Sem os imigrantes alguns setores da sociedade entrariam em colapso – Relatório

Mundo Lusíada com Lusa

A diretora do Observatório das Migrações, Catarina Reis Oliveira, defende num estudo apresentado nesta segunda-feira que, sem os imigrantes, alguns setores da sociedade entrariam em colapso.

“Os imigrantes assumem um papel fundamental na eficiência dos mercados de trabalho, sendo claro que, sem os imigrantes, alguns setores econômicos e atividades entrariam em colapso”, escreveu a autora no Relatório Estatístico Anual de 2022 do Observatório, que contém indicadores de integração desta população.

Na maioria dos países europeus de acolhimento de imigrantes, entre os quais Portugal, os estrangeiros apresentam “taxas de atividade superiores aos nacionais”, refere, exemplificando que, neste domínio, Portugal surge na quarta posição entre os 27 países da União Europeia onde os estrangeiros têm mais elevada taxa de atividade: 75,5% em 2021, representando +17,9 pontos percentuais do que o verificado nos nacionais portugueses naquele ano.

“Porém, os estrangeiros continuam a estar, por comparação aos nacionais, mais representados nos grupos profissionais da base (em 2020, 50,5% dos trabalhadores estrangeiros estavam empregados nos grupos profissionais 7, 8 e 9, enquanto apenas 38% dos trabalhadores portugueses se enquadravam nesses mesmos grupos profissionais), embora se observem melhorias, tendo diminuído a importância relativa dos estrangeiros nesses grupos por comparação ao observado na década anterior”, refere.

Assim, a maioria dos trabalhadores estrangeiros encontra-se associada a atividades econômicas de alojamentos, restauração e similares (21,2% em 2019 e 15,9% em 2020, representando +13,3pp e +9pp do que o observado nos trabalhadores portugueses) e atividades econômicas administrativas e dos serviços de apoio (21,5% em 2019 e 21,9% em 2020, representando +12pp e +13pp do que os trabalhadores portugueses).

“A inserção dos estrangeiros no mercado de trabalho português continua a não refletir necessariamente as suas qualificações, verificando-se que os trabalhadores estrangeiros, por comparação aos portugueses, têm uma percentagem maior que não usa as suas habilitações nas funções que exercem no mercado de trabalho português: em 2020, 11,4% dos estrangeiros com habilitações superiores (+7,7pp do que os trabalhadores nacionais) estavam incorporados nos grupos profissionais da base, não usando as suas habilitações nas atividades que exerciam”, alerta a docente universitária.

Em 2020, persistiam também “desequilíbrios nas remunerações base médias”. Globalmente os trabalhadores estrangeiros continuavam a ter remunerações médias mais baixas do que os portugueses (-6,7% em 2020 e -8,2% em 2019).

No relatório sublinha-se ainda que, embora a característica dominante no mercado de trabalho português seja o vínculo permanente, este “não é o vínculo laboral principal para a maioria dos trabalhadores de nacionalidade estrangeira”.

Em 2020 mais de dois terços dos trabalhadores portugueses por conta de outrem tinham um contrato de trabalho sem termo (69,8%), quando no caso dos estrangeiros apenas cerca de um terço detinha esse tipo de vínculo laboral (35,1%).

Entre as principais nacionalidades dos empregadores estrangeiros, destacam-se os brasileiros (26,7% dos empregadores estrangeiros registrados nos Quadros de Pessoal em 2020) e os chineses (16%).

Apesar de os estrangeiros continuarem a apresentar maiores taxas de desemprego do que os nacionais, viram nos últimos anos “diminuir ligeiramente” a sua taxa de desemprego e a distância face aos nacionais.

Em 2020 a taxa de desemprego para os estrangeiros de países extracomunitários fixou-se nos 14,6%, sendo a taxa de desemprego do total da população de 6,7%.

Nos dois últimos anos, verificou-se um aumento do impacto do desemprego registrado entre estrangeiros no total de desempregados em Portugal (de 6,2% em 2019, passaram para 9,8% em 2020 e 10,4% em 2021).

A evolução do desemprego nos dois últimos dois anos deve, no entanto, ser enquadrada pelos impactos da pandemia covid-19 na economia portuguesa.

“Este incremento verifica-se também no crescimento dos beneficiários de prestações de desemprego de nacionalidade estrangeira: quase seis vezes mais em 2020, com taxa de variação anual de +440,5%, atingindo o valor inédito de 106.546 em 2020 (incremento semelhante verificou-se entre os portugueses com +244,5% de beneficiários de prestações de desemprego em 2020), passando os estrangeiros a representar 8,2% dos beneficiários de prestações de desemprego em Portugal em 2020”, lê-se no relatório.

À semelhança do verificado nos restantes países europeus, em Portugal os estrangeiros residentes apresentam maiores riscos de pobreza e vivem com maior privação material. Nos anos de referência do relatório houve “um agravamento no risco de pobreza ou exclusão social tanto nos estrangeiros residentes em Portugal como nos nacionais”.

Em 2020, o risco de pobreza ou exclusão social dos estrangeiros em Portugal foi de 18,9%, subindo para 35% em 2021 (+16 pontos percentuais face ao ano anterior, e +13pp perante o verificado para os nacionais portugueses).

