Obra reúne estudos do historiador inglês Kenneth Maxwell sobre a situação política no país desde a sua primeira visita em 1964.
Por Adelto Gonçalves (*)
I
Uma visão de como estava Portugal nos anos que antecederam o golpe militar que derrubou o regime do Estado Novo, herança do salazarismo, no dia 25 de abril de 1974, abre o livro PerspectivesonPortugueseHistory – The2024LecturesbyProfessorKennethMaxwell (Grã Bretanha, Robbin Laird, editor, edição em inglês e português, 2025), que reúne também as últimas conferências do autor realizadas em 2024 em São Paulo, Lisboa e na cidade histórica de São Cristóvão, em Sergipe, a propósito das comemorações dos 50 anos do movimento que derrubou a mais antiga das ditaduras na Europa.
O relato inicial Maxwell o escreveu em seus verdes anos, quando viveu alguns meses em Portugal, em 1964, logo depois de sua chegada à Universidade de Princeton, em Nova Jersey/EUA, e mostra a Lisboa daquele tempo em que a PIDE, a polícia política, exercia um grande poder sobre os corações e mentes dos portugueses sob a liderança do primeiro-ministro António de Oliveira Salazar (1889-1970), à época já um “caudilho envelhecido” e atarantado como o destino do país e m meio a guerras que duraram treze anos (1961-1974) na África na tentativa de manter as possessões lusitanas (Guiné-Bissau, Moçambique e Angola) que faziam parte daquilo que ele chamava de “bocados de Portugal espalhados pelo mundo”.
Em seguida, o leitor irá encontrar a conferência que o professor Maxwell ministrou na Universidade de São Paulo (USP), em abril de 2024, sobre os 50 anos da Revolução dos Cravos, em que observa que a derrubada do primeiro-ministro Marcello Caetano (1906-1980) causou grande preocupação em Washington, especialmente ao todo-poderoso Henry Kissinger (1923-2023), secretário de Estado (1973-1977) à época do governo do presidente Gerald Ford (1913-2006). Kissinger já havia contribu& iacute;do decisivamente para a queda do presidente Salvador Allende (1908-1973), no Chile, em setembro de 1973 e, apesar desse seu lado obscuro, ganhara o Prêmio Nobel da Paz daquele ano.
II
Embora o general António de Spínola (1910-1996) tivesse assumido a presidência com o apoio do Movimento das Forças Amadas (MFA) e sua orientação política fosse de direita, ele, forçado pelas circunstâncias, havia formado um governo de coalizão, com a presença de comunistas e esquerdistas. Com o tempo, porém, tentou reforçar sua autoridade diante do MFA, o movimento dos capitães, mas a presença de comunistas num governo ocidental pela primeira vez desde o início da Guerra Fria (1947-1991) causou horror aos aliados de Portugal na Organização do Tratado do Atlântico Norte (NATO). E Kissinger, por sua vez, tratou de reagir da mesma forma que havia reagido à eleição de Allende no Chile.
Por força política dos comunistas e socialistas, deu-se a descolonização, o que acirrou ainda mais a oposição do Mundo Ocidental ao governo português. Spínola ainda tentou reverter a situação, admitindo até a possibilidade de se tornar um novo Augusto Pinochet (1915-2006). Mas não obteve êxito, tendo sido substituído em setembro de 1974 por Costa Gomes (1914-2001), outro militar, que consolidaria a democracia no país.
Já Kissinger haveria de aumentar a pressão para reverter a situação, enviando a Portugal o general Vernon Walters (1917-2002), vice-diretor da Central Intelligence Agency (CIA), que tivera participação direta na preparação do golpe militar que ocorreu no Brasil em 1964. Segundo o professor, Kissinger só não faria Portugal repetir a tragédia do Chile em razão da ação de Frank Carlucci (1930-2018), o novo embaixador dos Estados Unidos em Lisboa, que, com base no s resultados das eleições de 1975, conseguiu contornar a pretensão do então secretário de Estado e apoiar o caminho pacífico que se abria para um regime democrático em Portugal.
Para se ter uma ideia do ideal totalitário que marcava a personalidade de Kissinger, basta ver que, em 2004, Maxwell, ao resenhar o livro ThePinochetFiles, do norte-americano Peter Kornbluh, para a revista ForeingAffairs, desagradou ao ex-secretário do Estado, que respondeu por escrito às reflexões do articulista. No entanto, a revista, provavelmente pressionada por Kissinger, recusou-se a publicar a réplica de Maxwell, o que mostra que, nos Estados Unidos, a liberdade de impren sa não passa da liberdade de quem pode mais. Em função disso, em maio daquele ano, o professor renunciou ao cargo de diretor de Estudos Latino-Americanos do Conselho de Relações Exteriores de Nova York.
III
Um fato curioso que envolve a atuação diplomática do governo barsileiro ao tempo do regime militar (1964-1985) aparece no último capítulo que tem por título “O pivô: o golpe português do 25 de abril e as suas consequências globais”, que reproduz o discurso que Maxwell fez em Lisboa, em 25 de outubro de 2024, em evento organizado pela Fundação Oriente. Neste discurso, o professor apresentou documentos até aqui desconhecidos e levantados pelo notável jornalist a brasileiro Elio Gaspari, que incluem registros de conversas secretas do general Spínola, então exilado no Brasil, com agentes secretos do Serviço Nacional da Informações (SNI), no Rio de Janeiro e em Brasília, em 1975.
