Parlamento vai ouvir ministra da Administração Interna sobre crimes de ódio e insegurança

Mundo Lusíada com Lusa

A Comissão de Assuntos Constitucionais aprovou neste dia 08, por unanimidade, um requerimento do PCP para a audição urgente da ministra da Administração Interna, Margarida Blasco, sobre prevenção de crimes de ódio em Portugal, depois do caso ocorrido no Porto.

Já um requerimento do Chega também para ouvir a ministra da Administração Interna sobre o crime ocorrido no Porto contra imigrantes foi rejeitado pelo PSD, PS, Bloco de Esquerda, PCP e Livre.

O deputado do PCP António Filipe classificou como “deplorável” o teor do requerimento apresentado pelo Chega e Isabel Moreira (PS) considerou que estava “cheio de mentiras”, enquanto Joana Mortágua (BE) apontou-lhe uma lógica “contrária ao Estado de direito democrático e à Constituição”.

Pedro Neves de Sousa, do PSD, classificou como “uma inutilidade” o requerimento do Chega. Pela parte deste partido, Rui Afonso manifestou-se contra a “política de portas escancaradas, que tem colocado em causa a segurança do país”.

Também por unanimidade, foi aprovado o requerimento da Iniciativa Liberal para audição de Margarida Blasco, e do ex-ministro da Administração Interna, o atual deputado do PS José Luís Carneiro, a propósito da preparação e organização das eleições europeias de 2024. José Luís Carneiro, por proposta do PSD, também se deverá pronunciar sobre o caso de crime de ódio no Porto.

O Problema

A dirigente da associação SOS Racismo Joana Cabral criticou hoje a reação dos políticos aos ataques contra imigrantes na cidade no Porto, pedindo uma abordagem global aos problemas na origem do discurso anti-imigração.

“Achamos que as análises e os comentários são bastante superficiais”, com um “tom de comoção” e um “reconhecimento de que a violência é absolutamente inaceitável”, mas ficam apenas na “condenação moral, que é importante com certeza, mas que não é suficiente”, afirmou à Lusa Joana Cabral, que criticou algumas declarações políticas “bastante problemáticas” porque continuam a “acentuar a narrativa do aumento da insegurança e da criminalidade associada à presença de imigrantes”.

Para Joana Cabral, “o problema não está efetivamente a ser reconhecido com a gravidade que tem e com a devida complexidade”.

A SOS Racismo promete dar apoio às vítimas e colocar-se como assistente no processo movido contra o grupo de suspeitos de agressões contra imigrantes.

Assiste-se a “um crescente aumento do ódio racial nas redes sociais e que é obviamente contaminado, legitimado, naturalizado e incentivado pelos pelo discurso de figuras políticas” e não há “um discurso suficientemente forte” dos quadrantes do governo que contrarie essa tendência, afirmou a dirigente da SOS Racismo.

“Fica a ideia de que não há soluções, porque ao não haver o reconhecimento do problema na sua complexidade, também não pode haver soluções naturalmente”, acrescentou.

A dirigente deu o exemplo da pouca atenção dada ao racismo no programa do governo, em que o assunto é mencionado “quase de passagem”, em comparação com outros problemas sociais de relevo, como a violência contra mulheres ou as pessoas com deficiência, que “são necessidades urgentes, como é natural”.

“No caso do racismo, não há uma única proposta concreta” por parte do governo PSD/CDS, acusou a dirigente, recordando que esta ausência de posições dos dirigentes do país conduz a um “vazio” onde “andam impunes as agressões”, recordando o homicídio de Alcindo Monteiro, na década de 1990, ou a “ficção que foi o arrastão [assalto em massa na praia de Carcavelos]”, num tempo em que havia “um clima político e cultural com narrativas de criminalização de pessoas não brancas e racializadas”.

Hoje, “assiste-se a algum regresso desse ambiente”, com uma “conjuntura em que imaginários eurocêntricos e coloniais estão estacionados nas nossas representações sociais e não são devidamente acautelados porque não se enfrenta a realidade do racismo estrutural e institucional”, considerou.

