Agricultores prometem bloquear estradas, e Governo anuncia pacote de apoio de quase 500 ME

Mundo Lusíada com Lusa

O Governo português anunciou nesta quarta-feira um pacote de apoio ao rendimento dos agricultores no valor de quase 500 milhões de euros, destinado a mitigar o impacto provocado pela seca e a reforçar a Política Agrícola Comum.

“[…] Para fazer face ao impacto da seca no nosso território, o Governo está em condições de apresentar um apoio à produção de 200 milhões de euros para todo o país”, anunciou a ministra da Agricultura e da Alimentação, Maria do Céu Antunes, numa conferência de imprensa conjunta com o ministro das Finanças, Fernando Medina, em Lisboa.

A governante disse que esta medida é “de maior importância” e que terá maior impacto nas regiões mais afetadas, como Alentejo e Algarve.

Maria do Céu Antunes anunciou também uma linha de crédito de apoio à tesouraria, no valor de 50 milhões de euros e com taxa de juro zero.

Por outro lado, o Governo vai baixar o ISP [Imposto sobre os Produtos Petrolíferos] do gasóleo agrícola para o mínimo permitido, “uma redução de 4,7 cêntimos por litro para 2,1 cêntimos”, ou seja 55%.

Está também previsto um reforço de 60 milhões de euros no primeiro pilar do Plano Estratégico da Política Agrícola Comum (PEPAC) nos apoios à produção, de modo a assegurar as candidaturas aos ecorregimes agricultura biológica e produção integrada.

O Governo vai ainda reforçar o segundo pilar do PEPAC, também com 60 milhões de euros, para assegurar, “até fevereiro”, o pagamento das candidaturas às medidas de ambiente e clima.

“Comprometemo-nos com a reprogramação do PEPAC e a submeter medidas, a pedido dos agricultores, de ambiente e clima” no âmbito do desenvolvimento rural, que corresponde ao segundo pilar da PAC. Em causa está um montante de 58 milhões de euros.

Os agricultores portugueses manifestam-se, a partir das 06:00 de quinta-feira, com máquinas agrícolas nas estradas de várias zonas do país, reclamando “condições justas” e a “valorização da atividade”, foi hoje anunciado.

Segundo um comunicado divulgado, trata-se de uma iniciativa do denominado Movimento Civil Agricultores de Portugal, que se apresenta como “um movimento civil espontâneo e apartidário que une agricultores e sociedade civil em defesa do setor primário”.

Protestos

Os agricultores da região Centro do país irão manter o protesto de quinta-feira, com cortes de estradas por máquinas agrícolas, apesar das medidas de apoio hoje anunciadas, desconfiando das intenções do Governo e criticando associações do setor.

“Estas medidas agora anunciadas pelo Governo são para nós, apenas, uma carta de boas intenções. É um Governo que está em gestão, está demissionário, temos de perceber que grande parte dessas medidas iriam ser implementadas ou serão verificadas já no próximo Governo”, disse à agência Lusa Ricardo Estrela, porta-voz da região das Beiras do movimento cívico Agricultores de Portugal.

“Mas temos tudo para desconfiar, porque as promessas que têm sido feitas ao longo dos anos não são cumpridas. Isto foi um atraso nas medidas, estamos a falar de apoios à produção que deveriam ter sido pagos em 2023, foram pagos em 2024 e com cortes sem serem anunciados, mostrando total desrespeito pelo setor agrícola”, vincou Ricardo Estrela.

O também produtor de gado ovino no distrito de Castelo Branco, deixou também críticas a organizações e associações representativas do setor agrícola, frisando que estão “desacreditadas” junto dos agricultores.

Sobre o protesto, agendado para a madrugada de quinta-feira em vários locais do interior do país, considerou-o transversal a diversos setores agrícolas e demonstrativo de que os agricultores estão cansados de “políticas erráticas” ao longo dos anos e de sucessivas promessas não cumpridas.

