Transportadores portugueses negam que subidas de preços nos alimentos se devam aos transportes

Da Redação com Lusa

A Associação Nacional dos Transportadores de Mercadoria recusou hoje que o aumento do preço dos bens essenciais em Portugal se deva ao transporte, esclarecendo que este não registra subidas que justifiquem as diferenças encontradas nos supermercados.

Em comunicado, a Associação Nacional de Transportes Públicos Rodoviários de Mercadorias (ANTRAM) acusa igualmente a associação das empresas de distribuição de mentir ao tentar relacionar estes aumentos com o custo de transporte, dizendo que isso “não corresponde à realidade”.

“O transporte de bens alimentares, face ao verificado antes dos níveis da guerra, não registra, atualmente, subidas que possam justificar os enormes aumentos dos bens alimentares”, de acordo com a ANTRAM.

Acrescenta a associação que a importação de bens alimentares de outros países não aumentou face aos valores pré-guerra na Ucrânia e que o transporte, em território nacional, está em valores “muito próximos” daqueles que se registavam antes do conflito.

A ANTRAM admite, para o transporte em território nacional, uma subida entre 5% e 7%, sublinhando que isto não justifica os aumentos dos bens essenciais encontrados nos supermercados, com “subidas de 25% e 50% e margens brutas de lucro que chegam a passar os 50% em vários produtos”.

A associação lembra que, na estrutura de custos das empresas de distribuição, o custo de transporte não é um dos principais, “sendo sempre largamente ultrapassado pelo valor das mercadorias”, para afirmar que os transportes não podem justificar mais do que uma subida muito marginal dos bens alimentares, “certamente abaixo de 1%”.

Em muitos casos, sublinha, “não importam qualquer subida”.

“O seu a seu dono! O dono dos aumentos do preço da alimentação dos portugueses não são os transportadores”, insiste a ANTRAM.

Na quinta-feira, a Associação Portuguesa de Empresas de Distribuição (APED) disse que o setor do retalho alimentar não aumentou as margens de comercialização, depois de a Autoridade para a Segurança Alimentar e Económica (ASAE) ter instaurado 51 processos-crime por especulação em fiscalizações a 960 operadores e detectou margens de lucro superiores a 50% na cebola.

O cabaz alimentar, definido pela ASAE para calcular a evolução dos preços – que é composto por bens essenciais -, aumentou quase 29% desde 2022 e até fevereiro deste ano para 96,44 euros.

No comunicado divulgado na quinta-feira, a APED garantiu que o setor do retalho alimentar não aumentou as margens de comercialização e lembrou que a distribuição “está a comprar os produtos cada vez mais caros”, já em 2023, aos fornecedores (indústria e produção).

Indicou igualmente que estes aumentos no início da cadeia refletem a subida dos custos dos fatores de produção decorrentes dos aumentos dos preços dos fertilizantes, das rações e de outros custos relevantes.

Nesse contexto, aponta o caso do leite “que está 75% mais caro nas lojas, precisamente o aumento que os fornecedores passaram para a distribuição”, indicando que “isso mesmo foi referido há 3 dias pela FENELAC [Federação Nacional das Cooperativas de Produtores de Leite]”.

A associação deixou ainda um apelo à ASAE para que “cumpra o que prometeu e analise toda a cadeia de valor” e que promova “uma comunicação clara, objetiva e sustentada em evidências, que contribua para a promoção de um ambiente de serenidade junto dos consumidores”.

Até setembro de 2022, a Jerónimo Martins – dona do Pingo Doce – viu os lucros aumentar 29% para os 419 milhões de euros. Já a Sonae, dona do Continente, registrou lucros de 210 milhões no mesmo período, mais 33% do que um ano antes.

Agricultores

Já a Confederação Nacional da Agricultura (CNA) afirmou que as recentes fiscalizações da ASAE a hipermercados confirmam que “não são os agricultores a tirar proveitos” da escalada da inflação, reclamando “regulamentação eficaz” para um mercado que “não se autorregula”.

“A CNA espera que as notícias vindas a público não sejam apenas ‘fogo de vista’ e que sejam retiradas as devidas conclusões e adotadas medidas para impedir que engordem os bolsos de alguns à custa do empobrecimento dos agricultores e dos consumidores, pois esta forma de atuação será sempre ilegítima”, sustenta a confederação em comunicado.

Para a CNA, “este é mais um dos exemplos de que o mercado não se autorregula e que em Portugal reina a lei do mais forte, sendo por isso necessário que, para além de prosseguir com as atividades de fiscalização, se garanta regulamentação eficaz para impedir que a grande distribuição continue a esmagar agricultores e consumidores”.

“E, para isso, basta vontade política”, salienta.

Referindo-se aos dados apresentados na quinta-feira pela Autoridade de Segurança Alimentar e Económica (ASAE), na sequência de ações fiscalizações desenvolvidas junto de super e hipermercados que apontam para margens de lucro na ordem dos 50% em alguns produtos agrícolas, a confederação da agricultura afirma que “confirmam uma situação que há muito a CNA tem denunciando e para a qual tem exigido uma solução urgente”.

“Perante os dados, não será de estranhar que a inflação nos produtos alimentares se mantenha acima dos 20%, mesmo quando a inflação geral está nos 8,2%”, nota.

A CNA salienta, contudo, que, “se hoje grande parte da população tem enormes dificuldades financeiras para pôr comida na mesa, não são os agricultores que estão a tirar proveitos, muito pelo contrário”.

“Se tivermos em conta que o rendimento dos agricultores desceu 11,8% em 2022, segundo o INE [Instituto Nacional de Estatística], por não conseguirem escoar a produção a preços justos e capazes de compensar os aumentos dos custos de produção, não é preciso fazer grande exercício para saber quem fica com a fatia de leão”, argumenta, acrescentando: “Basta olhar para os crescentes lucros milionários – e escandalosos – das empresas da distribuição de alimentos”.

Na opinião da confederação, a “transparência” é a base “para uma justa distribuição de valor na cadeia agroalimentar”, mas “não é possível garantir essa transparência quando o ‘Observatório de Preços Nacional é Sustentável’, criado com esse propósito há já meio ano pelo Governo, disponibiliza apenas os preços no produtor (algo que até já existia)”.

Simultaneamente, a CNA reclama a “promoção e adoção regulamentar dos circuitos curtos e mercados de proximidade, designadamente através de cantinas e outros estabelecimentos públicos”.

O objetivo é “garantir às explorações agrícolas familiares o escoamento da produção nacional a preços justos e aos consumidores o acesso a produtos de qualidade e proximidade a preços acessíveis”.

Do cruzamento entre a aquisição do retalhista ao fornecedor e a venda ao consumidor, a ASAE identificou margens de 30% em produções como o açúcar branco, óleo alimentar e a dourada.

Com margens de lucro entre 30% e 40% surgem as conservas de atum, leite e a couve coração, seguindo-se produtos como os ovos, laranjas, cenouras e as febras de porco, com margens a partir de 40% e até 50%.

A variação homóloga do Índice de Preços no Consumidor (IPC) diminuiu, pela quarta vez consecutiva, para 8,2% em fevereiro, taxa inferior em 0,2 pontos percentuais à do mês anterior, informou hoje o INE. A taxa de inflação de fevereiro é a mais baixa desde maio de 2022, mês em que se situou nos 8,0%.

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