Joana Cabral critica também os poderes políticos e os media por não abordarem aquilo que a SOS Racismo considera ser o centro do problema, a especulação imobiliária e a precariedade laboral, considerando que essas duas questões permitem uma “narrativa” em que os imigrantes roubam trabalho aos portugueses e provocam aumentos dos preços das casas.

Neste contexto, “vamos ter um aumento da conflitualidade social entre grupos, em que a frustração legítima das pessoas portuguesas, brancas e pobres ou trabalhadoras com dificuldades vai aumentar este sentido de ameaça em relação às outras pessoas que são entendidas como o outro, para as quais a narrativa é sempre a da criminalidade” e que “são elas que vêm tirar os empregos, são elas que vêm tirar o acesso às casas”.

Segundo a dirigente da SOS Racismo, o poder político deve levar este assunto a sério “e não cair na tentação de tirar partido daquilo que são representações preexistentes” de parte da sociedade, procurando “cavalgar uma explicação simplista”, que faz “como bode expiatório as pessoas imigrantes”

No caso do Porto, a reação do presidente da autarquia também merece críticas por parte da SOS Racismo.

“Acho que a resposta do Dr. [Rui] Moreira é bastante equívoca, porque, por um lado, felizmente e bem, é muito perentório e muito assertivo na forma como condena e considera absolutamente injustificável os atos”, mas também faz um “apelo à extinção da AIMA [Agência para a Integração, Migrações e Asilo] a pretexto de uma dificuldade em assegurar a segurança” de quem entra no país.

A AIMA “está absolutamente inoperante”, concordou Joana Cabral, mas considerou que este discurso acaba por relacionar diretamente os imigrantes com a insegurança, em vez da integração, que é o grande objetivo da agência.

Na madrugada de sexta-feira, ocorreram três ataques e agressões a imigrantes na zona do Campo 24 de Agosto, na rua do Bonfim e na rua Fernandes Tomás, no Porto.

Segundo a PSP, os ataques foram feitos por vários grupos, tendo cinco imigrantes sido encaminhados para o hospital devido aos ferimentos.

Na sequência das agressões, seis homens foram identificados e um foi detido pela posse ilegal de arma.

Face à suspeita de existência de crime de ódio, o caso passou a ser investigado pela Polícia Judiciaria.

Europa

Ainda no dia 07, o Conselho da Europa recomendou aos seus 46 Estados-membros que tomem medidas para prevenir e combater os crimes de ódio, disponibilizando serviços de apoio especializados às vítimas, independentemente de serem denunciados à polícia.

“Devem ser incluídas no direito penal disposições eficazes, proporcionadas e dissuasivas para prevenir e combater os crimes de ódio, devendo ser dada prioridade ao desmascaramento, ao reconhecimento e ao registo do elemento de ódio do crime”, lê-se num comunicado divulgado após uma reunião do Comité de Ministros.

De acordo com o Comité de Ministros do Conselho da Europa, os Estados-membros devem garantir o acesso a assistência jurídica gratuita às vítimas de crimes de ódio, dando “especial atenção às crianças e aos jovens”.

“O elemento ódio deve ser incorporado no direito penal como circunstância agravante na sentença, como parte do crime no momento da acusação criminal, como parte constituinte de infrações penais autônomas, ou através de uma combinação destas técnicas”, salienta.

Para o Conselho da Europa, os agentes policiais também devem receber formação no reconhecimento de “indicadores de preconceito” através de módulos obrigatórios nas academias de polícia.

“As funções dos investigadores especializados em crimes de ódio na polícia e dos procuradores especializados em crimes de ódio devem ser desenvolvidas (…). Os Estados devem combater a impunidade e responder a qualquer comportamento tendencioso por parte das autoridades responsáveis pela aplicação da lei ou de outros profissionais da justiça penal em relação às pessoas alvo de crimes de ódio”, realça.

A recomendação centra-se também na monitorização e na recolha de dados por terceiros, como funcionários públicos.

“Os Estados-membros devem garantir que as instituições educativas e os professores contribuam para o desenvolvimento de uma cultura de inclusão e os provedores de serviços de Internet identifiquem e combatam crimes de ódio”, refere o Conselho da Europa.

A organização acrescenta que os 46 Estados-membros devem também promover um espaço cívico seguro, no qual a sociedade civil possa operar e garantir apoio e proteção adequados contra ameaças e ataques.

 

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