“O que temos de fazer são medidas de protesto, que irão passar, obviamente, pelo corte de algumas vias. Vamos cortar um ou outro acesso ao país, mas ficam outros abertos, vamos causar algum transtorno, vamos obrigar as pessoas a passarem por percursos menos habituais e com piores acessos e com piores estradas”, revelou o agricultor do distrito de Castelo Branco.

Sem revelar grandes pormenores sobre o protesto agendado para a região das Beiras, Ricardo Estrela anunciou que o local de concentração das máquinas e tratores agrícolas será junto ao nó de acesso à autoestrada 25 (A25), de ligação entre Aveiro e Vilar Formoso, num local conhecido como Alto de Leomil (concelho de Almeida, distrito da Guarda), por onde se faz umas das ligações à aldeia histórica de Castelo Mendo, a cerca de 15 quilómetros da fronteira.

A concentração está prevista para começar a partir das 04:30 de quinta-feira, sendo de prever o possível corte da A25 naquele local, a exemplo de outros protestos anunciado pelo país, com cortes de vias e acessos às fronteiras com Espanha.

A presidente da Associação dos Agricultores do Distrito de Portalegre (AADP), Fermelinda Carvalho, manifestou-se hoje a favor dos protestos do setor agendados para quinta-feira.

“Esta manifestação é algo espontânea, de vários grupos de agricultores, não é, como habitualmente, organizada pela confederação ou pelas associações. E devo dizer que eu também concordo, logicamente”, disse a dirigente, à Lusa.

Fermelinda Carvalho, que não escondeu que a AADP está a “ajudar também” na organização do protesto, ressalvou, no entanto, que a associação “não é responsável” pela ação.

Para a presidente da AADP, as medidas anunciadas hoje pelo Governo “são uma mão cheia de nada”, uma vez que não são definidos prazos, nem formas de pagamento aos agricultores.

“Até parece que pode até deixar o compromisso para quem vem a seguir, porque nós não sabemos quem é que vai ganhar as eleições [legislativas]. O Governo, responsável por este desaire, se quer colmatar esta falha, tem de pagar em tempo útil, por estes dias”, defendeu.

Todo este caso com os agricultores “é uma vergonha” e a ministra da Agricultura, Maria do Céu Antunes, “faz tudo mal”, revelando dessa forma “uma incompetência enorme”, criticou.

 Agricultores do Alentejo também prometeram bloquear com tratores e máquinas agrícolas as três principais fronteiras da região com Espanha, na quinta-feira. “O mundo rural está em falência”, justificou António Saldanha, agricultor e um dos dinamizadores do denominado Movimento Civil Agricultores de Portugal na região alentejana.

Segundo este dinamizador do movimento no Alentejo, agricultores de toda a região vão convergir para as três fronteiras para “bloquear as principais entradas em Portugal com todos os meios disponíveis ligados à agricultura”.

“Chegamos a um ponto em que foi extremamente fácil unir-nos, porque todos fomos afetados da mesma forma e já todos estávamos muito descontentes”, referiu, salientando que os cortes nos apoios, conhecidos na semana passada, foram a ‘gota de água’.

António Saldanha disse que os agricultores têm “um contrato com o Estado português” relativo a “ajudas para a produção em regime biológico”, tal como acontece em toda a Europa, e, neste âmbito, contavam receber os apoios contratualizados em 2023.

As ajudas, apontou, servem para “colmatar as perdas de rendimento que acontecem derivado ao regime biológico”, pois quem opta por este modo de produção não pode utilizar fertilizantes, herbicidas e determinadas rações.

“Essa perda de valor era colmatada com ajudas que vêm de fundos europeus e esses valores eram para ter sido pagos até ao dia 30 de dezembro [de 2023], mas fomos avisados que iriam ser pagos no dia 25 de janeiro” deste ano, afirmou.

Lembrando que todos têm “compromissos financeiros e investimentos feitos” e que foi “um ano catastrófico em termos de produção” devido à seca, o agricultor indicou que, na véspera dessa data para o pagamento, foram informados de que “iria haver um corte de 37%” nas ajudas.

“Não recebemos absolutamente um cêntimo, em alguns casos, e houve outros que receberam muito menos do que estavam à espera”, vincou.

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