A Assembleia da República aprovou hoje, por unanimidade, no início da sessão solene do 25 de Abril, um voto de pesar pela morte do Papa, no qual se salienta o legado de paz e misericórdia de Francisco. A seguir, cumpriu-se um minuto de silêncio, numa sessão solene que, do ponto de vista histórico, assinala igualmente os 50 anos das eleições para a Assembleia Constituinte – as primeiras em liberdade após a revolução de Abril de 1974.
Em seu discurso neste 51.º aniversário do 25 de Abril de 1974, em dia de luto nacional pela morte do Papa, o Presidente de Portugal, Marcelo Rebelo de Sousa, elogiou a vida e obra do Papa Francisco, “sem recusas, sem ódios”, e defendeu que a sua mensagem tem tudo a ver com os valores do 25 de Abril de 1974.
“Falarei, pois, de Francisco e do que a sua vida e obra pode ter a ver com o que significou e pode significar o 25 de Abril”, declarou Marcelo Rebelo de Sousa, no início da sua décima e última intervenção como Presidente nesta data histórica.
Comparando a conjuntura global atual com o contexto em que ocorreu o 25 de Abril, há meio século, interrogou: “Como não deparar nas palavras de Francisco com a defesa desses valores estropiados há 50 anos?”.
Segundo Marcelo Rebelo de Sousa, os “apelos de Francisco, durante doze anos e até há cinco dias” estão relacionados com “alguns dos mesmos dramas, ou outros iguais ou maiores, tornando ainda mais urgentes a paz, a justiça, a luta contra a pobreza”.
Na parte final do seu discurso, o Presidente da República perguntou “o que têm a ver os fatos, os problemas e o modo de Francisco de com eles lidar, ou seja, o espírito e o espírito vivido, o que é que tem a ver com o 25 de Abril”, e deu a resposta.
“Tudo, tudo: dignidade humana, paz, justiça, liberdade, igualdade, solidariedade, fraternidade, abertura, inclusão, serviço dos outros, preferência pelos ignorados, omitidos e silenciados”, defendeu.
Segundo o chefe de Estado, o exemplo do Papa Francisco convida a “que as evocações como a de hoje, a do 25 de Abril, sejam mais doação do que proclamação, mais encarnação de serviço do que afirmação de missão já cumprida, mais futuro do que passado” e a “que se não confunda o fundamental com o acessório, o duradouro com o efémero”.
Marcelo Rebelo de Sousa fez hoje o seu último discurso como Presidente da República no 25 de Abril, data histórica em que tem deixado alertas nos últimos anos sobre a democracia e abordado o tema do passado colonial português.
Democracia
O presidente da Assembleia da República considerou que a crise da democracia resulta da incapacidade de apresentar resultados e advertiu que os políticos não são analistas, nem devem abdicar de princípios como a presunção da inocência.
No discurso que proferiu na sessão solene do 25 de Abril, José Pedro Aguiar-Branco prestou homenagem aos eleitos para a Assembleia Constituinte em 1975, nas primeiras eleições livres realizadas em Portugal, abordou a questão das crises democráticas na Europa, mas também no país, e deixou várias recomendações para futuro.
O antigo ministro social-democrata defendeu a tese que não se deve confundir as causas com as consequências quando se analisam fenómenos como o populismo ou a abstenção em atos eleitorais.
“A causa – a raiz do problema – é, tantas vezes, a incapacidade de apresentar resultados, de falar de futuro, de construir o futuro, e de estar à altura de quem nos elegeu. O que digo é válido para Portugal, mas também para a Europa”, observou.
Depois de criticar a dificuldade da União Europeia em decidir e responder rapidamente aos desafios, José Pedro Aguiar-Branco deixou um recado aos políticos, dizendo que “não podem ser meros comentadores e analistas da realidade”.
“Os políticos não são espetadores da realidade. São construtores da realidade. É assim que os cidadãos nos olham. É para isso que nos elegem”, advertiu.
José Pedro Aguiar-Branco indicou depois que a democracia também se degrada quando os políticos abdicam voluntariamente dos princípios e dos direitos pelos quais os democratas lutaram – “princípios como a presunção de inocência, ou a liberdade de expressão”.
“Quando promovemos a desconfiança no sistema e nos seus fundamentos, quando optamos por subir o tom da discussão para simular discordâncias que não são assim tão profundas, quando desistimos de olhar para o que temos em comum e preferimos focar-nos naquilo que nos divide”.
Em suma, para o presidente do parlamento, a democracia fica mais fraca quando se abdica dos consensos. Nesta parte da sua intervenção, avançou alguns exemplos: “Podemos discordar quanto à política de imigração, mas todos concordamos que é preciso integrar quem chega; podemos discordar sobre o papel do Ministério Público, mas todos concordamos que a Justiça precisa de uma reforma; podemos discordar sobre o papel do Estado na sociedade, mas todos concordamos que a carga fiscal é excessiva – e que a administração precisa de modernização e eficiência”.
“Podemos discordar uns dos outros, das políticas de uns e dos outros, das ideias de uns e dos outros, mas todos concordamos que é preciso ter estabilidade política – e que o povo a deseja”, completou.
Tal como na parte inicial do seu discurso, também no fim da sua intervenção José Pedro Aguiar-Branco elogiou a mobilização dos cidadãos para as primeiras eleições livres em Portugal em Abril de 1975. Cidadãos que se mobilizaram para estar nas mesas de voto e que “nada pediram em troca”.
“Nem uma senha de presença, nem um gesto de reconhecimento público. Não foram agraciados, não foram condecorados. Eles também não sabiam se os resultados seriam aceites, também não sabiam se estariam seguros, se seriam perseguidos. E, por um apurado sentido de dever cívico, não faltaram à chamada” assinalou o presidente da Assembleia da República.
Neste contexto, José Pedro Aguiar-Branco revelou que convidou para estarem presentes na sessão de hoje alguns cidadãos que estiveram nas mesas de voto nas eleições para a Assembleia Constituinte há 50 anos.
Destacou então as presenças de Maria Emília Brederode Santos, pedagoga e mulher do falecido antigo ministro dos Negócios Estrangeiros Medeiros Ferreira, do jornalista José Pedro Castanheira e da sua mulher Lúcia Leitão. Uma referência que motivou uma prolongada salva de palmas.
“Hoje também celebramos a Maria Emília, o José Pedro e a Lúcia e o sentido de responsabilidade de tantos milhares de portugueses que, como eles, não faltaram ao país. Cinquenta anos depois, damos por adquirido que a democracia funciona. Mas se a democracia funciona é porque alguém, no anonimato mais nobre e com o sentimento mais genuíno de exigência de intervenção cívica, a fez e a faz funcionar no momento maior da livre expressão da vontade do povo português”, acrescentou, recebendo então mais uma salva de palmas.
As bancadas do PS, BE, PCP, Livre, PAN e alguns deputados do PSD e membros do Governo cantaram hoje “Grândola, Vila Morena, já depois de encerrada a sessão solene evocativa dos 50 anos do 25 de Abril.
A música de José Afonso, que foi uma das senhas da Revolução de Abril, foi entoada depois de o presidente da Assembleia da República declarar encerrada a sessão solene e de se ouvir o hino nacional.
À semelhança do ano passado, os deputados do Chega abandonaram o plenário.