Ministro cabo-verdiano considera “tiro no pé” diminuir figura da cantora Cesária Évora

Da Redação com Lusa

Nesta quinta-feira, o ministro da Cultura cabo-verdiano reconheceu a importância do músico Paulino Vieira para o setor no país, mas disse que é um “tiro no pé” qualquer afirmação para denegrir ou diminuir a figura da cantora Cesária Évora.

“Há sítios onde os nossos políticos não são conhecidos e a Cesária é. Portanto, eu creio que é um tiro no pé tentarmos, por qualquer afirmação, denegrir ou diminuir a figura de Cesária”, afirmou Abraão Vicente, na cidade da Praia.

O ministro reagia assim, quando instado a comentar as declarações do músico Paulino Vieira, numa entrevista à agência Lusa no fim de semana, onde, entre muitas outras críticas, considerou que existe uma “farsa” em torno do sucesso de Cesária Évora, promovida por “máfias” que não deixam os outros artistas brilharem, e que reduziu a música de Cabo Verde à morna, condenando-a ao extermínio.

Para o ministro, Vieira fez umas declarações “do lugar onde ele está, a partir dos seus sapatos, a partir da sua história e a partir da sua percepção dos acontecimentos”.

“Eu tenho o máximo respeito pelo Paulino Vieira, não vou dizer se tem ou não tem razão, porque quem vive o momento tem que deixar algum tempo para que a história se faça, e a história não se faz apenas de uma voz, de uma versão, de uma opinião”, salientou o governante cabo-verdiano.

Afastado dos holofotes há mais de 30 anos, quando se recusou a pactuar com o que considera “uma farsa” em torno do sucesso de Cesária, cuja carreira desenhou, como fez com outros artistas, Paulino Vieira afirmou, convicto, que “Cesária Évora nunca foi o expoente máximo da música de Cabo Verde”.

Para Abraão Vicente, é preciso ouvir todos os intervenientes para que se consolide uma opinião ou uma versão da própria história.

“O Paulino é uma pessoa relevante para a história da cultura, e a prova disto é o impacto que a entrevista tem, mas nem sempre nós temos de ter razão”, frisou, reconhecendo o direito à liberdade de expressão, mas garantindo que o Governo não se sente afetado pelas opiniões.

“Cesária continua a ser uma figura incontornável da cultura de Cabo Verde. Eu como governante, em todos os países onde chego, Cesária é a figura expoente máxima da cultura de Cabo Verde. Não é uma construção nem uma imposição do Governo de Cabo Verde. É algo que está enraizado pelo percurso que fez. E nós, como país, só nos cabe tirar proveito do prestígio internacional da Cesária Évora”, indicou Vicente, reconhecendo, igualmente, a “obra inabalável” de Paulino Vieira.

“Tal como ele [Paulino Vieira] tem direito a opinião, outras pessoas têm direito a opinião e eu serei a última pessoa a abalar a figura carismática do Paulino Vieira, mas devo dizer que eu não posso concordar como ministro da Cultura, e vendo tantas carreiras que estão a ser construídas”, prosseguiu o governante.

Para o ministro, a cantora Cesária Évora não é só a voz e a música, mas é também a história da mulher e o modo como se fez. “E eu não me sinto minimamente confortável em falar da Cesária sendo que ela já não está viva para se defender”, insistiu, dizendo que é uma figura “consagrada pelo mundo”.

Em entrevista à agência Lusa em Lisboa, onde reside, aquele que é conhecido como uma “lenda viva”, e admirado por cantores de várias nacionalidades, Paulino Vieira contou que foi ele quem encaminhou ao sucesso a “diva” dos pés descalços, acompanhado de três músicos: Armando Tito, Toy Vieira e Vaiss.

Longe da ribalta, mas não da produção, diz que tem um ‘stock’ de 30 anos de composições que o mundo não conhece. Músicas do mundo e não de um só país e tão pouco apenas de Cabo Verde, pois, como gosta de sublinhar, Paulino era dos cabo-verdianos, mas também dos angolanos e dos moçambicanos e de todos que o procuraram para partilhar um pouco da sua genialidade.

Recentemente, deu um espetáculo no Centro Cultural de Belém (CCB), em Lisboa, em que mostrou a versatilidade que o caracteriza, num ‘show’ que apresentou como “um simples ensaio”, dedicado aos trabalhadores, àqueles que, ainda que na sombra, são os que fazem a máquina funcionar.

Candidatura a Unesco

O ministro também disse que a candidatura da morna a patrimônio mundial da Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura (UNESCO), classificação que obteve em 2019, “é um grande ganho para a cultura de Cabo Verde”.

Na entrevista à Lusa, o cantor e multi-instrumentista disse que o dossiê “tem histórias falsas”, nomeadamente “gravações em que estão pessoas a tocar”, mas que disse que era ele a tocar. “Um documento aprovado mundialmente, sendo nele descoberto três falácias, já dava direito a ser desclassificado. A UNESCO foi e é e continuará a ser irresponsável por ter aprovado um folclore que não conhece”, apontou o músico.

Considerando que “se fosse fácil alguém já o teria feito antes”, o ministro relembrou que a candidatura da morna não foi baseada na história da Cesária Évora, mas sim na história do povo cabo-verdiano.

E enfatizou o fato de, por exemplo, o pescador, o carpinteiro, o pedreiro, as pessoas mais humildes e as mais letradas cantarem e viveram a morna como parte sua.

“Estamos a falar de uma opinião, do IPC [Instituto do Patrimônio Cultural], de todo o quadro técnico que fez a candidatura da morna, da UNESCO, de todos os especialistas internacionais que validaram a candidatura da morna”, insistiu a mesma fonte, dizendo, por isso, tratar-se apenas de uma opinião.

“Devo dizer taxativamente que é falso, porque a validação da candidatura é feita com base em testemunhos e a aceitação de quem pratica o gênero”, continuou o governante, entendendo que o “grande escândalo nacional” é que parece que quase ninguém estudou o dossiê de candidatura da morna a patrimônio imaterial da humanidade.

O ministro lamentou que, “quatro anos depois, as pessoas ainda insistem em falar de uma candidatura da morna, como se tivesse sido uma coisa abstrata”, reforçando que a candidatura foi construída com base na cientificidade e na capacidade técnica do IPC, na capacidade da consultoria e validada pela UNESCO, uma agência das Nações Unidas.

A morna, gênero musical típico de Cabo Verde, é geralmente acompanhada por viola, cavaquinho, violino e piano, tem como “instrumento de excelência” o violão, introduzido em Cabo Verde no século XIX.

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