Primeiro-Ministro de Cabo Verde confia na justiça portuguesa e apela à calma

Um ônibus foi incendiado após moradores do bairro do Zambujal terem protestado em reação à morte de um caboverdiano por um agente da polícia na segunda-feira, na Amadora, 22 de outubro de 2024. MIGUEL A. LOPES/LUSA

Da Redação com Lusa

 

O primeiro-ministro cabo-verdiano, Ulisses Correia e Silva, disse nesta quinta-feira que confia na justiça portuguesa, apelou à serenidade no caso da morte de Odair Moniz, sem tumultos, e repudiou declarações contra a imigração cabo-verdiana.

“Nós confiamos na justiça portuguesa, nas suas instituições. O processo está em investigação criminal e esperamos que a justiça se faça com a celeridade necessária e com a responsabilização” adequada, referiu, na Praia, à margem de um evento público.

“Estamos perante um cidadão cabo-verdiano, creio que também é português, e, quando coisas desse tipo acontecem, atingem também as nossas comunidades e atingem Cabo Verde”, acrescentou. O primeiro-ministro rematou dizendo: “Esperamos que se faça justiça”.

“Enderecei uma carta de condolências à família e, ao mesmo tempo, fazemos um apelo para que haja tranquilidade, que o tumulto e as situações a que nós temos estado a assistir nas televisões não criem um ambiente ainda mais explosivo, incendiário” e que pode depois “criar fenômenos que entram em descontrolo”, declarou.

A situação política mereceu uma nota de repúdio de Ulisses Correia e Silva face à posição do Chega.

“O presidente do Chega fez uma declaração a todo o título incendiária, numa realidade que cria muitas emoções e pode provocar reações ainda muito mais negativas, quando se está ainda num processo de investigação”, classificou.

Segundo o primeiro-ministro cabo-verdiano, “não se podem atirar culpas, e da forma como foi feito, a pessoas em concreto, a comunidades, aos imigrantes e à imigração cabo-verdiana, relativamente a um acontecimento lamentável” e que ainda está a ser investigado.

Odair Moniz, de 43 anos e morador no Bairro do Zambujal, na Amadora, foi baleado por um agente da PSP na madrugada de segunda-feira, no Bairro da Cova da Moura, no mesmo concelho, e morreu pouco depois, no Hospital São Francisco Xavier, em Lisboa.

Desde a noite de segunda-feira registaram-se desacatos no Zambujal e, desde terça-feira, noutros bairros da Área Metropolitana de Lisboa, onde foram queimados autocarros, automóveis e caixotes do lixo. Mais de uma dezena de pessoas foram detidas, o motorista de um autocarro sofreu queimaduras graves e dois polícias receberam tratamento hospitalar, havendo ainda alguns cidadãos feridos sem gravidade.

Reforço segurança

O Governo português vai manter o reforço de segurança nos bairros da Área Metropolitana de Lisboa e nos autocarros, anunciou hoje o ministro da Presidência. “Todos os meios de que o Estado português dispõe para garantir a segurança das pessoas, não só nos bairros, vão estar disponíveis”, disse António Leitão Amaro, garantindo “uma gradual prontidão de todas as forças e serviços de segurança para, de forma proporcionada, mas firme”, parar com os comportamentos de violência, com a destruição de bens públicos e com o sentimento de insegurança dos portugueses.

O ministro falava aos jornalistas após uma reunião do Conselho Metropolitano de Lisboa, na capital, onde esteve presente juntamente com a ministra da Administração Interna, Margarida Blasco, além de autarcas dos 18 municípios que compõem a Área Metropolitana de Lisboa (AML).

Leitão Amaro especificou que envolver “todos os meios” significa que, além de mais polícias na rua, serão utilizados meios de vigilância que podem ser “presenciais a cibernéticos”, e reiterou que as redes sociais também estão a ser escrutinadas para “detetar e prevenir todos os acontecimentos errados” e fazer a “vigilância dos comportamentos incorretos”.

“Colocar todos os meios é colocar todos os meios a garantir a segurança das pessoas. Não significa apenas na rua. A existência de vigilância aérea, de vigilância nas redes sociais, nos contatos que são feitos por todas as entidades do aparelho do Estado, desde os serviços de informações às forças de segurança, todos atuam em todas as dimensões para que quem faz mal, a minoria muito minoritária que pensa, pretende, tem alguma ideia de colocar em risco a segurança dos concidadãos, saiba que o crime não compensa e que o Estado está firme e estará cada vez mais firme”, afirmou.

O governante destacou que já na quarta-feira foi visível “um aumento significativo da presença das forças” de segurança “nos bairros onde estavam a existir situações de maior vulnerabilidade”.

“Vamos continuar a programar o reforço da segurança também nos autocarros”, frisou, após quatro viaturas do serviço público terem sido incendiadas e um motorista ter ficado ferido com gravidade, não especificando que tipo de segurança será realizado.

\”Nas próximas horas” será preparado esse plano de reforço dos transportes coletivos, que são geridos pela Autoridade Metropolitana, disse o ministro, considerando que a presença das forças de segurança nos autocarros \”tem que ser garantida, mas não tem que ser anunciada”.

Leitão Amaro acrescentou que discutiu também com os autarcas “medidas e dimensões mais estruturais” – nomeadamente “a necessidade de um reforço da segurança de proximidade, não apenas para parar estas manifestações de violência”, mas “para o futuro” – e também “a necessidade de multiplicar a habitação disponível nesta região para que as pessoas que hoje vivem em situação de vulnerabilidade possam viver em situação de mais conforto”. Em causa está também o desenvolvimento de políticas de integração nas comunidades.

“Nós abordámos todas as dimensões que este problema pode acarretar e pode envolver, comprometendo-nos com a continuação do diálogo sobre as medidas estruturais para resolver problemas que não começaram hoje. E será [feito] esse debate em conjunto”, acrescentou.

O ministro reforçou que “todas as manifestações legítimas e pacíficas de opinião, de preocupação, de sentimento de explosão, de revolta, pela perda de uma pessoa ou por um sentimento de desenquadramento, de racismo, não podem ser, numa sociedade democrática, tabu”.

Na próxima semana, o Governo vai ter reuniões com associações e líderes das comunidades, “incluindo pessoas e as associações que se organizam para abordar especificamente o tema do racismo, que é um problema como qualquer outra forma de discriminação, mas que é particularmente dolorosa” para as pessoas que a sofrem e à qual os poderes públicos têm que prestar atenção.

Segundo a associação SOS Racismo e o movimento Vida Justa, a versão policial do ocorrido é contestável e exigiram uma investigação “séria a isenta” para apurar “todas as responsabilidades”, considerando que está em causa “uma cultura de impunidade” nas polícias.

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