Portugal não foi nem será “parceiro privilegiado” do Brasil – pesquisadora

Da Redação com Lusa

A investigadora Isabel Corrêa da Silva, autora da biografia de José Bonifácio de Andrade, figura da independência brasileira, a ser lançada em maio, considera que Portugal não foi nem será “um parceiro privilegiado do Brasil”.

“O Brasil é de uma escala, em várias dimensões, que é incomparável com Portugal e, portanto, naturalmente, nós não vamos ser um parceiro privilegiado, independentemente de termos os fatores comuns, como a língua, como algum passado comum”, afirmou numa entrevista à Lusa, a propósito do lançamento do seu novo livro, a acadêmica e estudiosa das relações entre os dois países em certos períodos da história.

Para Isabel Corrêa da Silva, o interesse na ligação entre os dois países continua a existir “muito mais do lado português do que do lado brasileiro”, o que não é muito diferente ao longo da história de Portugal e Brasil após a independência deste do reino português.

“Eu acho que depois da Independência do Brasil em 1822, o elemento que pauta mais as relações entre dois países é uma espécie de desinteresse do lado do Brasil em relação a Portugal”, afirmou.

Pelo contrário, do lado português, há “um grande esforço” por “manter algum tipo de relação privilegiada, ou de conseguir de alguma forma otimizar um passado comum que tinha com o Brasil”.

Na opinião da investigadora, este esforço português “acaba por resultar num percurso em direções opostas” dos dois países.

Portanto, há desde o início do século XIX, após a independência, um esforço grande de Portugal para tentar, por exemplo, assinar tratados comerciais com o Brasil para ter alguns privilégios no mercado brasileiro, e vice-versa também, para facilitar a entrada de produtos brasileiros em Portugal, indicou.

Há também tentativas de tratados para questões editoriais para os portugueses, para os autores portugueses poderem publicar no Brasil, mas todos acabam por terminar “porque há um desinteresse por parte do Brasil”, o que a acadêmica considera compreensível.

Para a autora da biografia de Bonifácio de Andrade, “há reflexos” hoje das relações entre os dois países no pós independência.

“No século XIX, o segundo grande fator que mantém a ligação entre os dois países é a imigração e hoje eu acho que continua a ser a imigração. Agora temos muitos brasileiros, é o contrário, se calhar temos mais brasileiros cá, do que portugueses do Brasil”, afirmou Isabel Corrêa da Silva.

Quanto ao modo como Portugal pode aproveitar o seu passado comum com o Brasil, Isabel Corrêa remete para os políticos.

Mas acrescenta: “acho que, se calhar, continuamos numa posição mais unilateral no esforço que fazemos para nos aproximarmos do Brasil e de querer agradar, e nem sempre isso é recíproco”.

“São escalas muito diferentes. Efetivamente Portugal, em âmbitos muito específicos, como é o acadêmico, se calhar continua a servir como plataforma de entrada na Europa ou de alguns negócios”.

Isabel Corrêa da Silva faz parte dos Grupos de Investigação “História e memória” e “Impérios, colonialismo e pós‑colonialismo” do Instituto de Ciências Sociais (ICS) da Universidade de Lisboa e é codiretora do programa de doutoramento em História do ICS (PIUDHist) e membro do Conselho Científico e do Conselho de Escola do mesmo instituto.

Também é docente do Mestrado em Estudos Brasileiros da Universidade de Lisboa e professora convidada da Faculdade de Letras (UL) e da Northeastern University (CIEE Portugal Program), pelo que colabora com frequência em vários projetos de investigação e com instituições acadêmicas internacionais, nomeadamente no Brasil.

O foco da sua investigação é a cultura política e a cidadania no Portugal e no Brasil oitocentistas e é autora e editora de vários livros e capítulos, nomeadamente “O Espelho Fraterno: o Brasil e o republicanismo português na transição para o século XX” (Prêmio Mário Soares 2013).

Homem das luzes

José Bonifácio de Andrade foi “um homem das luzes” portuguesas e brasileiras, numa altura em que grandes figuras da sociedade e a monarquia eram atlânticas, defende a autora da primeira biografia em Portugal do personagem.

“Foi um homem das luzes e uma figura muitíssimo importante das luzes portuguesas e das luzes luso-brasileiras. E isso também é interessante e outro fator a destacar” na biografia, a lançar em maio, disse Isabel, salientando que estas “figuras de finais do século XVIII e início de XIX são luso-brasileiros”.

José Bonifácio de Andrade nasceu no Brasil, estudou em Coimbra e depois foi para a Europa. Mais tarde, trabalhou duas décadas em Portugal e voltou depois para o Brasil, tudo isto num contexto “da monarquia portuguesa, nessa altura, que é uma monarquia Atlântica”, o que, no entender da autora, quer dizer que era uma monarquia que tinha “vários polos”.

“Não podemos pensar apenas no polo europeu e da Península Ibérica. É esta mobilidade e também esta amplitude de circulação destas figuras políticas, intelectuais e sociais, um elemento a destacar” naquele período da história, frisou Isabel Corrêa da Silva.

Neste contexto, o que tornou célebre José Bonifácio de Andrade “foi o fugaz protagonismo que teve depois, já quase no fim da vida, quando regressa ao Brasil e tem um envolvimento muito intenso nos eventos da independência”, sublinhou a autora da primeira biografia de Bonifácio de Andrade escrita em Portugal.

Já em Portugal destacou-se como cientista e como homem público, porque, de acordo com Isabel Corrêa, “nos finais do século XVIII, intelectuais como Bonifácio de Andrade eram tudo, cientistas, mas também pensavam e escreviam muito em torno de soluções para o desenvolvimento do país. Portanto, eram intelectuais públicos, com propostas de políticas públicas. Não apartavam o seu trabalho da ciência de uma ciência aplicada, no sentido da promoção do desenvolvimento do país. E é nisso que ele se destaca efetivamente”.

Esta figura viveu num período da história portuguesa “bastante negligenciado, todo o século XIX, de uma certa maneira”, o que Isabel Corrêa lamenta, porque “as primeiras décadas do século XIX são as da fundação da nossa modernidade”.

“O enquadramento jurídico e mesmo ideológico dos princípios da igualdade perante a lei são herdados desta transição que se faz do antigo regime para o liberalismo, no início do século XIX e, no entanto, é um período que está muitíssimo mal estudado” disse.

Pensar a revolução liberal portuguesa implica a transição para o liberalismo e implica pensar no Brasil, defendeu.

“Isto é muito severo dizer assim abstratamente, mas depois é mais fácil perceber se nos focarmos em pessoas. E esta pessoa em causa, de certa forma, encarna este horizonte de possibilidades políticas e geográficas que estavam na altura”, frisou.

“[Pelo que] pareceu-me ser uma figura que muito bem encarna e exemplifica toda a complexidade política que esteve em causa neste período, fundacional para o Brasil, porque é a origem de uma nova nação, mas é também fundacional para Portugal”, porque é a época em que se dá “uma transformação para o Portugal que nós temos hoje. Nós somos herdeiros desta transição”, explicou.

Bonifácio de Andrade foi uma figura central no processo de independência do Brasil de 1822 e um expoente das luzes luso‑brasileiras de finais do século XVIII, com reconhecimento científico e acadêmico internacional.

“Este livro pretende recuperar a história do cientista e humanista português conhecido como o Patriarca da Independência do Brasil, que se destacou também como uma das primeiras vozes públicas a defender o imperativo da articulação entre a reforma do império luso‑brasileiro e a abolição do tráfico de escravos”, refere a editora do livro, a Tinta da China.

 

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