Eleições: Modelo de bipartidarismo de Portugal sofreu alterações profundas – Constitucionalistas

Da Redação com Lusa

O resultado das eleições legislativas de domingo significam uma alteração ao modelo de bipartidarismo que tem governado Portugal, com uma alteração profunda nos próximos tempos, consideraram hoje constitucionalistas à Lusa.

De acordo com Jorge Reis Novais, constitucionalista e professor da Faculdade de Direito de Lisboa, “o sistema partidário alterou-se profundamente com a chegada do Chega e com esta votação”.

“Nos próximos tempos, até às próximas crises, sem dúvida que a situação mudou significativamente. Agora temos dois partidos e um médio grande, coisa que nunca existiu, e tudo dependerá de quanto tempo o Chega irá aguentar com esta força”, observou.

Jorge Reis Novais referiu o exemplo de Espanha com o surgimento de partidos novos “com grande impacto inicial [Vox] e que depois podem desaparecer como praticamente desapareceram”.

“Com o Chega depende muito se se conseguem manter fora do Governo ou não, isto é, o risco que, a meu ver, o Chega corre é entrar num Governo e comprometer-se com pastas governamentais. Por isso duvido até, apesar de dizerem o contrário, que queiram e estivessem interessados agora, porque a partir do momento em que estão no Governo, aí a probabilidade de desiludir grande parte das pessoas descontentes que agora estão a votar Chega, é enorme”, considerou.

O constitucionalista reiterou que enquanto o Chega – que quadruplicou o número de deputados eleitos face às últimas eleições legislativas – se aguentar “o sistema partidário [até agora conhecido] mudou completamente”.

Para Jorge Reis Novais, na situação atual, “não há dificuldade nenhuma” em constituir-se um Governo da AD, lembrando que não terá dificuldades em passar o programa na Assembleia da República, tendo em conta que o PS disse “não votar a favor de nenhuma moção de rejeição, nem apresenta, nem votará a favor”.

“Porventura, o Presidente da República vai querer dramatizar agora um pouco. Está a refletir, mas as coisas agora são muito simples”, considerou.

A dúvida, disse, será saber se o Orçamento de Estado (OE) será ou não aprovado pela maioria dos deputados, advertiu. Reis Novais alertou que a coligação deverá apresentar um Orçamento de Estado Retificativo, tendo em conta que votou contra o atual.

“O grande problema será fazer passar esse Orçamento Retificativo sem a negociação com o Chega, que lhe garantisse a passagem desse orçamento e será esse problema que vamos ter em novembro ou dezembro, tudo dependerá da forma como o PSD conseguir algum compromisso”, salientou.

Apesar de lembrar que Luís Montenegro afirmou rejeitar qualquer pressão, Reis Novais considera a “possibilidade de uma crise grande, maior, muito maior ainda, na aprovação do segundo orçamento, já que no primeiro o governo ainda está em estado de graça”, não descartando, no entanto, já uma primeira crise.

Contactado pela Lusa, o constitucionalista Vital Moreira remeteu o seu comentário às eleições de domingo para o que publicou no ‘blog’ Causa Nossa, onde partilha da opinião de Jorge Reis Novais, ao considerar que o “sucesso do Chega significa uma verdadeira alteração estrutural do sistema partidário em Portugal”.

“Não é a primeira vez que um terceiro partido se aproxima dos 20%, pois tal já se tinha verificado em 1979, com o PCP, e em 1985, com o PRD. Todavia, desta vez, ao contrário das anteriores, o Chega integra-se num movimento transnacional da direita radical populista, que parece não ter nada de conjuntural”, observou Vital Moreira.

O constitucionalista lembrou também que as coligações eleitorais “se extinguem com o apuramento dos resultados eleitorais” e que os mandatos parlamentares “são atribuídos aos partidos e não às coligações”.

“Mesmo que os deputados do PSD e do CDS se viessem juntar num único grupo parlamentar (o que nunca aconteceu, quem é convidado a formar os governos são os partidos (…) pelo que, se o PS viesse a ser o maior partido parlamentar, deveria ser ele a ser chamado a formar Governo em primeiro lugar”, escreveu.

