Recebido no Parlamento, presidente brasileiro diz-se “em casa” em Portugal

Mundo Lusíada com Lusa

Nesta terça-feira, o Presidente brasileiro, Luiz Inácio Lula da Silva, disse em solenidade no Parlamento sentir-se em casa em Portugal e considerou o 25 de Abril um “salto para o futuro” do país com destino ao “desenvolvimento econômico com justiça social”.

No seu discurso na Assembleia da República, numa cerimônia de boas-vindas que antecede a sessão solene evocativa do 25 de Abril em Lisboa, Lula da Silva afirmou que a Revolução dos Cravos permitiu que “Portugal desse um verdadeiro salto para o futuro”, ao recuperar “as liberdades civis, a participação política dos cidadão, a democratização política, os direitos trabalhistas e a livre organização sindical, criando as bases para o desenvolvimento econômico com justiça social”.

“Nos últimos dias tive aqui em Portugal a inconfundível sensação de estar em casa, sentimento que acredito que é compartilhado por todos os brasileiros que vivem em Portugal e todos os portugueses no Brasil”, começou por dizer Lula na sua intervenção, suscitando aplausos da maioria dos deputados, enquanto os parlamentares do Chega batiam nas mesas e empunhavam cartazes com as bandeiras da Ucrânia e onde se podia ler frases como “Chega de Corrupção”.

Perante o protesto, o presidente da Assembleia da República chamou a atenção dos deputados portugueses do partido de extrema-direita: “Os senhores deputados que se querem permanecer na sessão plenária devem comportar-se com urbanidade, cortesia e a educação que é exigida a qualquer representantes do povo de português, chega de degradarem as instituições, chega de porem vergonha no nome de Portugal”.

No início do seu discurso, de 18 minutos, Lula da Silva começou por salientar ter sido com “muita alegria” que recebeu o convite do seu homólogo português, Marcelo Rebelo de Sousa para que a sua visita a Portugal coincidisse com a celebração do 25 de Abril, revolução que foi acompanhada com ”admiração e esperança” no Brasil.

Referindo-se à “Grândola, vila morena”, de José Afonso, Lula da Silva considerou que também “embalou a luta no Brasil” e virou a página da ditadura militar brasileira.

“Ainda assim, a democracia no Brasil viveu recentemente momentos de grave ameaça. Saudosos do autoritarismo tentaram atrasar nosso relógio em 50 anos e reverter as liberdades que conquistamos desde a transição democrática”, afirmou Lula da Silva, salientando que traz a “notícia” de que “as forças democráticas brasileiras demonstraram solidez e resiliência” e que o seu país “voltou à cena internacional”.

Na parte da sua intervenção voltada para a política internacional, Lula da Silva considerou que se tem assistido “ao aumento das tensões geopolíticas”.

“Quem acredita em soluções militares para os problemas atuais luta contra os ventos da História. Nenhuma solução de qualquer conflito, nacional ou internacional, será duradoura se não for baseada no diálogo e na negociação política”, defendeu.

A referência à invasão russa da Ucrânia veio logo a seguir, com Lula a dizer que o Brasil “compreende a apreensão causada pelo retorno da guerra à Europa. Condenamos a violação da integridade territorial da Ucrânia. Acreditamos em uma ordem internacional fundada no respeito ao Direito Internacional e na preservação das soberanias nacionais”, acrescentou, reafirmando a necessidade de se “admitir que a guerra não poderá seguir indefinidamente”.

“É preciso falar da paz. Para chegar a esse objetivo, é indispensável trilhar o caminho pelo diálogo e pela diplomacia”, reiterou.

Lula da Silva defendeu ainda na sua intervenção o multilateralismo e considerou que as “ferramentas da governança global se têm mostrado inadequadas para fazer frente aos desafios atuais”.

Nesse sentido, defendeu que o Conselho de Segurança das Nações Unidas “se encontra praticamente paralisado”, em resultado da composição ditada pelo fim da Segunda Guerra Mundial e que, sustenta, não traduz “a correlação de forças do mundo contemporâneo”.

Razão pela qual se manifestou defensor de uma reforma que resulte na ampliação do Conselho de Segurança, para que todas as regiões do mundo estejam representadas de forma permanente, tornando aquele órgão da ONU “mais representativo no seu processo deliberativo e mais eficaz na implementação das suas decisões”.

Referindo-se à Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP), o Presidente brasileiro disse que o seu país retoma a sua “tradição diplomática” e apoia o ingresso da organização lusófona como membro observador da Conferência Ibero-Americana.

Ainda no capítulo da politica internacional, Lula da Silva criticou os “políticos demagogos” que na Europa “negam os benefícios conquistados no continente em décadas de paz, cooperação e desenvolvimento dentro da União Europeia”.

“Eu considero a integração resultante da União Europeia um patrimônio democrático da Humanidade. E eu vi no Brasil, a consequência trágica que sempre acontece quando se nega a política, se nega o diálogo”, disse.

Antes da sua intervenção, o Presidente brasileiro assinou o livro de honra da Assembleia da República e, à chegada ao parlamento, foi saudado por apoiantes que se concentraram na zona por onde entrou.

Do outro lado, estava um grupo contra a chegada de Lula da Silva composto por apoiantes do ex-presidente Jair Bolsonaro, e elementos afetos ao Chega.

Cravos de Abril

O presidente da Assembleia da República salientou que Portugal e Brasil partilham a defesa do Direito Internacional e acentuou que os cravos da revolução portuguesa de Abril simbolizam a luta dos ucranianos pela sua liberdade.

