No 25 Abril, presidente diz que Portugal deve desculpa e responsabilização plena pela colonização

Mundo Lusíada com Lusa

Na sessão solene comemorativa do 49.º aniversário do 25 de Abril na Assembleia da República, o Presidente Marcelo Rebelo de Sousa defendeu que Portugal deve um pedido de desculpa, mas acima de tudo deve assumir plenamente a responsabilidade pela exploração e pela escravidão no período colonial.

Marcelo Rebelo de Sousa assumiu esta posição no seu discurso, a propósito da sessão de boas-vindas ao Presidente brasileiro, Lula da Silva, que aconteceu imediatamente antes, o que no seu entender “faz todo o sentido”, porque o Brasil “foi precursor na descolonização”.

“Também isso nos serve para nós olharmos para trás, a propósito do Brasil. Mas seria também possível a propósito de toda a colonização e toda a descolonização, e assumirmos plenamente a responsabilidade por aquilo que fizemos”, considerou.

“Não é apenas pedir desculpa – devida, sem dúvida – por aquilo que fizemos, porque pedir desculpa é às vezes o que há de mais fácil, pede-se desculpa, vira-se as costas, e está cumprida a função. Não, é o assumir a responsabilidade para o futuro daquilo que de bom e de mau fizemos no passado”, defendeu.

Segundo Marcelo Rebelo de Sousa, a colonização do Brasil também teve fatores positivos, “a língua, a cultura, a unidade do território brasileiro”.

“De mau, a exploração dos povos originários, denunciada por António Vieira, a escravatura, o sacrifício do interesse do Brasil e dos brasileiros”, apontou.

“Um pior da nossa presença que temos de assumir tal como assumimos o melhor dessa presença. E o mesmo se diga do melhor e do pior, do pior e do melhor da nossa presença no império ao longo de toda a colonização”, acrescentou.

O povo – O Presidente afirmou ainda que o povo é “o supremo senhor do 25 de Abril” e “efetivo garante da estabilidade” e que em democracia há “sempre a possibilidade de se criar caminhos diversos”.

Na sessão solene comemorativa, Marcelo Rebelo de Sousa realçou as diferentes visões que existiram logo na altura da Revolução dos Cravos e falou das frustrações dos que não viram as suas expectativas realizadas ao longo destas décadas de democracia.

“Mas este é um tempo de esperança, porque a liberdade e a democracia, mesmo quando nos trazem muitas desilusões — a sensação de tempo perdido, de adiamento — nos dão sempre a esperança que a ditadura não tolera, que é a esperança na mudança”, considerou.

“Em ditadura, ou se está pela ditadura ou se combate e se derruba a ditadura. Em democracia, há sempre a possibilidade de se criar caminhos diversos, sempre. Pode demorar tempo a surgir, podem ser insuficientes, podem ser imperfeitos, mas existem sempre, existiram sempre ao longo destes 50 anos”, acrescentou.

O chefe de Estado dirigiu-se, logo no início da sua intervenção, àqueles que “teriam preferido que não tivesse acontecido o 25 de Abril”, declarando: “A esses, cuja saudade e nostalgia se respeita, há que dizer que o tempo não volta para trás. E aquilo que veem como tendo sido o 24 de Abril em muitos dos seus traços globais verdadeiramente não existiu, é um refazer da História”.

Mais no fim do discurso, referindo-se em geral às manifestações por motivos internos e de política externa, Marcelo Rebelo de Sousa defendeu que, independentemente do “número real ou sonhado” de pessoas que juntem, “esse pluralismo é essencial, faz parte da essência da democracia”, realçando que “em ditadura nunca haveria”.

“E essa é a razão da nossa esperança, é o sabermos que verdadeiramente o supremo senhor do 25 de Abril, da democracia e da liberdade, e por isso efetivo garante da estabilidade, se chama há 50 anos povo. E o povo vai escolhendo, com sentido de Estado, com bom senso, com moderação e com boa educação, ao longo do tempo, o 25 de Abril que quer. E mudando quando entende que deve mudar, ou mantendo se entende que deve manter — nem que seja para se arrepender, por quanto inovou ou manteve algum tempo volvido”, afirmou.

