CPLP: “Anomalias” com vistos de mobilidade serão corrigidas, diz secretário-executivo

Mundo Lusíada com Lusa

O secretário-executivo da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP) disse neste dia 22 ter “a garantia” do Governo português de que “num futuro muito próximo” poderão ser “corrigidas algumas anomalias” existentes nos primeiros meses de implementação dos vistos de mobilidade.

Em resposta aos problemas que têm surgido com vistos de cidadãos de Estados-membros da CPLP ao abrigo do Acordo de Mobilidade da comunidade e da nova lei de estrangeiros, o embaixador Zacarias da Costa procurou desdramatizar: “Todos queremos sempre um quadro ideal, mas a realidade é outra”.

“Temos que olhar sempre para os meios disponíveis em termos humanos, em termos logísticos, para implementar um acordo de grande envergadura, com consequências muito grandes para a vida dos nossos Estados-membros”, frisou, em entrevista à Lusa.

O diplomata timorense Zacarias da Costa está a concluir o seu primeiro mandato como secretário-executivo da CPLP e inicia o segundo mandato com a tomada de posse na próxima cimeira de chefes de Estado e de Governo, a realizar no domingo em São Tomé e Príncipe, que assumirá a próxima presidência rotativa da organização.

Para o responsável, todos estão “a olhar para Portugal, porque o fluxo dos outros Estados-membros é maior [para cá]”, o que considera normal.

Por outro lado, adiantou que tem tido “reuniões de trabalho com o Governo de Portugal” e disse julgar que “aquilo que não estava bem nos primeiros meses da implementação [dos vistos CPLP] será corrigido”.

“Temos a garantia do Governo de Portugal que todos os meios que serão necessários estarão também disponíveis para podermos, num futuro muito próximo, se possível até corrigirmos algumas anomalias que existiram nos primeiros meses da implementação [dos vistos para cidadãos lusófonos]”, salientou.

No entanto, frisou: “Cabe a Portugal, em primeiro lugar, avaliar os primeiros meses de implementação e, naturalmente, depois propor medidas que possam responder de uma forma favorável e positiva aos anseios dos nossos cidadãos”.

Quando questionado sobre que “anomalias” destaca, apontou que são públicas: “as que ocorreram em termos de pedidos de vistos, a morosidade que se nota em alguns consulados, quer em relação aos estudantes, quer em relação às pessoas à procura de emprego”, exemplificou.

O Acordo de Mobilidade aprovado na última cimeira da CPLP, em Angola, em julho de 2021, resultou de uma proposta da presidência de Cabo Verde. O documento foi aprovado pelos nove Estados-membros e ratificado em 15 meses por todos. Mas, até agora, só Portugal, Cabo Verde e Moçambique já estão a aplicá-lo na ordem interna.

A Associação de Defesa dos Direitos dos Imigrantes diz que há muito “arrependimento” entre os imigrantes que recorreram ao visto em Portugal porque o visto CPLP dá para entrar em Portugal mas não permite circular pelo espaço Schengen.

Em dois meses, mais de 113 mil cidadãos da CPLP obtiveram autorizações de residência em Portugal ao abrigo da nova lei dos Estrangeiros, que contempla facilidade de entrada para os cidadãos do espaço daquela comunidade com base no Acordo de Mobilidade.

Balanço

A poucos dias do seu segundo mandato, o secretário-executivo faz um balanço “francamente positivo” dos dois últimos anos, com respostas aos desafios da presidência angolana e novos recursos para a organização.

No próximo domingo, quando tomar posse como secretário-executivo por mais dois anos, Zacarias da Costa espera já ter um orçamento retificativo aprovado para os próximo anos e um aumento da ordem dos 27% das contribuições de cada um dos nove países consensualizado, para que possa garantir à organização um orçamento anual de 3,2 milhões de euros.

Segundo ele, a presidência angolana, que termina agora, “lançou imensos desafios”. Mas, sublinhou, o secretariado-executivo conseguiu “cumprir os objetivos que a presidência se propôs” e encontrar respostas para os que a CPLP tinha pela frente.

“Particularmente, o de ajustarmos a organização a um período diferente, pós covid-19, mais dinâmico, muito mais cheio de atividades”, realçou.

“Obviamente” que, 27 anos depois de nascer, a CPLP precisou de reorganizar a estrutura interna do secretariado, “olhar para o desafio de crescimento que tem pela frente”, concluiu.