Estas referências de Augusto Santos Silva sobre a situação da Ucrânia, em que condenou a invasão russa, foram feitas na parte final do discurso que proferiu na sessão solene de boas-vindas ao chefe de Estado brasileiro.

Santos Silva sustentou que Portugal e Brasil “ambicionam um mundo seguro e sustentável, regulado pelo Direito Internacional, um mundo multipolar em que cada nação tem o seu lugar, um mundo governado por instituições e agendas multilaterais comprometidas com a paz, com o desenvolvimento e com os Direitos Humanos”.

Após defender a entrada do Brasil como membro permanente do Conselho de Segurança das Nações Unidas, o ex-ministro de Estado e dos Negócios Estrangeiros referiu-se à questão da Ucrânia, na qual as posições portuguesa e brasileira não são totalmente coincidentes.

“O mundo precisa de Portugal e do Brasil, e precisa agora mesmo. Agora que ocorre no leste da Europa um conflito sangrento e dramático cujos efeitos políticos e econômicos são globais”, completou o presidente da Assembleia da República, antes de se realçar que “o povo ucraniano é vítima de massacre e de destruições bárbaras”.

“Apoiamos a Ucrânia na luta pela independência e integridade territorial. O cravo vermelho que hoje celebra a nossa liberdade simboliza também a liberdade por que se batem hoje os ucranianos”, frisou o presidente da Assembleia da República, recebendo palmas de pé de deputados do PS e do PSD.

Presidente brasileiro cumprimenta presidente português Marcelo Rebelo de Sousa, e presidente do parlamento Augusto Santos Silva, em solenidade de boas-vindas no Parlamento, Lisboa, 25 Abril. TIAGO PETINGA/LUSA

No seu discurso, Augusto Santos Silva defendeu que é urgentíssimo trocar as armas pelas conversações de paz”, tendo em vista “pôr fim ao conflito” e a “salvaguarda dos interesses legítimos em presença”.

“Precisamos de falar mais de negociações e menos de batalhas. A condição é simples e depende unicamente da Federação Russa: O agressor cessar as hostilidades e retirar-se do país soberano que invadiu”, assinalou, recebendo nova salva de palmas.

Neste contexto, o presidente da Assembleia da República apontou que Portugal, como membro da União Europeia e da NATO, “participa nas ações em defesa do Direito Internacional, da segurança europeia e da independência ucraniana”.

“Fá-lo na plena consciência que esta não é uma questão regional mas global e, por isso, importa falar sobre ela com todos os países relevantes, do Norte e do Sul, do Ocidente ou Oriente. Portanto, é muito útil que seja tema de diálogo permanente entre Portugal e o Brasil”, observou, com Lula da Silva a escutá-lo.

Neste ponto, Augusto Santos Silva fez mesmo questão de deixar o seguinte sublinhado: “Prosseguindo Portugal e o Brasil as suas próprias políticas externas, elas devem poder convergir a favor da paz”.

“A Europa necessita do Brasil e o Brasil conta com o apoio do parlamento português no reforço dos laços políticos, econômicos e comerciais com a União Europeia, A conclusão do acordo com o Mercosul nem perdeu relevância nem oportunidade. Posso garantir o empenho da Assembleia da República, no âmbito das suas competências, para esse fim”, disse.

De acordo com o presidente da Assembleia da República, esse acordo com o Mercosul, além de consequências econômicas, “tem um alcance geopolítico e, como tal, deve ser considerado”.

Em relação à CPLP, o ex-ministro de Estado e dos Negócios Estrangeiros realçou que já não é hoje “apenas uma organização intergovernamental de concertação política e diplomática, e de cooperação baseada na língua comum”.

“A comunidade é também um espaço de circulação de pessoas e quer desenvolver um pilar econômico, definindo uma nova escala para as trocas e os investimentos. Com o regresso do Presidente Lula da Silva ao Palácio do Planalto, uma nova oportunidade se abre para que o Brasil participe com os demais membros da CPLP no esforço de tornar cada vez mais viva e forte a nossa comunidade”, acrescentou.

E Santos Silva citou que o parlamento português “se orgulha de já ter recebido em sessão solene quatro” de chefes de Estado do Brasil e Lula da Silva pela segunda vez.

Agradeceu, “em nome da Assembleia da República, todos os gestos de atenção fraterna” da parte brasileira em relação a autoridades políticas nacionais, “neles incluindo a forma calorosa como o congresso brasileiro recebeu, em 2022, o Presidente Marcelo Rebelo de Sousa”.

“Consigo, Brasília volta a abrir-se ao mundo, porque em si reconhecemos o líder político cujas políticas sociais contribuíram decisivamente para a redução da pobreza e das desigualdades no Brasil. Em si reconhecemos o estadista que se apresentou e venceu eleições livres e que, depois, quando alguns tentaram invadir e derrubar as instituições democráticas brasileiras, soube defendê-las sem qualquer hesitação”, declarou o presidente da Assembleia da República.

De acordo com a versão apresentada pelo presidente da Assembleia da República, “o encontro de agendas” faz com que a sessão solene de boas-vindas ao Presidente do Brasil ocorresse “numa data muito importante para Portugal, a data da celebração da revolução democrática, o 25 de Abril”.

“O dia em que nas ruas e no peito de muitos portugueses, o cravo vermelho simboliza a nossa liberdade e a forma pacífica como a alcançámos. Também esta revolução democrática e pacífica une os dois países”, defendeu.

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