Vital Moreira considerou, igualmente que, mesmo que o Chega não entre no Governo “vai obviamente condicionar politicamente o frágil Governo do PSD que sai das eleições”, lembrando que “não poderia ser mais modesta” a vitoria da AD, que ficou “bem longe e uma maioria parlamentar” e que não superou em muito a percentagem do PSD sozinho há dois anos.

“É a segunda marca mais baixa de um vencedor das eleições desde 1985, PSD com Cavaco Silva”, explicou.

Vital Moreira tece ainda um comentário a outro “vencedor das eleições ainda que não fosse candidato”, referindo-se ao Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, que “com a intempestiva interrupção da legislatura, conseguiu fazer afastar o PS do Governo e colocar o seu partido no poder, oito anos depois”.

“Embora um tanto amarga – vitória eleitoral ‘à tangente’, vitória política do Chega, problemáticas condições de governo –, não deixa de ser um triunfo”, considerou.

Governabilidade

O Governo que sair das eleições de domingo tem condições de governabilidade, segundo os politólogos ouvidos pela Lusa, considerando que tem é de ser “mais competente” que o anterior para aguentar a legislatura.

“Há de formar-se [o novo Governo] sem dúvida, vão encontrar uma solução, a questão será é quanto tempo vai durar e não sabemos que tipo de Governo vai resultar”, disse à Lusa Marco Lisi, professor e investigador de Ciência Política no Instituto Português de Relações Internacionais da Universidade Nova de Lisboa.

De acordo com o politólogo “pode acontecer muita coisa”, não querendo dizer necessariamente “novas eleições”, mas sublinhando haver “várias soluções em cima da mesa”.

“A hipótese mais provável é que seja um Governo de minoria do PSD, sobretudo até à eleição de um novo Presidente da República (em 2026), depois haverá cálculos políticos”, considerou.

Segundo o especialista em ciência política, mesmo que venha a existir uma crise de Governo, e se o PSD vier a ter outro líder, este “poderá fazer acordo com o Chega, uma vontade do Chega e que teria mais a ver com os resultados eleitorais”, sendo que Luis Montenegro disse que iria cumprir o “não é não” sobre a inclusão do Chega no Governo.

Marco Lisi considera que o resultado de “grande maioria da direita foi claro nas urnas, não sendo claro, no entanto, que governe assim como solução, e afasta, para já a hipótese de um governo de “bloco central”, que poderá estar em cima da mesa num futuro.

Já Adelino Maltez, investigador de ciência política e professor catedrático, disse à Lusa concordar existirem condições para formar Governo, considerando que o Chega vai “ocupar um espaço para uma democracia mais inclusiva”.

“Há cerca de 20% dos portugueses que querem, estamos em democracia, como está grande parte da Europa Ocidental que também quer, o tempo é o tempo e o Chega não é uma doença, são a expressão de determinados valores”, explicou.

No entanto, Adelino Maltez considerou que o partido que está mais próximo do PSD é o PS e “os pactos de regime são possíveis”, podendo ser “uma solução para a democracia portuguesa como já foi no passado”.

Segundo o politólogo, Pedro Nuno Santos “demarcou-se no domingo de Antonio Costa”, já que pela primeira vez saiu da “posição dupla em que se encontrava, como defensor de Costa e ontem [domingo] deu início a um novo caminho”.

“Para já temos de pensar se vamos ter um Governo mais competente que outros, que conquiste a sociedade”, disse, salientando que Luís Montenegro terá de escolher “um Governo muito bom porque se não o fizer, com ministros comunicativos, corre sérios riscos, portanto vai exigir o melhor de si como líder”.

Adelino Maltez considerou também que os críticos “têm que saber interpretar os resultados”, porque “não se pode pedir mais à democracia porque os portugueses escolheram aquilo que queriam”.

No domingo, a Aliança Democrática (AD), liderada por Luís Montenegro, venceu as eleições legislativas, com 29,49% dos votos e 79 deputados, à frente de PS, de Pedro Nuno Santos, segundo mais votado, com 28,66% e 77 eleitos, e Chega, de André Ventura, com 18,06% e 48 mandatos, de acordo com os resultados provisórios, faltando ainda atribuir os quatro mandatos pela emigração.

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