Em festival de Óbidos, Ney Matogrosso esgota tenda no lançamento de biografia

Mundo Lusíada com Lusa

O cantor brasileiro Ney Matogrosso apresentou no sábado, numa das mais concorridas sessões desta edição do Folio, em Óbidos, a sua biografia, assinada por Julio Maria, a quem fez uma única exigência: não mentir sobre nada.

“Não censurei coisa alguma”, assegurou Ney Matogrosso em Portugal, acrescentando que a única exigência feita ao autor da sua biografia foi de que a obra “não poderia ter nenhuma mentira”.

“Não quero que surjam mentiras, porque já vi muita mentira escrita sobre mim em jornais e revistas”, disse o cantor brasileiro num encontro com jornalistas que antecedeu a apresentação do livro “Ney Matogrosso, a biografia”, numa mesa do Festival Literário Internacional de Óbidos, sob o tema “Vida”.

Aos 82 anos, o cantor diz-se “sem medo do passado” e “de bem” com o percurso retratado no livro que chega agora às livrarias portuguesas e que no Brasil irá também servir de base a um filme em que Ney Matogrosso será interpretado pelo ator Jesuíta Barbosa.

Sem censura, a vida do artista que “não queria ser cantor” foi hoje partilhada com o público do Folio, numa conversa que passou pela relação difícil com o pai, pela prisão durante a ditadura militar no Brasil, pela morte de um companheiro, pela carreira, entre muitos outros temas.

“A minha infância toda foi uma guerra”, disse, aludindo a uma relação de ódio com pai, militar, que o levou a sair de casa aos 17 anos, e com quem acabou por se reconciliar mais tarde, tornando-se “o único filho que ele beijava”.

O artista, que “prefere não ver televisão” para não assistir “à tristeza” com que olha as guerras da Ucrânia e de Israel, não fecha os olhos às “tristezas” do seu país, onde a eleição de Bolsonaro “foi um erro” com o qual espera que os brasileiros tenham aprendido.

Horas antes, Matogrosso tinha dito, na conferência com os jornalistas que “hoje em dia seria muito mais difícil” fazer no seu país um percurso como o que iniciou em 1973, quando havia “uma outra mentalidade, mais arejada, mais aberta”.

“Hoje seria considerado mais estranho”, especulou. Mas a julgar pela afluência de público à apresentação da sua biografia – com a tenda completamente esgotada e muita assistência a tentar ouvir no exterior – o artista que primeiro se estranhou continua entranhado até hoje.

Da plateia choveram perguntas e, até, confissões íntimas de fãs, antes de uma sessão de autógrafos dos 75 livros enviados pela editora e que hoje esgotaram no Folio.

A mesa de Ney Matogrosso, que se iniciou com um vídeo do cantor a interpretar “Rosa de Hiroshima”, terminou com outro vídeo do espetáculo que o cantor tem em digressão no Brasil.

Livros

Ney Matogrosso disse que leu todos os livros do autor português Valter Hugo Mãe, durante a conversa em que não manifestou preferência por nenhum gênero literário, mas sim pela “diversidade”. Presente no festival para apresentar a última biografia, escrita por Julio Maria, o artista contou mais pormenores da sua vida e respondeu a todas as perguntas da assistência, constituída sobretudo por brasileiros.

Ney Matogrosso contou que a compositora Lihla foi a responsável por ter começado a cantar, porque, na realidade, queria ser ator. Por influência dela, integrou a banda Secos e Molhados, e descobriu com eles que gostava de cantar. Julio Maria acrescentou que um dos elementos do grupo, o João Ricardo, era português e considerou que os violões tinham um “som ibérico muito forte”. “Era um vira português”, observou Ney Matogrosso.

“Foi um sucesso impressionante a primeira vez que atuámos no Coliseu, em Lisboa, em 1983”, recordou o artista brasileiro.

A primeira vez que ouviu Amália a cantar Barco Negro, Ney Matogrosso ficou tão impressionado que decidiu interpretar a música da fadista portuguesa num espetáculo. “Cantei no feminino e tive as críticas mais horrorosas. O melhor crítico do Brasil disse que eu chorava como uma rameira”, relatou. No entanto, assegurou que em vez de se sentir enfraquecido, se sentiu engradecido.

Aos 82 anos, Ney Matogrosso disse não ter medo de morrer. “A única certeza de que a gente tem na vida é que a gente vai embora numa hora”, afirmou. “Alguma coisa continuará, não sei onde, nem como, nem estou preocupado em saber”, acrescentou. Apesar de sempre se ter assumido como homossexual, e de ter tido três relações mais importantes, disse que não tinha “talento para viver casado”. “Tentei, mas não fico confortável. Preciso do silêncio e de estar sozinho”, justificou. A sua companhia é a gata Pretinha.

O Folio decorreu em Óbidos até domingo com um programa de 14 mesas de autores, 108 conversas e tertúlias, 40 apresentações e lançamentos de livros, 40 espetáculos e concertos, 21 exposições e 18 sessões de leitura e poesia na vila.

Em 2024, “Inquietação” será o tema da edição do FOLIO – Festival Internacional de Literatura de Óbidos, anunciou Filipe Daniel, presidente da Câmara Municipal de Óbidos, durante a sessão de encerramento. No próximo ano, o evento vai decorrer entre os dias 10 e 20 de outubro.

O autarca justificou a escolha do tema com a comemoração dos 50 anos do 25 de Abril de 1974 e dos 500 anos do nascimento do poeta Luís Vaz de Camões. “Já estamos a trabalhar para a edição de 2024”, garantiu. Em relação a este ano, Filipe Daniel acredita que deverão ter passado pelo FOLIO próximo de “90 mil pessoas”.

“Este Festival Literário Internacional de Óbidos consagrou-se como um dos mais importantes eventos culturais mundiais, representando um importante e imprescindível elevador cultural para Óbidos, para a região e para o mundo”, afirmou o presidente da Câmara Municipal.

Deixe uma resposta

%d blogueiros gostam disto: