Agricultores mantêm protestos para exigir preços justos à produção

Mundo Lusíada com Lusa

Nesta sexta-feira, mais de 100 tratores e máquinas agrícolas iniciaram cerca das 11:00 uma marcha lenta na Estrada Nacional (EN) 109 em Estarreja, no distrito de Aveiro, num protesto de agricultores para exigir preços justos à produção.

Organizado pela União de Agricultores e Baldios do Distrito de Aveiro (UABDA), o protesto surge um dia depois de o Governo ter garantido que a maior parte das medidas do pacote de apoio aos agricultores portugueses, que foi anunciado na quarta-feira, com mais de 400 milhões de euros de dotação, entra em vigor ainda este mês, com exceção das que estão dependentes de ‘luz verde’ de Bruxelas.

Os agricultores dizem que os apoios prometidos pelo Governo não são suficientes para resolver os problemas do setor que dizem estar a viver uma situação critica, como referiu Silvino Tomás, de 78 anos.

“Os fatores de produção têm vindo a subir de tal ordem que não há ninguém que consiga viver na agricultura. Tenho três filhos e nenhum deles trabalha na agricultura. Se fosse aliciante, eles não saiam de cá. Alguns deles andam a ganhar o ordenado mínimo e eu tenho uma agricultura razoavelmente mecanizada. Antigamente a agricultura era uma profissão como outra qualquer. Eu orgulhava-me de ser agricultor. Hoje tenho vergonha”, disse este produtor hortícola.

Em declarações à Lusa, o produtor de leite Carlos Pinto, de 37 anos, disse que este protesto serve para exigir um preço justo à produção.

“Não nos interessam linhas de crédito, nem subsídios. Queremos só um preço justo à produção. Só vamos sair daqui quando a ministra nos der resposta a isso”, afirmou.

Detentor de uma exploração com cerca de 200 animais, este produtor leiteiro diz que a maior parte dos fatores de produção está atualmente ao dobro dos preços, enquanto o leite subiu apenas 10 cêntimos.

“A palha, que comprávamos a sete/oito cêntimos, compramos a 22 cêntimos. A silagem do milho estava a 4/5 cêntimos, está a 10/12 cêntimos”, exemplificou.

Carlos Pinto diz que devido a esta situação, que tem vindo a agravar-se, muitas explorações leiteiras na região têm vindo a encerrar nos últimos anos. “Da geração dos meus pais para a minha, somos se calhar 50% e da minha para os meus filhos vai ser para ai 10%. Trabalhar 365 dias por ano não é para viver, é para sobreviver, e muitas vezes trabalhar para pagar. Não há malucos para isso”, observou.

O presidente da UABDA, Carlos Alves, disse que os apoios prometidos pelo Governo “não passam de migalhas”, adiantando que “parte do que vem anunciado já estava destinado aos agricultores”.

“No fundo isto acaba por ser uma grande encenação de desmobilização do movimento dos agricultores que estão a reivindicar”, disse Carlos Alves, adiantando que estes apoios só beneficiam “os lóbis da agroindústria”, enquanto “os pequenos e médios agricultores, que estão a sofrer na pele, estão a ser deixados de lado”.

As largas dezenas de tratores estão a percorrer a EN 109, numa fila de vários quilômetros, que está a condicionar a circulação rodoviária entre a rotunda que dá acesso às autoestradas A1 e A29 e a rotunda de acesso aos hipermercados, sob olhar atento da GNR que está a acompanhar o protesto.

Com bandeiras da Confederação Nacional da Agricultura (CNA), os atrelados de alguns tratores ostentavam mensagens reivindicativas como “O nosso fim é a vossa fome” e “mais respeito pelos agricultores”.

Em Montijo, cerca de 80 tratores e outras viaturas de apoio a atividades agrícolas também condicionam o trânsito nos acessos à ponte Vasco da Gama, disse à Lusa um agricultor, adiantando que o protesto deverá prolongar-se até ao meio-dia.

