Desejo de viajar para Portugal torna “ouro” vagas para vistos

Da Redação com Lusa

A vontade de viajar para Portugal está a levar centenas de cabo-verdianos a recorrerem a intermediários para agendarem pedidos de visto, transformando a atividade num negócio ilegal, descrevendo cada vaga como “ouro”.

Desde agosto de 2022 que o agendamento e triagem dos pedidos de vistos nacionais nas autoridades consulares de Portugal na cidade da Praia são feitas pela VFS Global – Visa Facilitation Services, um prestador de serviços internacional, usado em mais de 40 postos consulares portugueses em todo o mundo.

Entretanto, muitos cidadãos têm recorrido a empresas e particulares para fazer esse agendamento, motivados pelo desejo de entregar os documentos e conseguir o visto de trabalho ou de estudo para Portugal, e pedem melhorias para evitar o “açambarcamento” de vagas por empresas privadas cabo-verdianas, para agilizar o processo.

Em frente às instalações da empresa, na Prainha, um utente que estava à espera para entregar os documentos disse à Lusa que há pessoas que cobram muito dinheiro para fazer o agendamento de vistos em Cabo Verde e explicou que o que leva muitos a procurarem este serviço é a vontade de entregar os documentos, face à falta de vagas para agendar o pedido através da VFS.

“Eu paguei a uma senhora para fazer o agendamento de visto, entreguei somente a fotocópia do passaporte e paguei 5.000 escudos [45 euros]. Demorou quase um mês para vir cá na instituição entregar os documentos. Um colega meu contou-me que procurou vários lugares para agendar o visto, mas que sempre cobram um valor de 10 a 15.000 escudos [90,6 a 136 euros]”, denunciou o cabo-verdiano, lembrando que ainda vai ter de assumir a taxa do serviço e a taxa do visto na empresa contratada para o efeito.

“É muito. Há muitos particulares que andam a fazer o agendamento e alguns andam a falsificar e a fazer o agendamento falso. Cobram muito dinheiro e quando se chega na VFS não se encontra o nome da pessoa”, denunciou ainda o cidadão, à espera para alterar documentos num processo que entregou há dois meses.

O mesmo explicou que muitas vezes as pessoas procuraram os serviços das empresas e/ou particulares por causa da vontade em conseguir o visto para Portugal, mas que muitos acabam por ter outros problemas.

“Tenho o meu passaporte aqui há dois meses e ainda não o devolveram porque no mês passado notificaram-me que o nome está incorreto no termo de responsabilidade, que eu devia trazer o documento e até agora ainda nada, e já se contam dois meses e meio”, lamentou.

Um outro utente no mesmo local questionou sobre o tempo que demoram para entregar os documentos para pedido de visto e criticou os horários disponibilizados.

“O meu pai fez-me o agendamento numa agência, onde pagou 10.000 escudos [91,6 euros]. Demorou 15 dias para receber o mesmo e depois vim cá na VFS para entregar os documentos. Cheguei aqui às 10:00, havia muitas pessoas e uma má organização. Só saí daqui às 18:00, mas nem sequer consegui entregar os documentos”, descreveu o utente, que voltou no dia seguinte às 06:00 e finalmente conseguiu entregar os documentos.

Outro cabo-verdiano criticou o fato de muitas pessoas terem o agendamento para o mesmo horário, o que provoca aglomerações nas instalações da empresa: “Acho que não estão a trabalhar bem com o horário. (…) As coisas aqui estão um bocadinho duras, é preciso organizar melhor”, sugeriu o utente, enquanto estava à espera da sua vez para entregar os documentos do pedido de visto.

“Há muitas pessoas que andam a fazer negócio de agendamento de visto porque no site de VFS não se consegue agendar, por isso muitos procuram um agendamento particular. Cada um dá o seu preço, alguns 10, outros 15 e até mesmo 20.000 escudos [91,6 a 183,2 euros], é tudo um negócio. Hoje o agendamento de visto está como ouro. Todas as pessoas procuram formas de fazer e às vezes nem se importam com o preço a ser pago. Existem pessoas que só com vontade para entregar os documentos acabam por fazer o agendamento nesses preços”, deu conta outro cidadão na fila.

Outro requerente criticou o “preço exagerado” e pediu melhorias. “Disponibilizaram um site para agendar o visto, mas não funciona porque às vezes em menos de 30 minutos depois de abrir já está fechado. Desse jeito não tem como não pagar esses valores quando queremos o agendamento”.

Os agendamentos para entrega de vistos são feitos exclusivamente através da página de Internet da empresa, responsável também pela “gestão e disponibilização regular de vagas” para esse efeito, enquanto os custos destes serviços são suportados pelos requerentes.

De acordo com a informação disponibilizada pela VFS, ao requerente é cobrada uma “taxa de serviço” de 4.440 escudos (40 euros), “por pedido, para além das taxas de visto” [9.924 escudos – 90 euros], valor “não reembolsável”.

A contratação da empresa externa visa aumentar a capacidade e implementar o acordo de mobilidade da Comunidade de Países da Língua Portuguesa (CPLP), mas a decisão final sobre a atribuição de visto continua a ser das autoridades portuguesas.

Na semana passada, durante uma visita a Cabo Verde, o secretário de Estado das Comunidades Portuguesas, Paulo Cafôfo, reconheceu também a “necessidade de melhorar os serviços que são prestados” e que o “motivo principal” é o agendamento dos pedidos.

“Essa plataforma digital, com todas as críticas que possam vir a ser feitas, é verdade, veio ordenar e veio também dar dignidade no acesso aos serviços consulares e aos vistos, porque como uma marcação, obviamente as pessoas não têm que esperar nem vir à sorte à espera de uma vaga para poderem ser atendidas”, disse o governante, que garantiu que o Governo português está “comprometido” em “reforçar a capacidade instalada, reforçar equipamentos, recursos humanos” na Praia.

Segundo o secretário de Estado é preciso “continuar a fortalecer o diálogo com as autoridades, nomeadamente com o Governo de Cabo Verde, porque esse envolvimento é fundamental” para “resolver os problemas que ainda existem”, apontou, reconhecendo que uma “comunicação eficaz” será a terceira medida a implementar.

“Essa maior procura dos vistos é algo que nós queremos do ponto de vista político. Aliás, há um acordo de mobilidade no âmbito da CPLP, há uma nova lei de estrangeiros em Portugal e posso dizer que neste momento, nos vistos da CPLP, os vistos de procura de trabalho já atingem dois terços da procura de vistos nacionais”, avançou.

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