Habitação: Proprietários aplaudem veto presidencial mas não esperam mudança

Da Redação com Lusa

A Associação Nacional de Proprietários aplaude “com mãos ambas” o veto presidencial ao conjunto de alterações legislativas sobre habitação aprovadas pela maioria absoluta do PS no parlamento, mas sem expectativa de que algo venha a mudar.

“Quem aprovou estas leis fez do pequeno proprietário, do pequeno senhorio o inimigo a abater e isso é profundamente errado”, reage António Frias Marques, em declarações à Lusa.

O presidente da Associação Nacional de Proprietários (ANP) considera que o arrendamento forçado de casas devolutas – que integra o pacote legislativo do Governo – “é uma violência de todo o tamanho”, criticando o Governo por querer “desapossar as pessoas do que é delas”.

O arrendamento forçado de casas devolutas é uma das medidas do Mais Habitação que gerou mais polémica e dirige-se a casas de habitação devolutas há mais de dois anos e localizadas fora do interior do país.

Os proprietários terão 90 dias para responder após serem notificados para fazerem obras ou darem uso à fração. Não havendo resposta no prazo definido, o município respetivo pode proceder ao arrendamento forçado do imóvel.

As casas de férias, as que se encontram vagas por o respectivo dono se encontra num lar ou a prestar cuidados permanentes como cuidador informal e as dos emigrantes, bem como as das pessoas deslocadas por razões profissionais, de saúde ou formativas, não são consideradas devolutas para este efeito.

O presidente da ANP sublinha que “nada se consegue fazer, nomeadamente no domínio do arrendamento, sem a iniciativa privada”.

António Frias Marques descreve os proprietários como “pessoas muitas vezes até mais pobres do que os inquilinos” e nota que “hoje o senhorio já nem sequer é dono de um prédio, é dono de um andar” e que investir na compra de um andar para depois o arrendar “é uma forma de poupança”.

Para os proprietários, a “questão fulcral” está na “falta de garantias, nos tribunais até, em relação ao incumprimento do pagamento da renda”, reclamando do Governo medidas eficazes.

“Aí é que se tem de atacar realmente. Arranjar uma forma célere de os incumpridores serem despejados”, defende, contando que pela ANP passam casos de “seis, sete anos” de incumprimento no pagamento de rendas. “E ninguém os põe na rua”, lamenta. “As pessoas brincam com os proprietários. Sobre isso ninguém faz nada”, critica.

No veto presidencial conhecido hoje, Marcelo Rebelo de Sousa critica a falta de consenso político sobre um pacote de medidas que acabou por ser aprovado apenas com os votos favoráveis do PS.

“É lamentável. O país é feito de muitas sensibilidades e isto foi aprovado contra tudo e contra todos. Tínhamos de nos pôr todos a remar para o mesmo lado e assim estamos uns contra os outros”, concorda o presidente da ANP.

“Ninguém no seu juízo perfeito julga que com estas medidas saídas da Assembleia da República se ia resolver o magno problema da falta de habitação”, vaticina.

Resolver o problema da falta de habitação passa por “construir casas”, assinala António Frias Marques, recordando que “o Governo está a governar há oito anos”.

A ANP não tem expectativas sobre eventuais mudanças na legislação agora devolvida ao parlamento. “É evidente que isto vai ser reaprovado novamente e provavelmente sem alteração de nenhuma linha, nenhuma vírgula”, antecipa.

Públicos

Também a Associação dos Inquilinos Lisbonenses (AIL) considerou hoje que o veto presidencial “recoloca o assunto na discussão pública” e defendeu o reforço da utilização dos imóveis devolutos públicos para aumentar a oferta habitacional.

“Esta posição do senhor Presidente da República veio reforçar a continuação do debate público e é bom que o Governo e o Partido Socialista tenham em conta esse mesmo debate e participem nele”, afirmou o secretário-geral da AIL, António Machado, referindo-se ao veto presidencial a medidas do programa Mais Habitação.

Em declarações à agência Lusa, o representante dos inquilinos lisbonenses disse que a decisão do Presidente da República de devolver ao parlamento, sem promulgação, “recoloca o assunto na discussão pública”, pelo que a expectativa é que possa sofrer alterações, embora o grupo parlamentar PS já tenha anunciado que vai confirmar o diploma vetado.

“Para nós, justificar-se-ia que o PS tivesse atenção a algumas notas que o Presidente da República coloca na sua nota e que voltasse a ouvir os parceiros, para procurar melhorar um pouco o diploma”, apontou António Machado.

Entre os aspetos que a AIL considera que devem ser alterados está a utilização dos imóveis públicos devolutos, que estão sob gestão de vários ministérios e institutos públicos, para os colocar ao serviço da população e “permitir o alojamento de mais pessoas”.

No aumento da oferta habitacional devem também entrar os imóveis devolutos de propriedade de instituições de caráter social, designadamente de IPSS [Instituição Particular de Solidariedade Social], fundações e Santa Casa da Misericórdia, “que têm benefícios fiscais elevados, mas também têm muita coisa devoluta”, indicou secretário-geral da AIL.

A associação acrescenta ainda os imóveis devolutos dos bancos e dos fundos de investimento, transformando os ativos tóxicos em ativos rentáveis, para permitir a disponibilização de casas no mercado.

A AIL reivindica também “uma intervenção mais musculada do ponto de vista do investimento público em habitação, quer em reabilitação dos devolutos públicos quer em construção nova, no sentido de aumentar a oferta, com rendas comportáveis para as famílias, o mais depressa possível”, referindo que esse desígnio não pode ser assegurado apenas com verbas europeias do Plano de Recuperação e Resiliência (PRR), mas sim com verbas regulares do Orçamento do Estado.

O reforço do investimento público em habitação deve ser acompanhado da dotação do Instituto da Habitação e da Reabilitação Urbana (IHRU) de competências e de capacidades para intervir dessa forma, indicou o responsável da AIL.

Sobre o impacto do veto presidencial na vida dos inquilinos lisbonenses, António Machado disse que tal resulta no “atraso na manutenção dos contratos antigos e na sua não transição para o NRAU [Novo Regime do Arrendamento Urbano]”, medida que está incluída no programa Mais Habitação.

O secretário-geral da AIL alertou ainda para “o problema do pagamento das prestações da aquisição de casa, que aumentaram 50 a 100% nestes últimos tempos”, defendendo que os bancos deviam ser obrigados a “reduzir as suas comissões e as outras alcavalas para compensar o aumento das taxas de juro”.

“Não percebemos porque é que ainda não houve uma intervenção decente por parte do Estado ou do Banco de Portugal relativamente a esta matéria”, frisou, acrescentando que o veto do diploma sobre o Mais Habitação pode ser uma oportunidade para refletir sobre este problema.

 

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