Uma das medidas passou pela criação da direção de Assuntos Económicos e Empresariais, para dar resposta aos novos desafios do quarto pilar da cooperação econômica, introduzido por Luanda, mas também olhando “para a escassez de recursos humanos e financeiros que estava a atravessar”.

Por outro lado, os próprios países estão mais cumpridores do que há uns anos nas suas obrigações para com a CPLP. “Só dois dos nove Estados-membros não cumpriram o pagamento da quota deste ano, mas já sinalizaram que o iam fazer”, sublinhou o antigo ministro dos Negócios Estrangeiros timorense, acrescentando que “quotas anuais em atraso não existem”.

Além das quotas, o orçamento do próximo ano da CPLP já contará com um valor superior aos de anos anteriores e, a partir de 2024, se os Estados-membros aprovarem a proposta de aumento das contribuições, a organização passará a dispôr de valores anuais mais elevados para a sua gestão.

“Nós, até aqui, tínhamos um orçamento, que é público, de 2,7 milhões, mas através de uma gestão muito prudente, eu diria, de alguma forma rigorosa, também tendo em conta recrutamentos que não eram feitos, conseguimos sempre ter uma margem para podermos fazer face a certas contingências”, afirmou Zacarias da Costa.

Mas, reforçou: “Obviamente que hoje, com o crescimento do secretariado, com a criação da nova direção de Assuntos Económicos e Empresariais, esse valor tem que ser ajustado. Ajustado não só por força dessa nova direção, mas também porque precisamos. Isto é uma organização que praticamente estagnou, e precisamos de ajustá-la às novas realidades e aos novos desafios”, uma necessidade para a qual os Estados-membros “estão conscientes”, disse.

Recordando que durante estes dois anos de mandato da presidência angolana estiveram em cima da mesa questões “muito importantes” como a implementação do acordo de mobilidade, trabalhado pela anterior presidência, a de Cabo Verde, e aprovado pelos nove países na cimeira de Luanda, em 2021, Zacarias da Costa realça que “os Estados-membros ratificaram em tempo recorde, menos de 15 meses [o documento], e hoje já está em vigor em todos”.

Além disso, foi aprovada a agenda estratégica para a consolidação da cooperação econômica e empresarial, criada a nova direção, os estatutos já consagram este novo pilar e há hoje um fórum das agências de promoção do comércio, investimento”, elencou, num resumo do seu primeiro mandato.

Para Zacarias da Costa, há hoje “mais expectativas dos Estados-membros” em relação à CPLP, porque sentem que “a organização pode fazer muito mais por eles”.

“Isso dá-nos mais força, mas ao mesmo tempo mais responsabilidade para corresponder”, concluiu.

Quanto à criação de um Banco de Investimento, falado pelo Presidente angolano, João Lourenço, no seu discurso de tomada de posse como presidente por dois anos da CPLP, na cimeira de Luanda, em 2021, é algo que ainda está em fase de análise pelos técnicos.

Mas sublinhou: “A cooperação econômica não se esgota na ideia de termos um instrumento financeiro disponível para ajudar a alavancar esse grande objetivo”.

Associados

Os nove Estados-Membros ainda procuram consenso sobre a possibilidade de os observadores associados pagarem quotas, admitiu. Os membros do bloco lusófono estão divididos quanto à introdução de uma quota para os observadores associados (33, atualmente), explicou o diplomata.

O novo regulamento dos observadores associados é um documento que já está em discussão há pelo menos cinco anos, antes da cimeira de Luanda, em 2021.

Nessa altura, responsáveis da CPLP chegaram a admitir que o regulamento poderia ainda ir a aprovação naquele ano, o que acabou por não acontecer porque faltava acertar vários pontos do documento. E já nessa altura um dos aspetos que não reunia consenso entre os Estados-membros era o de pagamento de quotas por parte daqueles países.

“Penso que essa é uma questão fundamental: se os observadores associados serão chamados a pagar ou não uma contribuição regular, seja em forma de joias, ou seja em forma de uma quota”, afirmou agora, numa entrevista à Lusa.

Apesar disso, Zacarias da Costa disse ter esperança que seja nesta cimeira que o regulamento avança.

O número de observadores associados tem crescido bastante nos últimos anos, atingindo os 33 na cimeira de Luanda, com a aprovação de mais 14 candidaturas. Nesta cimeira deverá ser aprovado pelo mais um, o Paraguai.

