abandono e consequente escalada do problema do fogo (déficit de governança de risco), ou ter-se-á demitido política e operacionalmente de uma participação mais ativa na solução do problema, tanto na gestão (vejam-se a degradação das matas nacionais, comunitárias e dos parques naturais) como na consistência das políticas”, lê-se numa parte do texto de suporte da tese de doutoramento de Tiago Martins de Oliveira defendida este ano.

No texto, que suportou a comunicação apresentada num seminário promovido pelo Conselho Económico e Social (CES) em março, o especialista acrescenta que o Estado confiou que os incêndios “se resolviam com bombeiros, meios aéreos e legislação”, mas não assegurou a gestão das áreas já existentes.

Tiago Oliveira, nomeado para presidir à Estrutura de Missão para a instalação do Sistema de Gestão Integrada de Fogos Rurais, defende que o Estado, ao longo dos anos, se afastou cada vez mais da floresta e que a lógica da prevenção foi subordinada à prioridade ao combate.

Apesar dos estudos sobre êxodo rural ou dos relatórios das agências internacionais, que alertavam para o problema da acumulação do combustível, “parece ter existido um défice de governação do risco que limitou, e ainda limita, a transição florestal, estando em algumas regiões até a contribuir para uma dinâmica de intensa desarborização”, defende.

O especialista, doutorado em engenharia florestal e recursos naturais pela Universidade de Lisboa, diz que o sistema português “é hoje um dos mais caros do mundo (euros/hectare)” e que Portugal “é o país europeu com a maior incidência de fogo na área arborizada”.

“Apesar do monumental reforço da capacidade de deteção e combate a incêndios, num sistema socio-ecológico complexo, as soluções simples e tecnológicas ‘contra o fogo’ não funcionam, mesmo quando bem coordenadas. Capazes de resolver a maioria dos fogos, tornam-se quase irrelevantes para conter os poucos, mas cada vez maiores incêndios”, refere o documento.

Tiago Oliveira, considera igualmente que os responsáveis encontraram na meteorologia, nos incendiários ou na floresta “a explicação para a fatalidade do flagelo ou expiar o seu fracasso”.

Defende que os fatos e o conhecimento têm sido “substituídos por explicações superficiais, erradas e populistas, que reforçam a inércia sistémica”, e sublinha: “De um sistema simples, estruturado com um comando único evoluiu-se para um sistema complexo, tripartido, do ‘passa culpas'”.

No texto que integra a tese de doutoramento, o especialista, que pertence à Navigator (ex-Portucel), sugere a concertação de interesses, “onde os proprietários privados (que detém a maioria da área de matos e floresta) e as suas associações estejam mobilizados e a executar com escala programas de silvicultura, de gestão dos combustíveis e de ordenamento silvopastoril, criando emprego e produzindo riqueza”.

Defende que o sistema de defesa da floresta contra incêndios “está preso na armadilha do combate” e que a falta de prevenção gera acumulação de combustível que potenciam incêndios cada vez maiores e mais intensos.

Tiago Martins de Oliveira, de 48 anos, foi empossado como presidente da Estrutura de Missão para a instalação do Sistema de Gestão Integrada de Fogos Rurais, que tem como um dos principais objetivos a preparação e execução das recomendações constantes do relatório da Comissão Técnica Independente nomeada pelo parlamento.

Revitalizar o interior, valorizar a floresta e proteger

Do governo, o Primeiro-Ministro, António Costa, afirmou que os três grandes desígnios do novo modelo de prevenção e combate aos incêndios florestais são “a revitalização do interior, a valorização da floresta, e a proteção e a segurança das pessoas e dos seus bens”.

Esta declaração foi feita na tomada de posse do presidente da Estrutura de Missão para a instalação do Sistema de Gestão Integrada de Fogos Rurais, Tiago Martins de Oliveira, em Lisboa. A estrutura de missão depende diretamente do Primeiro-Ministro.

O Primeiro-Ministro recordou que a análise que a comissão técnica independente fez após o incêndio de Pedrógão Grande revelou que “era urgente introduzir uma reforma profunda no modelo de prevenção e combate aos incêndios florestais” defendendo que é tempo de executar a reforma.

A recomendação da comissão técnica tem três marcas fundamentais, defendeu António Costa. Em primeiro lugar, “integrar a prevenção e o combate aos incêndios florestais, o que implica claramente reforçar o pilar da prevenção, e dar uma nova centralidade ao Instituto da Conservação da Natureza das Florestas neste contínuo de prevenir e combater os incêndios florestais”.

Em segundo lugar, “profissionalizar e capacitar, através da introdução, em todos os níveis, do planejamento ao combate, do conhecimento, mas também a valorização profissional”. Esta valorização deve ser feita, quer através «da mobilização das estruturas que o Estado já dispõe, das suas Forças Armadas, das suas forças de segurança, mas também introduzindo novas componentes de profissionalização», referiu também.

Algo que deve ser feito “em parceria com as associações de produtores florestais e com as autarquias, e com as associações humanitárias de bombeiros voluntários, o que é imprescindível para corresponder àquela que é hoje a realidade sociodemográfica do País”, sublinhou o Primeiro-Ministro.

Em terceiro lugar, “a especialização, de forma a garantir a tendencial segmentação entre os meios que são alocados à proteção das pessoas e das povoações, missão primeira da proteção civil, e dos recursos que são alocados preferencialmente à prevenção e ao combate dos incêndios no mundo rural”, concluiu.

O número de mortos decorrentes dos incêndios que deflagraram no mês de outubro subiu para 45. A mais recente vítima mortal encontrava-se internada no Hospital da Prelada, no Porto. A secretária de Estado da Habitação garantiu, esta terça-feira, no parlamento “todo e qualquer apoio” na reconstrução das habitações afetadas pelos incêndios, indicando que estão disponíveis 5,5 milhões de euros do Programa de Financiamento para Acesso à Habitação (PROHABITA).

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