Moro diz que Portugal tem “dificuldade institucional” no processo contra Sócrates

Da Redação
Com Lusa

O ministro brasileiro da Justiça e Segurança Pública, Sérgio Moro, declarou que há uma “dificuldade institucional” em Portugal em fazer avançar o processo contra o antigo primeiro-ministro José Sócrates, tal como acontece no Brasil.

O Brasil está perto da centésima posição no Índice de Percepção da Corrupção, enquanto Portugal está entre a vigésima e a trigésima posição.

“É famoso o exemplo envolvendo o antigo primeiro-ministro José Sócrates [na Operação Marquês], que, vendo à distância, percebe-se alguma dificuldade institucional para que esse processo caminhe num tempo razoável, assim como nós temos essa dificuldade institucional no Brasil”, disse o governante e o ex-juiz responsável pela Operação Lava Jato.

Em Lisboa, na Conferência de Abertura sobre o Estado Democrático de Direito e o Combate à Criminalidade Organizada e à Corrupção, no VII Fórum Jurídico de Lisboa, que envolve vários juristas e governantes portugueses e brasileiros, Sérgio Moro disse que “a corrupção, a criminalidade violenta e a criminalidade organizada caminham juntas”, e explicou que estes desafios levaram o executivo brasileiro a optar por uma abordagem conjunta.

“Com estes desafios, a nossa opção foi apresentar um projeto com medidas simples, mas fundamentais, porque estes três tipos de crime caminham juntos”, disse o governante, vincando que “boa parte dos homicídios constitui um produto de disputa de mercado entre organizações criminosas ou cobranças, muitas vezes com sangue, feitas a utilizadores do mercado de droga”.

A corrupção, lamentou, “muitas vezes desvia os recursos públicos que deviam servir para enfrentar eficazmente os recursos do Estado contra a criminalidade violenta e organizada”.

Na intervenção, maioritariamente composta pela apresentação do projeto do Governo brasileiro sobre este tema, Sérgio Moro comparou a criminalidade violenta no Brasil e em Portugal, considerando que as diferenças são enormes.

“Temos um problema sério com a criminalidade violenta: em 2016 alcançamos o triste recorde de mais de 60 mil homicídios, e a taxa mantém-se mais ou menos nessa linha, enquanto em Portugal houve 76 homicídios, ou seja, a diferença é brutal, e nesse ponto Portugal causa-nos muito inveja”.

Sérgio Moro foi o juiz responsável pela condução da Operação Lava Jato, que desvendar grandes esquemas de corrupção na estatal petrolífera brasileira Petrobras, e pela prisão de empresários, ex-funcionários públicos e políticos de renome como o ex-Presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

O inquérito Operação Marquês culminou na acusação pela justiça portuguesa a 28 acusados – 19 pessoas e nove empresas – e está relacionado com a alegada prática de quase duas centenas de crimes de natureza econômico-financeira.

José Sócrates, que chegou a estar preso preventivamente durante dez meses e depois em prisão domiciliária, está acusado de três crimes de corrupção passiva de titular de cargo político, 16 de lavagem de capitais, nove de falsificação de documentos e três de fraude fiscal qualificada.

Entre outros pontos, a acusação sustenta que Sócrates recebeu cerca de 34 milhões de euros, entre 2006 e 2015, a troco de favorecimentos a interesses do ex-banqueiro Ricardo Salgado no Grupo Espírito Santos e na PT, bem como por garantir a concessão de financiamento da Caixa Geral de Depósitos ao empreendimento Vale do Lobo, no Algarve, e por favorecer negócios do Grupo Lena.

Condenação de Lula

Moro também disse em Lisboa, que a condenação do ex-Presidente brasileiro Lula da Silva tem por base provas suficientes, num misto de delação premiada e provas independentes.

“Foi condenado por mim em primeira instância, mas a sentença foi confirmada em recurso pelo Tribunal Federal [Tribunal Regional Federal, de segunda instância], e a prisão foi autorizada pelo Supremo Tribunal Federal. Existe todo um quadro probatório suficiente para aquela condenação”, disse Sérgio Moro.

Sérgio Moro considerou que a delação premiada é um “método relevante” na investigação dos crimes de grande corrupção que envolvem figuras poderosas, adiantando contudo que esta tem que ser sempre apoiada por provas independentes.

Citando os processos Mensalão e Lava Jato, Moro apontou que “em parte” estes casos “tiveram por base delações premiadas, mas também provas de outra natureza”.

“Tudo o que o criminoso diz, mesmo em colaboração, precisa de ter apoio em provas independentes. Foi o que foi observado no Brasil”, disse.

O VII Fórum Jurídico de Lisboa decorre até quarta-feira em Lisboa, abordando temas da Justiça e tendo a participação de vários governantes portugueses e brasileiros, para além de juristas, acadêmicos e investigadores na área judicial.

Ativista político

Segundo a imprensa portuguesa, Sócrates respondeu ao juiz brasileiro afirmando que o Brasil está a viver “uma tragédia institucional” e considerou que o atual ministro Sérgio Moro atuou como “um ativista político disfarçado de juiz”.

“O que o Brasil está a viver é uma desonesta instrumentalização do seu sistema judicial ao serviço de um determinado e concreto interesse político” declarou à Lusa. Segundo José Sócrates, isto “é o que acontece quando um ativista político atua disfarçado de juiz”.

O antigo primeiro-ministro português referiu que o atual ministro brasileiro, enquanto juiz, validou “ilegalmente uma escuta telefônica” entre a então Presidente da República, Dilma Roussef, e o seu antecessor na chefia do Estado brasileiro, Lula da Silva.

“O juiz decide, ilegalmente, entregar a gravação à rede de televisão Globo, que a divulga nesse mesmo dia, o juiz condena o antigo Presidente [Lula da Silva] por corrupção em atos indeterminados, o juiz prende o ex- Presidente antes de a sentença transitar em julgado, violando frontalmente a constituição brasileira. O juiz, em gozo de férias e sem jurisdição no caso, age ilegalmente para impedir que a decisão de um desembargador que decidiu pela libertação de Lula seja cumprida”, apontou José Sócrates.

Também de acordo com o antigo líder do PS e primeiro-ministro, nessa mesma fase do processo, o Conselho de Direitos Humanos das Nações Unidas decidiu notificar as instituições brasileiras para que permitissem a candidatura de Lula da Silva e o acesso aos meios de campanha.

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