A criação da categoria de observador associado, em 2005, abriu uma oportunidade para a ligação a esta organização de outros Estados e regiões lusófonos que pertençam a países terceiros, mediante acordo com os Estados-membros.

Hoje, os Estados que queiram ser observadores associados da CPLP têm de partilhar os princípios orientadores da comunidade lusófona, como a promoção das práticas democráticas, a boa governação e o respeito dos direitos humanos, devendo prosseguir objetivos idênticos aos da organização, mesmo que, à partida, não reúnam as condições necessárias para serem membros de pleno direito.

De acordo com a nova proposta de regulamento, que já estava a ser preparada na presidência cabo-verdiana, que antecedeu a de Angola, os observadores associados deveriam passar a apresentar um plano de parceria com a CPLP. A ideia sempre foi reforçar a cooperação destes países com a comunidade.

A exigência do plano de parceria mantém-se na versão mais recente do regulamento, confirmou Zacarias da Costa.

Quanto ao lema desta cimeira – “a Juventude e a Sustentabilidade na CPLP” – na qual São Tomé e Príncipe assume a presidência rotativa da organização por dois anos, Zacarias da Costa afirmou: “É uma grande oportunidade para trabalharmos dentro da CPLP uma camada importantíssima da nossa sociedade”.

“Nós estamos a trabalhar em áreas muito importantes e o ensino superior da ciência e tecnologia, em que certamente os jovens terão o seu papel e terão p seu espaço de participação”, não revelando mais sobre as propostas que ainda estão em discussão para a declaração final da cimeira e que são da competência do Estados.

Olhando para o futuro, Zacarias da Costa traça como objetivos do seu segundo mandato, em primeiro lugar os da Presidência são-tomense. Mas, em segundo lugar, assumiu que ele próprio quer “consolidar” aquilo que se conseguiu fazer em termos internos, ou seja, “ter um instrumento de gestão” que o ajude “a gerir esta organização e fazer face aos desafios”.

Especificando que se referia “à reestruturação interna que está a ser feita” na CPLP e que “naturalmente implica também luz verde por parte dos Estados-membros em termos de reforço financeiro, para se poder trabalhar e para que a organização possa crescer”.

Ao mesmo tempo, o secretário-executivo quer aprofundar o “reforço da cooperação entre a CPLP e as organizações regionais ou sub-regionais, as organizações do sistema das Nações Unidas”.

“Temos memorandos de entendimento”, mas é preciso que “possamos concretizar em termos concretos aquilo que está no papel”, defendeu.

Por último, a ideia de Zacarias da Costa “é aproximar cada vez mais a organização dos cidadãos”.

Quanto à Guiné Equatorial, o país falante de espanhol e o mais jovem Estado-membro da CPLP, que anunciou há cerca de um ano a abolição da pena de morte, Zacarias da Costa disse apenas que neste Conselho de Ministros que antecede a cimeira será apresentado o relatório do Comité de Concertação Permanente da CPLP (entidade que congrega todos os embaixadores dos Estados-membros em Lisboa), com a avaliação do grau de implementação do programa de apoio à integração daquele país na organização.

“Penso que é um documento político, mas que contém recomendações muito importantes. Muitas das recomendações têm a ver com a implementação do português na Guiné Equatorial, que será a naturalmente um papel do Instituto Internacional de Língua Portuguesa [IILP] essas recomendações”, adiantou.

Mas Zacarias da Costa defendeu que a “Guiné Equatorial está a viver uma fase diferente e que precisa do contínuo apoio dos Estados-membros, por forma a que possa integrar-se plenamente” na comunidade, da qual passou a ser Estado-membro em 2014, na cimeira de Díli.

“Precisamos de continuar a dar esse apoio, que é importante, que é necessário para que possa tornar-se também um membro de pleno direito. Já é, mas um membro plenamente integrado na vida da nossa comunidade”, salientou.

Para isso, Zacarias da Costa considera que, além do desenvolvimento do ensino do português, é necessário que aquele Estado-membro, que já assumiu “o grande compromisso da abolição da pena de morte no Código Penal”, trabalhe na “alteração da Constituição da República”.

A CPLP é composta por Angola, Brasil, Cabo Verde, Guiné-Bissau, Guiné Equatorial, Moçambique, Portugal, São Tomé e Príncipe e Timor-Leste.

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