“Formamos várias equipes, uma vai até à Moita e depois volta para Alcochete, através do IC33, outra equipa está a sair na rotunda do Montijo e volta a entrar no IC33, rumo a Alcochete, tudo dentro da legalidade e acompanhado pelas autoridades”, disse André Miranda, um agricultor de Palmela que participa neste protesto de agricultores da Península de Setúbal, mas também dos concelhos de Alcácer do Sal, Grândola e Vendas Novas.

“O que nós queremos é a valorização do setor primário, porque, muitas vezes, a diferença entre o preço pago ao produtor e o preço pago pelo consumidor final, pela cebola, pela cenoura ou pela batata, é de mais de 300% do que o preço pago à produção. Exigimos que haja um controle maior porque não somos nós que ganhamos o dinheiro. Se houvesse maior regulação, era bom para o agricultor e para o consumidor”, defendeu.

No contexto europeu, a Comissão Europeia vai preparar com a presidência semestral belga do Conselho da UE uma proposta para a redução de encargos administrativos dos agricultores, que será debatida pelos ministros da Agricultura dos 27 Estados-membros do bloco europeu no próximo dia 26 de fevereiro.

Governo

Uma representação dos agricultores concentrados desde quinta-feira em protesto em Coimbra vai reunir-se hoje às 14:00, por videoconferência, com responsáveis do Ministério da Agricultura.

Um dos promotores da manifestação, João Monteiro Grilo, disse à agência Lusa que a delegação dos produtores do Baixo Mondego, incluindo ele e o colega Carlos Plácido, foi avisada do encontro por responsáveis da Direção Regional de Agricultura do Centro (DRABL).

“Não sabemos se a própria ministra da Agricultura vai participar”, afirmou, indicando que a reunião, a partir das instalações da DRABL, na Baixa de Coimbra, “será com o gabinete” de Maria do Céu Antunes.

João Grilo reafirmou que os manifestantes, com cerca de 250 tratores agrícolas, “não sairão” do local, na avenida Fernão de Magalhães junto à sede da DRABL, “sem discutir o documento” com as reivindicações que foi entregue a esta entidade regional.

“Demonstramos que estamos vivos, que o Vale [do Mondego] existe e que aqui há agricultores dispostos a lutar pelas suas atividades”, declarou pouco antes Carlos Plácido.

Já o secretário-geral do PS reagiu hoje “com naturalidade” ao protesto nacional dos agricultores pela valorização do setor e por condições justas e referiu que o Governo fez “aquilo que achava que podia fazer”. “Eu reajo com naturalidade”, disse Pedro Nuno Santos aos jornalistas quando questionado sobre o protesto dos agricultores.

O secretário-geral do PS falava em Vila Franca do Campo, na ilha de São Miguel, à chegada a um jantar comício da candidatura do socialista Vasco Cordeiro à presidência do Governo Regional dos Açores, nas eleições de domingo.

Segundo Pedro Nuno Santos, o descontentamento “deve ser demonstrado”: “Isso é assim numa democracia, numa democracia avançada como a nossa, e, obviamente, que a preocupação que as pessoas têm em relação às suas vidas, aos seus negócios e à sua atividade econômica, é a mesma que eu tenho”.

Para o líder do PS, a agricultura “é central na vida de Portugal, na atividade econômica portuguesa”.

Pedro Nuno Santos disse também aos jornalistas que no país, com o Governo PS, “fez-se um grande avanço” e aumentaram-se salários e pensões.

E, no último trimestre, Portugal foi “o país que mais cresceu na União Europeia”: “Nós já não estamos a convergir para a média, estamos no topo do crescimento econômico”.

Os agricultores estiveram hoje na rua com os seus tratores, de norte a sul do país, reclamando a valorização do setor e condições justas, tal como tem acontecido em outros pontos da Europa.

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