O que surpreende é a reação do general Ernesto Geisel (1907-1996), o ditador de plantão, ao recusar o apoio brasileiro a uma pretensão do general português, apesar das afinidades extrema-direitistas que alimentavam. Spínola queria ajuda para empreender uma invasão de Portugal e, provavelmente, transformar-se num Pinochet lusitano. A atitude de Geisel, aliada ao trabalho do embaixador norte-americano Frank Carlucci em Lisboa, ao contornar o desejo de Kissinger de fazer de Portugal, a exemplo do&nb sp; Chile, um escudo para interromper a propagação do que considerava uma “infecção” comunista no resto da Europa, acabou por evitar muito derramamento de sangue em território luso. E o Brasil continuou a apoiar a política de descolonização na África. Menos mal.
Da obra, faz parte também conferência que Maxwell proferiu em 2024, nos Estados Unidos, em seu último ato como professor da Universidade de Harvard, ao participar do Colóquio Internacional de Arte e Literatura Luso-Brasileira, realizado naquela instituição. Desta vez, apresentou suas reflexões sobre a reconstrução de três grandes cidades europeias, Londres, Lisboa e Paris, que foram reunidas no recém-lançado livro TheTaleofThreeC ities (Londres, Robbin Laird, editor, edição em inglês, francês e português, 2025).
Da obra consta ainda entrevista que Maxwell concedeu ao professor Luís Eduardo de Oliveira, da cátedra Marquês de Pombal da Universidade Federal de Sergipe (UFS), em junho de 2024, à época em que recebeu o título de doutor honoriscausa daquela instituição, além da saudação feita pelo professor Dilton Cândido Santos Maynard, pró-reitor de Graduação, e do discurso de aceitação pelo homenageado.
IV
Kenneth Maxwell foi diretor e fundador do Programa de Estudos Brasileiros do Centro David Rockefeller de Estudos Latino-Americanos (DRCLAS), da Universidade de Harvard (2006-2008), e professor do Departamento de História de Harvard (2004-2008). De 1989 a 2004, foi diretor do Programa para a América Latina no Conselho de Relações Exteriores e, em 1995, tornou-se o primeiro titular da cátedra Nelson e David Rockefeller em Estudos Interamericanos. Atuou como vice-presidente e diretor de Estudos do Conselho em 1996. Lecionou anteriormente nas universidades de Yale, Princeton, Columbia e Kansas.
Fundou e foi diretor do Centro Camões para o Mundo de Língua Portuguesa em Columbia e foi diretor de Programa da TinkerFoundation, Inc. De 1993 a 2004, foi revisor de livros do Hemisfério Ocidental para Relações Exteriores. É colaborador regular da New York Review of Books e foi colunista semanal entre 2007 e 2015 do jornal Folha de S. Paulo e é colunista mensal de O Globo desde 2015.
Foi ainda Herodotus fellow no Instituto de Estudos Avançados de Princeton e Guggenheim fellow e membro do Conselho de Administração da TheTinkerFoundation, Inc. e do Conselho Consultivo da Fundação Luso-Americana. Também é membro dos Conselhos Consultivos da BrazilFoundation e da HumanRightsWatchAmericas. Fez bacharelado e mestrado no St. John’sCollege, na Universidade de Cambridge, e mestrado e doutorado na Universidade de Princeton. É colaborador regular do site Second Line ofDefense (www.sldinfo.com).
Publicou também ADevassadaDevassa – aInconfidênciaMineira: Brasil–Portugal1750–1808 (Editora Paz e Terra, 1978), Marquês de Pombal – Paradoxo do Iluminismo (Editora Paz e Terra, 1996), A Construção da Democracia emPortugal (Editorial Presença, 1999), Naked Tropics: essays on empire and other rogues (PsychologyPress, 2003), Chocolate, piratas e outros malandros (Edito ra Paz eTerra, 1999), Mais malandros – ensaiostropicais e outros (Editora Paz e Terra, 2005) e KennethMaxwellonGlobalTrends – anhistorianofthe18thcenturylooksatthecontemporaryworld (Robbin Laird, editor, SecondLineofDefense, 2023), entre outros.
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Perspectives on Portuguese History, de Kenneth Maxwell. Grã-Bretanha, Robbin Laird, editor, edição em inglês e português, Second Line of Defense, 278 páginas, R$ 107,89 (Amazon), 2025.
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(*) Adelto Gonçalves, jornalista, mestre em Língua Espanhola e Literaturas Espanhola e Hispano-americana e doutor em Letras na área de Literatura Portuguesa pela Universidade de São Paulo (USP), é autor de Gonzaga, um Poeta do Iluminismo (Rio de Janeiro, Nova Fronteira, 1999), Barcelona e Voz de Deus (Santos, Editora da Unisanta, 1997); Bocage – o Perfil Perdido (Lisboa, Caminho, 2003, São Paulo, Imprensa Oficial do Estado de São Paulo – Imesp, 2021), Tomás Antônio Gonzaga (Imesp/Academia Brasileira de Letras, 2012), Direito e Justiça em Terras d´El-Rei na São Paulo Colonial (Imesp, 2015) , Os Vira-latas da Madrugada (Rio de Janeiro, Livraria José Olympio Editora, 1981; Taubaté-SP, Letra Selvagem, 2015), e O Reino, a Colônia e o Poder: o governo Lorena na capitania de São Paulo – 1788-1797 (Imesp, 2019), entre outros. Escreveu prefácio para o livro KennethMaxwellonGlobalTrends (Robbin Laird, editor, 2024), publicado na Inglaterra. E-mail: [email protected]