Pedido de consulta das gêmeas luso-brasileiras feito “em nome” de Lacerda Sales

O antigo secretário de Estado da Saúde, António Lacerda Sales durante a audição perante os deputados da Comissão Parlamentar de Inquérito - Gémeas Tratadas com o Medicamento Zolgensma, na Assembleia da República, em Lisboa, 17 junho de de 2024. ANTÓNIO COTRIM/LUSA

 Da Redação com Lusa

A diretora do Departamento de Pediatria do Hospital de Santa Maria afirmou hoje que o pedido de marcação de consulta para as gêmeas luso-brasileiras, em 2019, foi feito em nome do ex-secretário de Estado Lacerda Sales.

“O início do meu envolvimento neste processo foi na sequência de um contacto com a secretária pessoal [Carla Silva] do secretário de Estado [Adjunto e da Saúde], que me contactou primeiro por telefone e depois por email, solicitando uma consulta de neuropediatria e de uma avaliação clínica para duas crianças”, disse Ana Isabel Lopes, após ser interpelada pelo deputado do Livre Paulo Muacho.

À comissão parlamentar de inquérito ao caso das gêmeas, a diretora clínica referiu que “a informação veiculada por Carla Silva foi que o fazia em nome do secretário de Estado” António Lacerda Sales, não tendo dúvidas da solicitação do ex-membro do Governo PS: “absolutamente, foi essa a minha interpretação”.

Todavia, Ana Isabel Lopes admitiu que “não foi feita qualquer menção” a Lacerda Sales e que não indagou se foi o ex-governante socialista que pediu a marcação da consulta.

“Foi absolutamente excecional. Em 40 anos de serviço nunca tinha tido uma solicitação desta natureza, considerei-a atípica”, esclareceu, dizendo que teve de contactar o seu superior hierárquico, Luís Pinheiro (ex-diretor clínico do Hospital de Santa Maria), devido à “grande vulnerabilidade” da situação das crianças e à “importância de dar resposta”.

Ana Isabel Lopes disse ter enviado uma mensagem a Luís Pinheiro, mencionando uma solicitação de consultas para duas crianças, tendo de seguida reencaminhado a comunicação de Carla Silva.

“A orientação do diretor clínico foi no sentido de uma resposta positiva à solicitação, no sentido de autorização para agendamento da consulta”, sublinhou.

A médica disse ainda que não havia listas espera “pela natureza da patologia”. “Não existe lista de espera. O tempo contava para dar resposta assistencial”, precisou.

Neuropediatra

A neuropediatra Ana Sofia Moreira Sá, que está hoje a ser ouvida na comissão parlamentar de inquérito por alegadamente ter marcado as consultas, disse que não teve “responsabilidade nenhuma” no agendamento.

“Não tive responsabilidade nenhuma pela marcação das consultas”, disse, depois de ter sido questionada pela deputada do BE Joana Mortágua.

No entanto, a médica esclareceu que o pedido de marcação de consultas não deu entrada no sistema.

“Os pedidos têm de ter entrada no sistema. Independentemente disso, se tivesse sido inserido havia uma indicação da marcação. Eu pedi para verificar, eu não triei essas consultas”, disse a médica.

Em causa está a marcação das primeiras consultas das gémeas luso-brasileiras tratadas com um dos medicamentos mais caros do mundo no Hospital de Santa Maria, em Lisboa, em 2020.

“Houve uma marcação de consulta. Os detalhes não sei dizer. Há triadores principais e outros triadores. Os principais eram eu e António Levy”, coordenador do Serviço de Neuropediatria do Hospital de Santa Maria, disse Ana Sofia Moreira Sá.

Ao deputado do Livre Paulo Muacho, a médica garantiu que não houve “uma pressão direta vinda do secretário de Estado [António Lacerda Sales” e “todos os dias há consultas do amigo ou do primo”.

“O pedido, muitas vezes, não é feito por pressão e é comum que as pessoas perguntem se podemos fazer uma consulta. Temos muitos pedidos de consulta. […] É muito português. O primo vem pedir. É muito comum”, justificou.

Ana Sofia Moreira Sá, que é coautora da carta dirigida ao então diretor clínico do Centro Hospital de Santa Maria a contestar o tratamento, explicou que o texto surgiu para demonstrar desconforto por pessoas não-residentes no país terem acesso ao Serviço Nacional de Saúde (SNS).

“O desconforto vem de [haver] pessoas que não são sequer residentes em Portugal e que arranjavam forma de ter terapias que não conseguirão no seu país. Pareceu-me abrir uma porta complicada”, salientou.

Já em resposta ao Chega, a especialista referiu que o pedido para estas crianças “foi diretamente para que viessem cá fazer a terapêutica”, o que “do ponto de vista legal e económico ia ser complexo e criava dilemas para os médicos”, e indicou que “haviam boatos” no hospital de que “teria havido alguma pressão para a marcação”, mas disse não saber por parte de quem.

A clínica disse que se comentava na unidade hospitalar que os pais das crianças “não pensavam em viver” em Portugal.

“Como médicos queremos tratar de todos os doentes. Não podemos recusar, mas do ponto de vista económico percebemos que é muito complicado para o país”, sublinhou.

Interpelada pela deputada do PSD Ana Santos sobre se a regras para a marcação da primeira consulta foram cumpridas, Ana Sofia Moreira Sá disse que, “à luz das normas de hoje, não”, considerando que “devia ter sido registada no processo de triagem”.

Já em respostas ao PS e à IL, a médica disse que os pedidos de consulta acontecem “desde pessoas com cargos mais elevados até pessoas que têm cargos mais baixos” e até através de e-mails enviados diretamente ao hospital pelas famílias das crianças, e referiu que todos são acedidos.

A neuropediatra classificou a lista de espera como “bastante rápida”, indicando que tentam que “não ultrapasse os três meses”, e salientou que um “doente urgente é visto primeiro do que doente que tenha sido pedido de alguém” e que “isso nunca representa colocar um doente urgente para trás”.

“Posso assegurar de certeza absoluta que não vão tirar o lugar a alguém que precisa de uma consulta mais urgente, isso não acontece. […] Não vamos deixar de marcar um doente que precisa de uma consulta urgente para marcar outra pessoa” a pedido de alguém, garantiu.

Ana Sofia Moreira Sá alertou, no entanto, que “há muitos doentes que não têm médico de família e não têm a quem pedir a marcação de consulta”.

A médica afirmou também que “não houve” crianças que ficaram por tratar na altura no Hospital de Santa Maria.

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