Caso gêmeas: PS diz que Casa Civil do PR “tratou processo de forma especial”

O antigo secretário de Estado da Saúde, António Lacerda Sales durante a audição perante os deputados da Comissão Parlamentar de Inquérito - Gémeas Tratadas com o Medicamento Zolgensma, na Assembleia da República, em Lisboa, 17 junho de de 2024. ANTÓNIO COTRIM/LUSA

Partido afirmou que a justiça deve investigar se existiu uma ação dolosa por parte da seguradora Amil que possa ter empurrado, encaminhado, o tratamento das crianças para Portugal com o intuito de gerar poupança.

O PS considera que a Casa Civil do Presidente de Portugal tratou o processo das gêmeas luso-brasileiras “de forma especial” e “foi demasiado longe”, nas propostas de alteração ao relatório preliminar da comissão parlamentar de inquérito.

“No nosso entender, não persistem dúvidas, está provado que a Casa Civil do senhor Presidente da República tratou este processo de forma especial”, afirmou o coordenador do PS na comissão de inquérito, em conferência de imprensa na Assembleia da República.

João Paulo Correia disse que a Casa Civil “foi demasiado longe em comparação com outros casos similares que chegaram à comissão de inquérito” e também no que toca aos ‘emails’ trocados entre o chefe da Casa Civil, Frutuoso de Melo, e os assessores do Presidente da República e aos contactos telefónicos estabelecidos com o Hospital Dona Estefânia.

O socialista considerou que houve um “interesse da Casa Civil de corresponder ao pedido de ajuda maior” que Nuno Rebelo de Sousa fez ao pai, o Presidente da República, com visa a que as crianças luso-brasileiras fossem tratadas em Lisboa.

O deputado do PS defendeu também que o relatório da Inspeção-Geral das Atividades em Saúde foi feito de forma incompleta”, argumentando que a “opção do inspetor-geral de deixar de fora do objeto de inspeção a atuação da Casa Civil do senhor Presidente da República e também a atuação do Hospital de Dona Estefânia prejudicou a inspeção e prejudicou o relatório”.

Na ótica do PS, “Nuno Rebelo de Sousa foi o causador deste processo”.

“Todas as suspeitas em volta de várias entidades e protagonistas políticos e também de dirigentes hospitalares, médicos, tiveram sempre a origem em Nuno Rebelo de Sousa, que atuou de forma insistente junto de várias entidades, sem nunca revelar o real motivo das diligências que protagonizou”, sustentou.

João Paulo Correia sustentou que Nuno Rebelo de Sousa “contactou o pai, o Presidente da República, pedindo-lhe uma ajuda maior para este caso das crianças, contactou também o secretário de Estado da Saúde [Lacerda Sales], contactou o Hospital Lusíadas, fê-lo de diversas formas e meios, sempre com o mesmo objetivo”.

Quanto ao relatório preliminar elaborado pela deputada Cristina Rodrigues, do Chega, o coordenador disse que o PS “discorda profundamente de todas as propostas” que estão vertidas nesse documento, pelo que “a esmagadora maioria das conclusões terão voto contra” dos socialistas.

No que respeita ao relatório alternativo apresentado por PSD e CDS-PP, João Paulo Correia lembrou que foi apresentado “a poucas horas do início da reunião da comissão de inquérito”, tem “mais de 400 páginas”. “É humanamente impossível estar a analisá-lo com seriedade”, afirmou.

O socialista considerou que a estratégia do PSD é “que ele não seja analisado”. É “mais uma estratégia partidária de última hora do PSD”, alegou.

Quanto à atribuição da nacionalidade, o deputado do PS concluiu que “ocorreu de acordo com os trâmites legais, dentro do prazo normal dos processos do mesmo consulado, de São Paulo, no Brasil, e sem qualquer interferência externa”.

João Paulo Correia salientou que “as crianças tinham direito a aceder ao Serviço Nacional de Saúde e, quando foi marcada a primeira consulta a estas crianças no Hospital Santa Maria, elas não passaram à frente nenhuma outra criança, não havia lista de espera sequer”.

Nesta conferência de imprensa, o socialista disse ainda que os pais das meninas “fizeram aquilo que qualquer pai e mãe teriam feito para salvar a vida dos seus filhos”.