Marcelo Rebelo de Sousa já tinha feito uma anterior menção à estabilidade, ao mencionar que desde o 25 de Abril de 1974 “houve presidentes de direita com governos de direita e com governos de esquerda, presidentes de esquerda com governos de esquerda e governos de direita, e houve ganhadores e perdedores”.

“E a concretização dos sonhos de cada ato eleitoral também ela foi uma concretização que muitas das vezes ficou largamente frustrada. Nuns casos, tendo levado à permanência da legislatura, noutros, mais raros porque mais pesados, à sua redução”, completou.

Imigrantes – Marcelo Rebelo de Sousa condenou os portugueses que são “egoístas perante os dramas dos imigrantes”, que “constroem Portugal, descontam para a Segurança Social, criam riqueza”.

Esta afirmação do chefe de Estado motivou palmas por parte de todos os partidos menos do Chega, com deputados das bancadas à esquerda e do PSD a aplaudirem de pé.

Marcelo Rebelo de Sousa assinalou que vivem em Portugal “centenas de milhares de irmãos” de países de língua portuguesa, “incansáveis no que têm feito por Portugal”. O Presidente da República referiu-se aos “irmãos brasileiros, irmãos guineenses, irmãos timorenses, irmãos cabo-verdianos, irmãos são-tomenses irmãos angolanos, irmãos moçambicanos” e também aos “goeses, macaenses”.

“E não posso deixar de alargar a muitos outros que também entre nós, vindos de fora, não falantes de português, constroem Portugal, descontam para a Segurança Social, criam riqueza, contribuem para o nosso futuro, dando força à nossa vocação histórica”, acrescentou.

Instituições

Já o presidente da Assembleia da República advertiu hoje que o tempo de cada instituição democrática deve ser respeitado sem atropelos ou precipitações e que a sofreguidão populista ameaça propagar-se como um vírus no espaço público.

Augusto Santos Silva falava na sessão solene comemorativa, momento antes do discurso final a cargo do Presidente da República, numa intervenção que dedicou ao tema do tempo político em democracia e separação de poderes.

“Aqui no Parlamento que, nos termos da Constituição saída de Abril, é o coração da representação pluralista e do debate livre, e o centro da dialética entre Governo e oposições. Agora que uma certa sofreguidão ameaça propagar-se, como vírus, no espaço público, pondo em causa vantagens preciosas da sólida democracia que somos, como tal reconhecida internacionalmente”, apontou.

O ex-ministro de Estado e dos Negócios Estrangeiros assinalou que em democracia tudo pode ser questionado, que “o tempo democrático é, por natureza, passageiro, plástico, diferenciado” e que o regime “tem mecanismos para evitar a perpetuação de situações que se tornem insustentáveis”.

“Mas o tempo democrático é também cíclico, tem um certo ritmo e duração. E, se a Assembleia [da República] funciona, debatendo, fiscalizando, inquirindo, legislando; se o Governo desenvolve e aplica as suas políticas, com variável acerto, e goza de confiança parlamentar; se as oposições vão fazendo caminho de formação e afirmação de alternativas; se os órgãos de soberania cooperam, no respeito pelas competências uns dos outros; se inúmeros são os problemas das pessoas e do país, sendo responsabilidade primacial dos diferentes decisores enfrentá-los — então devemos respeitar o tempo de cada instituição, sem atropelos nem precipitações”, declarou.

Com Marcelo Rebelo de Sousa a escuta-lo e depois de receber uma prolongada ovação dos deputados do PS, Augusto Santos Silva defendeu que se deve “preferir a respiração pausada própria de uma democracia madura à respiração ofegante típica das excitações populistas, para benefício de todos”.

“Porque, se todos perderemos no dia em que aceitarmos que a dinâmica política deve ser insensível às necessidades e ao ambiente social e pautar-se exclusivamente por procedimentos administrativos e formais; também todos perderemos no dia em que renunciarmos a distinguir entre erros localizados, ainda que graves, e crises prolongadas e sistêmicas, e no dia em que aceitarmos que a vida de um parlamento ou de um Governo — sejam eles quais forem – está dependente do nível de protesto deste ou daquele setor, do favor da opinião publicada, da percepção dos média, do ruído nas redes sociais ou da evolução das sondagens”, acentuou, sendo aqui novamente aplaudido pelo PS.

 

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