“Ainda que de 2020 para 2021 se observe um forte incremento, a percentagem de residentes estrangeiros em Portugal em risco de pobreza ou exclusão social está ainda longe do valor assumido em 2015, quando o risco de pobreza dos estrangeiros foi de 45,1% (nesse ano +20 pontos percentuais do que o observado para os nacionais portugueses)”, segundo os dados incluídos no estudo.

“Estes resultados associados à maior vulnerabilidade, pobreza e privação dos estrangeiros não induzem, contudo, à sua maior dependência pela proteção social do país”, conclui a autora.

Os estrangeiros, por comparação ao total de residentes em Portugal, continuam a ter menos beneficiários de prestações sociais por total de contribuintes: em 2021, no caso dos estrangeiros a relação é de 50 por cada 100 contribuintes, quando para o total dos residentes a relação é de 77 beneficiários por cada 100 contribuintes.

Em 2021, os estrangeiros passaram a representar 10,1% do total de contribuintes do sistema de segurança social de Portugal, “importância relativa inédita” e “mais expressiva do que a que seria de esperar”, atendendo a que “só representam 6,8% da população residente”.

“A população estrangeira residente em Portugal continua a ter um papel importante para contrabalançar as contas do sistema de Segurança Social, contribuindo para um relativo alívio do sistema e para a sua sustentabilidade”, argumenta.

Municípios com 1/3 da população de estrangeiros 

Portugal tem municípios onde mais de um terço da população residente é estrangeira, chegando aos 41,2% em Vila do Bispo, 37,1% em Albufeira e 35% em Lagos, enquanto em Odemira, no Alentejo, os estrangeiros residentes representam 36,45%.

De acordo com os dados reunidos no Relatório Anual do Observatório das Migrações, a partir de 2019 inverteu-se a tendência verificada de “feminização da imigração”, passando os homens a ultrapassar a importância relativa das mulheres no total de estrangeiros residentes (em 2020 as mulheres representavam 49,2%, passando a representar 48,5% em 2021).

“A estrutura das dez nacionalidades estrangeiras numericamente mais representativas em Portugal sofreu algumas alterações nos anos de referência deste relatório, nomeadamente associadas ao aumento de nacionais de alguns países europeus (Itália, França e Reino Unido) e da Ásia (Índia), e à diminuição de algumas nacionalidades dos PALOP [países africanos de língua oficial portuguesa] e da Europa de Leste”, lê-se no documento.

A população estrangeira residente é tendencialmente mais jovem do que a portuguesa, concentrando-se nos grupos etários em idades férteis e ativas.

“Em 2020 e 2021 continuam a verificar-se os contributos positivos dos imigrantes para a demografia portuguesa. Os estrangeiros continuam a contribuir de forma expressiva para os nascimentos em Portugal: em 2020 e 2021 as mulheres de nacionalidade estrangeira foram responsáveis por, respetivamente, 13,5% e 13,6% do total dos nados-vivos”, refere a autora do trabalho, Catarina Reis Oliveira.

Em 2020 e 2021, por cada mil mulheres verifica-se mais do dobro da prevalência de nascimentos nas mulheres estrangeiras (35 recém nascidos por cada mil mulheres estrangeiras em 2020 e 32 em 2021) por comparação ao verificado nas mulheres de nacionalidade portuguesa (14 recém nascidos por cada mil mulheres portuguesas em 2020 e 13 em 2021), “confirmando-se a maior fecundidade dos estrangeiros residentes por comparação aos portugueses e, assim, os efeitos positivos que promovem para a estrutura etária do país, atenuando o envelhecimento demográfico”.

No ano letivo de 2020/2021 encontravam-se matriculados no ensino básico e secundário 71.652 alunos de nacionalidade estrangeira, mais 3.634 (5,3%) face ao ano letivo anterior.

Os alunos estrangeiros representaram no último ano letivo 7,2% do total de estudantes matriculados no ensino básico e secundário em Portugal, com mais impacto nas regiões da Área Metropolitana de Lisboa e do Algarve, onde representam, respetivamente, 12% e 13,7% dos alunos nessas regiões.

“De uma forma geral, os imigrantes tendem a apresentar maiores dificuldades em obter bons resultados escolares, quando comparados com os nacionais dos países de acolhimento”, observa a autora, acrescentando: “Não sendo Portugal exceção neste domínio, nota-se, porém, nos últimos anos uma evolução positiva no desempenho escolar dos estrangeiros matriculados, diminuindo a distância entre alunos estrangeiros e nacionais”.

De acordo com os dados presentes no relatório, no ano letivo de 2011/2012, a taxa de transição/conclusão dos alunos de nacionalidade estrangeira (75,9%) situava-se 15,1 pontos percentuais abaixo da apresentada pelos alunos de nacionalidade portuguesa (91%), mas no último ano letivo os alunos estrangeiros (89,8%) passam a ter apenas menos 5,7 pontos percentuais de taxa de transição do que os portugueses (95,5%) do ensino básico e secundário.

A última década ficou igualmente marcada pelo aumento do número de estudantes estrangeiros no ensino superior português. No ano letivo de 2019/2020, os alunos estrangeiros do ensino superior corresponderam a 62.690 inscritos (+10,3% face ao ano letivo anterior, e quase triplicando em relação ao ano letivo 2010/2011).

No ano letivo de 2020/2021, num contexto pandêmico que induziu globalmente a constrangimentos na mobilidade dos cidadãos, o número de alunos estrangeiros inscritos no ensino superior diminuiu para 56.323. Mas comparativamente ao início do século, os alunos estrangeiros passaram a ser cinco vezes mais.

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