JMJ: Papa cita Camões, Pessoa, Saramago, Sophia e Amália no primeiro discurso em Lisboa

Mundo Lusíada com Lusa

Nesta quarta-feira, o Papa citou Camões, Pessoa, Saramago, Daniel Faria, Sophia e a fadista Amália no seu primeiro discurso no âmbito da Jornada Mundial da Juventude (JMJ), em Lisboa, cidade que por estes dias se torna “a capital do mundo”.

“Estou feliz por estar em Lisboa, cidade do encontro que abraça vários povos e culturas e que, nestes dias, se mostra ainda mais universal. Torna-se, de certo modo, a capital do mundo”, afirmou Francisco, num encontro com autoridades, sociedade civil e corpo diplomático, no Centro Cultural de Belém.

Segundo Francisco, que falou em italiano, a capital portuguesa tem um “caráter multiétnico e multicultural”, exemplificando com o bairro lisboeta da Mouraria, “onde convivem pessoas provenientes de mais de 60 países” e revela os traços cosmopolitas de Portugal, que afunda as suas raízes no desejo de se abrir ao mundo e explorá-lo, navegando rumo a novos e amplos horizontes”.

Depois, referindo-se ao Cabo da Roca, onde está gravada uma frase de Luís de Camões d’“Os Lusíadas” – “aqui… onde a terra se acaba e o mar começa” – , sublinhou que “durante séculos se acreditou que lá estivessem os confins do mundo”.

“E, em certo sentido é verdade, porque este país confina com o oceano, que delimita os continentes”, adiantou, num discurso onde o oceano esteve sempre presente.

E, do oceano, Lisboa, conserva o abraço e o perfume”, prosseguiu, fazendo seu, “com muito gosto, aquilo que os portugueses costumam cantar: ‘Lisboa tem cheiro de flores e de mar’”, de Amália Rodrigues, da canção “Cheira bem, cheira a Lisboa”.

As citações de escritores portugueses prosseguiu com Sophia de Mello Breyner Andresen e “mar sonoro, mar sem fundo, mar sem fim”, quando considerou que “muito mais do que um elemento paisagístico, o mar é um apelo que não cessa de ecoar no ânimo de cada português”.

E depois citou o poeta Daniel Faria “Deus do mar dá-nos mais ondas, Deus da terra dai-nos mais mar”. “À vista do oceano, os portugueses são levados a refletir sobre os imensos espaços da alma e sobre o sentido da vida no mundo”, referiu

No discurso, o primeiro por ocasião da JMJ e após encontro com presidente, referiu-se ainda “às palavras ousadas” de Fernando Pessoa: “navegar é preciso, viver não é preciso (…), o que é necessário é criar”.

Por fim, há ainda referência a José Saramago, “O que dá verdadeiro sentido ao encontro é a busca; e é preciso andar muito, para se alcançar o que está perto”.

O Papa, o primeiro peregrino a inscrever-se na JMJ, chegou a Lisboa hoje de manhã, tendo prevista uma visita de duas horas ao Santuário de Fátima no sábado para rezar pela paz e pelo fim da guerra na Ucrânia.

Eutanásia

Papa ainda criticou as “leis sofisticadas da eutanásia”, neste primeiro discurso, referindo-se também ao aborto. No Centro Cultural de Belém, em Lisboa, ao lado do Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, e tendo na assistência o primeiro-ministro, António Costa, e outros ministros do seu Governo, o chefe de Estado do Vaticano considerou que a vida humana está colocada “em risco por derivas utilitaristas que a usam e descartam”.

“No mundo evoluído de hoje, paradoxalmente, tornou-se prioritário defender a vida humana, posta em risco por derivas utilitaristas que a usam e descartam”, afirmou Francisco.

Antes, referiu-se ao oceano, sempre presente no seu discurso em italiano, disse que “recorda as origens da vida”.

“Penso em tantas crianças não nascidas e idosos abandonados a si mesmos, na dificuldade de acolher, proteger, promover e integrar quem vem de longe e bate às nossas portas, no desamparo em que são deixadas muitas famílias com dificuldade para trazer ao mundo e fazer crescer os filhos”, prosseguiu Francisco.

A este propósito disse que apetece perguntar por onde navega a Europa e o Ocidente, “com o descarte dos idosos, os muros de arame farpado, as mortandades no mar e os berços vazios”.

“Para onde ides se, perante o tormento de viver, vos limitais a oferecer remédios rápidos e errados como o fácil acesso à morte, solução cômoda que parece doce, mas na realidade é mais amarga que as águas do mar?”, questionou ainda o Papa, para acrescentar: “Penso em tantas leis sofisticadas da eutanásia”.

