Por Miguel-Ângelo Abreu
Nunca pensei que um presidente dos EUA me levasse a descobrir os tesouros escondidos da Europa. Mas, ironicamente, foi exatamente isso que aconteceu. Há mudanças que chegam sem aviso e que são completamente inesperadas, sobretudo de quem se diz ser aliado. Recentemente, as notícias têm sido dominadas pelas medidas comerciais dos Estados Unidos, incluindo a imposição de tarifas significativas sobre produtos europeus como vinhos, automóveis, e outros bens. É um facto que as novas tarifas aplicadas pelos EUA sobre produtos europeus vão dificultar as exportações, mas também abrem uma oportunidade inesperada: descobrir e valorizar aquilo que é europeu.
O aumento das tarifas sobre produtos europeus nos Estados Unidos pode parecer um golpe rude e duro para muitos exportadores, mas também pode ser o clique que faltava para o consumidor europeu valorizar os produtos produzidos e fabricados na Europa. Sempre olhámos para os EUA como um mercado incontornável, mas será que não nos esquecemos do valor dos produtos europeus? Será que esta crise não poderá ser, na verdade, convertida numa oportunidade?
Com o risco das exportações para os EUA entrarem em declínio devido às tarifas, os produtores europeus têm agora a oportunidade de concentrar os seus esforços no mercado interno e também em mercados que muito provavelmente nunca foram explorados com a devida atenção. Focando a atenção no que concerne à União Europeia, trata-se de um mercado com mais de 400 milhões de consumidores, o que representa um mercado vasto e diversificado. Produtos que antes eram predominantemente destinados ao mercado americano podem agora encontrar novos públicos dentro das fronteiras europeias. Esta é uma oportunidade excecional para os consumidores europeus descobrirem sabores e produtos que talvez desconhecem. Dentro do próprio continente europeu, há consumidores que desconhecem produtos incríveis porque sempre foram exportados para os EUA. Talvez esteja na hora de serem reintroduzidos e ser criada uma verdadeira cultura de valorização da produção e fabrico europeu.
Terão os europeus sido “colonizados” pelo marketing americano? Quantas vezes enquanto consumidores influenciados por uma máquina de marketing poderosa escolhemos, quase por instinto, marcas americanas sem sequer questionar se há alternativas igualmente boas, ou até melhores produzidas na Europa? Desde o café ao vestuário, dos automóveis aos gadgets, o mercado europeu está repleto de excelência, inovação e tradição. Muito provavelmente, este é o momento ideal para a União Europeia lançar campanhas que esclareçam os consumidores mais distraídos e que incentivem o consumo de produtos europeus. Por questões de sustentabilidade é mesmo necessário passar a consumir de forma mais consciente, mais local e mais sustentável.
Uma iniciativa “compre produtos europeus” não só desviaria a atenção do consumidor de produtos americanos, como apoiaria os produtores europeus, e também reforçaria a identidade e solidariedade entre países europeus. Ao privilegiarmos a compra dos produtos europeus, enviamos uma mensagem clara de unidade e resiliência face aos desafios externos que estão a surgir. Assim, quando os empresários americanos sentirem o impacto na redução das vendas dos seus produtos, serão eles a pedir ao seu presidente para mudar de política. Usar de medidas protecionistas para fazer chantagem é um jogo perigoso. Aquele que tenta erguer muros, mais ou cedo ou mais tarde, acaba por descobrir que, do outro lado, há um mundo inteiro disposto a prosperar sem ele. Trump pode acabar por ter um resultado exatamente o contrário do que aquele que pretende. Uma União Europeia mais coesa e forte, com uma rede comercial mais diversificada e ramificada, um mundo menos dependente das decisões de uma única pessoa e de um único país.
Além do mercado europeu, existem inúmeros mercados que procuram produtos de alta qualidade. Países como o Canadá, Austrália, Japão, Coreia, Brasil, Índia e muitos outros têm mostrado uma crescente abertura e interesse por produtos de qualidade fabricados na Europa, podendo tornarem-se destinos estratégicos para os produtores e fabricantes europeus. O comércio não pára, as trocas comerciais não se extinguem, apenas mudam de rota. Diversificar as exportações para outros mercados não só reduzirá a dependência relativamente aos EUA, mas também fortalecerá a presença europeia no cenário da economia global. O mundo não gira à volta da Casa Branca.
Sabemos e temos provas disto mesmo que, muitas vezes, os desafios são como catalisadores para a inovação e crescimento. As tarifas impostas pelos EUA podem ser o empurrão necessário para que os produtores e fabricantes europeus reavaliem estratégias, explorem novos mercados e reforcem a sua presença no mercado interno. Em vez de encararmos esta situação com pessimismo, deverá ser vista como uma oportunidade de ouro para mostrar ao mundo a excelência dos produtos produzidos na Europa. Queremos continuar a alimentar o império de Trump ou será que preferiremos valorizar aquilo que é europeu?
Está na hora de saborearmos a nossa própria identidade… como é bom e saudável comer um tramezzino em Itália, uma sandes de leitão em Portugal, um bocadillo de jamón serrano y queso em Espanha, um smørrebrød na Dinamarca, um croque monsieur de França, um broodje haring da Holanda, um fischbrötchen na Alemanha, uma kaiserschmarrn na Áustria, um boudin blanc na Bélgica,… entre tantas e muito boas outras ofertas.
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Por Miguel Abreu
De Portugal
27 de março 2025