No que toca a recomendações, o coordenador do PS afirmou que a justiça deverá “investigar se existiu uma ação dolosa por parte da seguradora Amil que possa ter empurrado, encaminhado, o tratamento das crianças para Portugal com o intuito de gerar uma poupança na despesa que estava obrigada a suportar pela justiça brasileira”.

“instrução direta e clara”

PSD e CDS-PP consideram que o antigo secretário de Estado da Saúde António Lacerda Sales “deu uma instrução direta e clara” à sua secretária para pedir a marcação da primeira consulta das gémeas luso-brasileiras no Hospital de Santa Maria.

Os dois partidos apresentaram hoje um “relatório integral alternativo” ao relatório preliminar elaborado pela deputada Cristina Rodrigues, do Chega.

Nesse documento, apresentado hoje em conferência de imprensa na Assembleia da República, os dois partidos referem que “das audições realizadas e documentos, constata-se que Lacerda Sales, então secretário de Estado da Saúde, deu uma instrução direta e clara a Carla Silva para solicitar a marcação de consulta no CHULN, E.P.E., conforme decorre do email do dia 21 novembro de 2019”.

PSD e CDS-PP assinalam que Lacerda Sales recebeu Nuno Rebelo de Sousa e, “após a realização da reunião”, deu “orientações à sua secretária pessoal, Carla Silva, para assegurar a marcação da primeira consulta junto do serviço de Neuropediatria” do Hospital de Santa Maria.

“Carla Silva cumpriu a instrução dada, realizando os contactos necessários (via telefónica e por e-mail, conforme acervo documental) para assegurar o início do processo destinado à marcação da consulta”, acrescentando, salientando que “a referenciação para a primeira consulta foi ilegal”.

Os deputados indicam também que o ex-governante “manteve contactos” com o Hospital de Santa Maria “para aferir o andamento dado ao caso das crianças”.

Sociais-democratas e democratas-cristãos dizem também que “Lacerda Sales faltou, mais do que uma vez, à verdade” e foi “direta e frontalmente desmentido pela sua secretaria pessoal e pelo seu chefe de gabinete”, que “defenderam que uma secretária pessoal não tem autonomia para agir sem indicação prévia do titular do cargo político”.

O coordenador do PSD na comissão de inquérito defendeu, na conferência de imprensa, que na opinião dos dois partidos “não houve intervenção indevida por parte do senhor Presidente da República em todo este processo, que houve uma intervenção exagerada por parte do filho, que não é titular de cargo político, que tentou fazer com que as crianças tivessem um tratamento de privilégio, coisa que terá acontecido por intervenção de um secretário de Estado que, motivado pelas razões que podem ser as mais benévolas possíveis, mas que não cumpriu a lei”.

Quanto ao pedido de nacionalidade das duas gêmeas, PSD e CDS-PP concluem que não existiu “qualquer privilégio quer no prazo, quer no acesso à nacionalidade”.

PSD e CDS-PP dizem igualmente que “a mãe das crianças, Daniela Martins, recorreu aos serviços do SNS apenas para ter acesso ao medicamento que no Brasil não estava disponível à época” e que “diversos médicos ouvidos na comissão garantem ter recebido indicação direta do diretor para que fosse administrado o Zolgensma”.

“Não se pode afirmar que alguma criança ficou sem tratamento em consequência da administração do Zolgensma às gêmeas”, salientam, indicando que “não existia qualquer lista de espera”.

PSD e CDS-PP formulam também recomendações, incluindo que “sejam reanalisados os critérios de referenciação” dos doentes no Serviço Nacional de Saúde (SNS), e que os portugueses que vivam no estrangeiro sejam referenciado por um “clínico do local de origem, com diagnóstico a confirmar no hospital nacional”.

“O SNS não está aqui para dar alternativas de medicamentos pelo valor, está aqui para tratar pessoas que têm direito a esse mesmo SNS. […] É preciso apertar esta malha e deixar isto claro, que o SNS, sendo gratuito e universal, não pode ser aquilo que potencia a utilização indevida e sem qualquer tipo de controlo, como aconteceu em alguns casos, e neste próprio caso”, defendeu o deputado do PSD.

António Rodrigues afirmou também que “as crianças desapareceram do território” nacional depois de terem recebido o medicamento” e os dois partidos recomendam que seja assegurado “o rigoroso cumprimento do critério de residência em território nacional durante o tempo de tratamento”.

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