O Papa considerou, contudo, que, “Lisboa, abraçada pelo oceano”, oferece motivos de esperança, agradecendo o “grande trabalho e generoso empenho empreendidos por Portugal” para receber a JMJ, “um evento tão complexo de gerir, mas fecundo de esperança”, pois, como se diz em Portugal, “ao lado dos jovens, não se envelhece”.

“Jovens provenientes de todo o mundo que cultivam anseios de unidade, paz e fraternidade desafiam-nos a realizar os seus sonhos bons. Não andam pelas ruas a gritar a sua raiva, mas a partilhar a esperança do Evangelho”, salientou Francisco, notando que, “se, em muitos lugares, se respira hoje um clima de protesto e insatisfação, terreno fértil para populismos e conspirações”, a JMJ é uma ocasião para uma construção conjunta.

O decreto que despenaliza a morte medicamente assistida foi promulgada pelo Presidente da República no dia 16 de maio, após ter sido confirmada pelo parlamento quatro dias antes na sequência do veto político de Marcelo Rebelo de Sousa.

Pontes

O Papa disse hoje que o mundo, a navegar um momento tempestuoso em que faltam “rotas corajosas de paz”, precisa de uma Europa construtora de pontes e que “use o seu engenho para apagar focos de guerra”.

“Na verdade, o mundo tem necessidade da Europa, da Europa verdadeira. Precisa do seu papel de construtora de pontes e de pacificadora no Leste europeu, no Mediterrâneo, na África e no Médio Oriente”, afirmou Francisco, no Centro Cultural de Belém.

Neste primeiro discurso em Portugal, aplaudido várias vezes, antecedido pelo do Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, o chefe de Estado do Vaticano considerou que a Europa poderá “trazer, para o cenário internacional, a sua originalidade específica”.

E recuou ao século passado quando, “do crisol dos conflitos mundiais, fez saltar a centelha da reconciliação, tornando verdadeiro o sonho de se construir o amanhã, juntamente com o inimigo de ontem, o sonho de abrir percursos de diálogo e inclusão, desenvolvendo uma diplomacia da paz que extinga os conflitos e acalme as tensões, capaz de captar o mais débil sinal de distensão e de o ler por entre as linhas mais tortas da realidade”.

Na intervenção, em que a palavra oceano, que banha a capital portuguesa, esteve sempre presente, o Papa salientou que “no oceano da História” se está a navegar num “momento tempestuoso e sente-se a falta de rotas corajosas de paz”.

“Olhando com grande afeto para a Europa, no espírito de diálogo que a caracteriza, apetece perguntar-lhe: para onde navegas se não ofereces percursos de paz, vias inovadoras para acabar com a guerra na Ucrânia e com tantos conflitos que ensanguentam o mundo?”, questionou.

Depois, alargou o campo, para todo o Ocidente, perguntando que rota segue e manifestou preocupação com o facto de, “em muitos lugares”, se investir “continuamente os recursos em armas e não no futuro dos filhos”.

“Sonho uma Europa, coração do Ocidente, que use o seu engenho para apagar focos de guerra e acender luzes de esperança, uma Europa que saiba reencontrar o seu ânimo jovem, sonhando a grandeza do conjunto e indo além das necessidades imediatas. Uma Europa que inclua povos e pessoas, sem correr atrás de teorias e colonizações ideológicas”, adiantou.

Antes, citou o Tratado de Lisboa, de reforma da União Europeia, assinado em 2007, no qual se lê que “a União tem por objetivo promover a paz, os seus valores e o bem-estar dos seus povos”, para salientar o papel deste bloco “nas suas relações com o resto do mundo”, contribuindo “para a paz, a segurança, o desenvolvimento sustentável do planeta, a solidariedade e o respeito mútuo entre os povos, o comércio livre e equitativo, a erradicação da pobreza e a proteção dos direitos humanos”.

Ainda sobre oceano, referiu que “não liga apenas povos e países, mas também terras e continentes”, para sublinhar a importância do conjunto e “de conceber as fronteiras, não como limites que separam, mas como zonas de contacto”.

“As grandes questões hoje, como sabemos, são globais e já muitas vezes tivemos de fazer experiência da ineficácia da nossa resposta às mesmas, precisamente porque o mundo, diante de problemas comuns, se mantém dividido ou pelo menos não suficientemente unido, incapaz de enfrentar juntos aquilo que nos põe em crise a todos”, assinalou.

Para Francisco, “parece que as injustiças planetárias, as guerras, as crises climáticas e migratórias correm mais rapidamente do que a capacidade e, muitas vezes, a vontade de enfrentar em conjunto tais desafios”.

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