Embaixadora diz que Ucrânia trabalha estratégia para África e América Latina e conta com Portugal

Da Redação com Lusa

A Ucrânia pretende aumentar a sua presença no continente africano e na América Latina e revigorar a sua estratégia no chamado “sul global”, contando para esse processo com a experiência de Portugal em geografias onde mantém laços históricos.

Em entrevista à Lusa, a primeira desde que foi nomeada em fevereiro pelo Presidente ucraniano, a representante de Kiev em Lisboa, Maryna Mykhailenko, referiu-se a “uma nova estratégia para África e para a América Latina”, onde a percepção das consequências da invasão russa da Ucrânia, em 24 de fevereiro do ano passado, mantém diferenças substanciais em relação aos parceiros ocidentais.

No âmbito dessa estratégia, segundo a diplomata, já foi decidida a criação de novas representações diplomáticas em África, incluindo em países lusófonos, embora sem especificar quais, e na América Latina, onde foi aberta uma embaixada no Brasil.

Para este processo, a Ucrânia conta com o apoio de Portugal, de resto já disponibilizado pelo chefe da diplomacia portuguesa, João Gomes Cravinho.

“Portugal tem relações muito duradouras e amistosas com o chamado ‘sul global’, em particular com alguns dos países africanos e com Brasil, portanto, e essa questão foi discutida durante a última reunião entre os nossos ministros [dos Negócios Estrangeiros], o vosso lado [português] confirmou que pode assistir-nos para revigorar essa cooperação”, declarou a embaixadora.

O apoio pode, de acordo com a representante ucraniana, manifestar-se na troca de opiniões, de informação sobre a cooperação de Lisboa e Kiev com aqueles países e ajuda na elaboração de novas estratégias.

“A vossa experiência, é muito, muito importante para nós e muito útil para entendermos melhor a situação lá [África e América Latina]”, destacou.

A Rússia, por sua vez, também mantém ligações históricas e uma antiga capacidade de influência nestas regiões, sobretudo em vários países africanos, e Kiev tem consciência da dificuldade desta estratégia: “Entendemos isso, vamos tratar disso e seremos bem-sucedidos”, confiou.

A guerra na Ucrânia dura já há mais de 16 meses e a resistência de Kiev tem sido amplamente apoiada pelos aliados ocidentais da NATO e da União Europeia (UE), o que Maryna Mykhailenko espera que se mantenha até ao triunfo das forças de Kiev, apesar dos custos globais associados ao conflito, na forma da desaceleração econômica, subida das taxas de juro e insegurança alimentar.

“Quando se falar do custo econômico […), apenas posso citar o secretário-geral da NATO, senhor [Jens] Stoltenberg, quando disse que o preço desta guerra para a comunidade internacional é medido em dinheiro e o preço para os ucranianos é medido em sangue”, comentou a embaixadora, expressando a sua gratidão aos líderes da Aliança Atlântica e da NATO, que “confirmaram o seu apoio enquanto for necessário”, uma promessa de que não tem motivo para duvidar.

Este é um dos assuntos centrais da próxima cimeira da NATO, a decorrer em 11 e 12 de julho em Vilnius, na Litania, na qual já foi confirmada a recondução da liderança de Stoltenberg por um ano, após dois mandatos consecutivos desde 2014, e que é apoiada por Kiev, por se tratar de “um grande amigo” da Ucrânia.

Outro tema nuclear da cimeira é o processo de adesão da Ucrânia à NATO, um desejo assumido por Kiev desde a invasão russa ao fim de três décadas de neutralidade, que espera que de Vílnius resulte um convite da Aliança, o que constituiria “um forte sinal político”.

Apesar do reconhecimento realista de que a Ucrânia não pode aderir à Aliança em plena guerra, a embaixadora apontou que Kiev “já não precisa de um plano de ação como membro”, atendendo a que executa um programa nacional desde 2009, abrangendo 574 tarefas, e às suas capacidades militares “significativamente aumentadas”, num exército que descreveu como forte e que já usa armamento ocidental contra a agressão russa. “Mas devemos entender o caminho e o algoritmo, e como e quando” acontecerá a integração na NATO.

Já sobre a adesão à UE, Maryna Mykhailenko, 49 anos, que desempenhou diversos cargos relacionados com política europeia no Ministério dos Negócios Estrangeiros, sublinhou o esforço de Kiev em acatar as recomendações de Bruxelas, das quais, segundo o último relatório disponível, várias já foram concretizadas e outras tiveram progressos.

A diplomata espera que no outono a Comissão Europeia avalie positivamente a Ucrânia e recomende ao Conselho o início das negociações de adesão, neste novo processo de alargamento da UE, que abrange outros países da região como a Moldova ou a Geórgia, apesar de neste último caso haver sinais de retrocessos democráticos, apontando a situação do ex-Presidente georgiano Mikheil Saakashvili, também cidadão ucraniano, em julgamento em Tbilissi, onde é acusado por corrupção e abuso de poder.

“É uma decisão deles se querem ou não aderir [à UE]. E claro que gostaríamos que o senhor Saakashvili fosse libertado devido à sua difícil condição de saúde”, observou.

A Ucrânia, assegura a diplomata, “é um país europeu e tem profundas raízes europeias”, que não pede nenhuma exceção nos rigorosos critérios de Bruxelas, mesmo em contexto de guerra, apenas que se dê início ao processo de negociação.

A propósito da situação no terreno, a diplomata mostrou preocupação com os acontecimentos que envolvem a central nuclear de Zaporijia, sul da Ucrânia, na posse das forças russas desde março do ano passado, descrevendo a situação como “muito séria”, e alertando os parceiros de Kiev que devem atuar no sentido de evitar uma catástrofe, como aconteceu barragem de Kakhovka, no rio Dnieper, provocando um desastre ecológico e o deslocamento de milhares de pessoas.

Nas palavras da embaixadora, tratou-se de “uma loucura” dos russos, que pode ser replicada em Zaporijia, a maior central nuclear da Europa.

Sobre uma possível solução para o conflito Maryna Mykhailenko reitera que “não há outra opção” além da retirada das tropas russas da Ucrânia, restabelecimento da integridade territorial com as suas fronteiras reconhecidas internacionalmente, prestação de contas dos “responsáveis por esta guerra injustificada e não provocada” e iniciar a reconstrução do país. Por fim, “todas os ucranianos capturados, incluindo crianças, devem ser libertados e voltar para casa”.

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